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As músicas que eu mais amo descobri jogando videogame

Sem Tony Hawk’s Pro Skater, GTA e Dave Mirra, minha biblioteca musical provavelmente estaria vazia.

Estou andando por uma estrada empoeiradíssima, esperando um carro passar. Quando um veículo começa a despontar no horizonte, me coloco diretamente no seu caminho. Como planejei, o carro — neste caso, uma picape detonada — para à minha frente. Vou até a janela do motorista, aponto minha arma, coloco todo mundo pra fora e meto o pé no acelerador. Enquanto acelero em direção ao sol, que começa a se pôr sobre Blaine County, a Radio X toca a todo volume no som da picape.

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Isso não é a vida real; não sou um ladrão de carros. Estou de cuecas, comendo Doritos e jogando Grand Theft Auto. Ainda assim, as músicas da trilha sonora, que vão de All Saints e Jai Paul a Suicidal Tendencies e Bob Seger, fazem a minha vida criminosa virtual parecer mais próxima da realidade. Depois, ultrapasso toda a força policial de Los Santos enquanto “Applause”, da Lady Gaga, toca ao fundo. Quando minha onda virtual de crimes chega ao fim, decido abandonar a picape e entrar num táxi numa pausa estratégica para fumar um cigarro. Escuto “El Sonidito” da Hechizeros Band pela primeira vez, e me apaixono pelos seus bipezinhos.

As cenas que liguei a essas músicas as trouxeram para o meu cotidiano. Como resultado, novos artistas e bandas — que não estariam no meu radar se não estivessem na trilha sonora do game — agora estão na minha playlist diária. Na verdade, a relação que tenho com games e música é única.

Superficialmente, gamers como eu estão sendo apresentados à música nova. Isso é bom, porque não tem coisa melhor do que se apaixonar por uma música totalmente nova vinda de um lugar inesperado. Mas, lá no fundo, há uma borbulhante corrente com a função de ajudar a estabelecer a carreira de artistas e compositores, dando a eles mais exposição e lucro do que nunca. Só pense no sucesso dos artistas de hoje e ontem que foram descobertos através das estações de rádio do GTA.

Então, quando tudo isso começou? Grandes franquias, como Grand Theft Auto, FIFA e NBA, são famosas pelas suas trilhas sonoras, mas a inclusão de músicas populares nos videogames antecede a sua existência em quase uma década. Moonwalker, de Michael Jackson — que incorporava versões sintetizadas de hits do artista, como “Beat It” e “Smooth Criminal” — é discutivelmente o primeiro game a incluir música pop na sua trilha sonora, lançado em gloriosos 8 bits para o Sega Genesis em 1989. Games como Wipeout 2097 (que tinha Chemical Brothers e Prodigy na sua trilha sonora) e Quake (que teve trilha assinada por Trent Reznor, do Nine Inch Nails) vieram logo depois, cimentando a ideia de que incluir música pop nos games era mais do que uma moda passageira. Mas, para mim, o ápice da música de videogame só chegou em 1999, com o lançamento de Tony Hawk’s Pro Skater. Foi esse o jogo que abriu meus ouvidos para um mundo inteiramente novo.

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Toda as tardes, eu sai correndo da escola para casa, jogava minha mochila no chão e ligava o Playstation para jogar a fase do game que se passava numa escola. Agora, não me leve a mal — eu adorava fazer manobras em escadas da segurança do meu sofá. Mas, como um moleque vivendo em um mundo sem internet de alta velocidade, a coisa mais interessante no game, para mim, era a trilha sonora. Porque, do Golfinger aos Vandals, ele me apresentou a uma cena punk de que eu nunca tinha ouvido falar antes.

Com a continuação da franquia, migrando do Playstation para o Playstation 2, Tony Hawk’s Pro Skater teve uma forte influência no meu gosto musical. De certa forma, foi como um irmão mais velho. Ao lado de artistas como Bouncing Souls e Less Than Jake, edições posteriores incluíam Frank Sinatra, Gang Starr e Public Enemy, levando nova música aos meus ouvidos, anos antes dos suecos criarem o Spotify. Sei que não estou sozinho no meu amor pelas trilhas sonoras de THPS; elas se tornaram uma espécie de referência cultural e entraram para o cânone da nostalgia da minha geração, enchendo o YouTube de playlists décadas depois do lançamento dos games. E essas trilhas que ajudaram a definir uma geração ajudaram as bandas envolvidas a vender muitos discos.

Tim Riley, um ex-funcionário da Activision, responsável pela maior parte das músicas incluídas na série Tony Hawk, diz que o Fall Out Boy vendeu 70 mil cópias do seu disco em uma semana depois de uma música deles aparecer em Tony Hawk’s American Wasteland, de 2005. “Superman”, do Goldfinger, hoje é uma das músicas mais populares da banda, e para muitos é a música-tema da série. Através da sua trilha sonora, o game se tornou sinônimo do amor dos millennials pelo punk rock, e pode-se dizer que muitos músicos não teriam tido carreiras de tanto sucesso sem ele.

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Desde o lançamento da franquia Tony Hawk, as trilhas sonoras de games explodiram. Hoje em dia, é tão comum ouvir a Lorde na trilha de Assassin’s Creed (ela fez uma aparição no trailer) quanto no rádio. E quem consegue esquecer The Sims 3, que convocou artistas tão diversos quanto Damian Marley, The Flaming Lips e Katy Perry para regravar suas músicas em simlês? Mas os games famosos não são os únicos a fazer os gamers prestarem atenção na música. Um exemplo é Life Is Strange, uma aventura em terceira pessoa lançada em 2015. O game trata de temas pesados, de tráfico de drogas a abuso, e mesmo assim, o que o torna especial é como os desenvolvedores cuidadosamente escolheram as músicas da trilha sonora, ajudando a amplificar a emoção crua embutida no título.

[ALERTA DE SPOILER] No final da quarta fase do game, o jogador é confrontado com uma decisão. Pode escolher eutanasiar um dos protagonistas, acabando com o seu sofrimento, ou simplesmente ir adiante. Como a cena é virtual, isso pode soar banal, mas é a inclusão da faixa “Mountains”, do Message To Bears, que ajuda a dar vida à emoção crua da cena. Na verdade, ela é tão emocionante que alguns fãs choraram enquanto passavam por ela. Outros entraram em contato com o Message To Bears para dizer o quanto a música os tocou. A banda diz que “ganhou novos ouvintes” com o game, e a faixa em questão agora tem quase um milhão de plays no YouTube.

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Seja dirigindo pela freeway de Los Santos, seja decidindo ansiosamente injetar ou não morfina em um protagonista, é essa conexão emocional entre a música e cenas específicas num jogo que ajuda a aumentar as vendas das faixas. Dan Croll é um artista de música eletrônica que apareceu no FIFA 14 e no GTA V. Uma de suas faixas apareceu numa playlist do Justin Bieber, mas foi a sua inclusão na franquia Grand Theft Auto que levou a um aumento fenomenal do seu número de fãs, ultrapassando largamente a atenção que recebeu com a indicação de Bieber. “Quando a música saiu no GTA V, eu estourei”, ele diz. “Gamers de todo o mundo vieram falar comigo para me dizer o quanto a faixa os tinha tocado.”

Não surpreende que os games agora sejam vistos como um metódo rentável de distribuição de música. Zach Horowitz, ex-CEO da Universal Music, uma vez disse que a inclusão de uma música na franquia Guitar Hero impulsiona as vendas na vida real em 200 a 300%. Bobby Cotick, diretor da Activision, afirmou que o Aerosmith lucrou mais com Guitar Hero do que com qualquer disco. É a reedição em vinil do mundo dos games. Em novembro, as vendas digitais da música-tema do Inon Zur para Fallout 4 ultrapassaram os 17 mil. Esse número pode parecer insignificante em comparação a artistas grandes, mas é alto se você levar em conta que as pessoas que jogavam o game se deram ao trabalho de comprar a música-tema que toca repetidamente nele.

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Então, levando em conta que essas franquias maiores e mais populares têm mais potencial para gerar streams do que uma playlist do Justin Bieber, talvez fique mais fácil perceber por que o Universal Music Group fez um investimento na desenvolvedora sueca de jogos mobile Nuday Games em outubro passado. O primeiro lançamento do estúdio é um game mobile de trívia chamado Rock Science: The Rock Game of the Century. Essencialmente, ele testa os seus conhecimentos sobre bandas de rock, do Motorhead ao Korn.

Há algum ceticismo na indústria em relação ao envolvimento das grandes gravadoras. Enquanto alguns desenvolvedores incluem músicas nos seus jogos porque elas ajudam a incrementar a qualidade artística do produto, outros simplesmente o fazem para promover seus títulos, e é por isso que Jason Derulo lamentavelmente foi chamado para apresentar Just Dance 3 para o público na conferência internacional de games E3 do ano passado. Mas, quando a coisa é feita da maneira certa, esses jogos ajudam a modelar o gosto musical dos gamers, o que é especialmente útil para os gamers mais hardcore, que se recusam a abandonar seus consoles sempre que há uma oportunidade de ganhar o dobro de pontos de experiência quando estão jogando online.

Descobri algumas das minhas bandas favoritas por meio de games como Tony Hawk’s, Dave Mirra Freestyle BMX e GTA. Escutar o EP All Hallows, do AFI, me remete diretamente à experiência de jogar Tony Hawk’s Pro Skater 3, terminando a fase da metalúrgica em 100% pela primeira vez. Mais recentemente, a trágica morte de Dave Mirra me fez procurar playlists no YouTube e tocar “What I Got” do Sublime repetidamente. Quando recebi a notícia, senti como se a minha infância tivesse levado um tremendo golpe. Passei um bom tempo da minha vida jogando Dave Mirra Freestyle BMX, e devo minha descoberta de bandas como Pennywise, Sublime e Deftones ao jogo, assim como muitas outras.

A influência dessas trilhas sonoras não afetou só os gamers. De certa forma, esses games têm o poder de moldar o gosto musical de uma geração inteira, e gerar sons completamente novos através da sua influência. Do grime ao hip-hop, é impossível contar o número de músicos que citam o Music 2000 para Playstation como sua porta de entrada para a produção musical. Bandas como The Reign of Kindo e BadBadNotGood estão fazendo versões das suas faixas favoritas de games também. E, cada vez mais, há turnês celebrando a música de games como Pokémon, com orquestras completas tocando as faixas ao vivo.

Basicamente, a futura relação entre games e música parece tão brilhante que me deixa meio nauseado. Games trazem música para as nossas vidas; sem eles, minha biblioteca musical provavelmente não teria quase nada, só aquela música do David Byrne que veio com a minha cópia do Windows 98. E como todos os gamers de PC sabem, isso seria horrível.

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