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Digitaldubs reúne as lendas Lee Perry e Tom Zé em dub animado

Com muita psicodelia e reverb, o sound system carioca faz um encontro de mestres no desenho animado. Vídeo estreia no Animamundi do Rio nesta sexta (27).

“Estudando o dub” é uma música do sound system carioca Digitaldubs produzida pelo seu fundador Marcus MPC promovendo um encontro de gigantes: o baiano Tom Zé e o jamaicano Lee “Scratch” Perry. O que já era grandioso ficou ainda maior com o impecavelmente psicodélico videoclipe de animação dirigido pelo brasiliense Aleixo Leite, lançado nesta sexta (27) na “Praça Animada” do Festival Animamundi no Rio de Janeiro.

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Cabos, caixas de som, pandeiros, vinis, orquídeas, pirâmides, ondas sonoras e pés de maconha formam um caleidoscópio de referências, no qual os personagens mergulham enquanto atravessam diversas portas. A música será lançada também em compacto numa parceria da Muzamba (selo do Digitaldubs) com a B.Mundo (do brasileiro radicado em Londres Pedro D-Lita). Conversei com o MPC para entender a gênese do clipe e da música.

Noisey: Como rolou a parceria com o Aleixo pro clipe?
Marcus MPC: Eu já conhecia o Aleixo, que é um cara lá de Brasília, e sempre que o Digitaldubs ia tocar lá ou ele vinha pro Rio ele tava nas festas, acompanhava e conhece o som a fund. A gente já tinha trocado ideias de algum dia fazer um trabalho de animação, só que eu sempre deixei essa parada na manga pra quando tivesse uma boa oportunidade. Daí pra fazer esse clipe tinha de ser uma animação, não podia ser uma coisa careta dos dois caras cantando, uma montagem de estúdio, tinha de ser o lance psicodélico que a música pedia. O clipe amplificou a mensagem. A gente conversou por um tempo pra levantar um roteiro e um argumento e aí foi fácil porque o Aleixo também conhece dub, conhece o Lee Perry e o Digitaldubs. Tem vários detalhezinhos no clipe tipo os selos do disco dele, o Super Ape, que é um personagem que aparece na capa de dois discos clássicos, o Super Ape e o The Return of the Super Ape.

Tem também referências ao próprio Digitaldubs, como uma representação do baile que vocês faziam no Vidigal.
Isso. Ao mesmo tempo não ficou um lance que é só o Tom Zé e o Lee Perry, porque o Digitaldubs é o personagem que criou essa conexão, então tem todos esses elementos ali. A própria maneira como a coisa se desenvolve conta também a história da criação da música. Aparece eu no estúdio, e os dois caras na minha cabeça. É um pouco contando a concepção da musica mas tudo de uma forma bem psicodélica.

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E como foi o processo de criação da musica?
Eu sempre tive essa ideia de fazer paralelo de alguns artistas jamaicanos com caras no Brasil que tivessem a mesma vibe, por exemplo o Gregory Issacs seria um Roberto Carlos no Brasil. Sempre viajei que o Lee Perry era o Tom Zé, pela inventividade das paradas da parte sonora, da parte de poesia, da performance, essa coisa doida de palco, de quebrar barreiras. E aí eu tou escutando a música “Toc” do álbum Estudando o Samba do Tom Zé e penso “caraca, isso encaixa num dub”, ai eu peguei e comecei a brincar com ela e fiz uma musica instrumental num clima meio Lee Perry — a base, um baixo e bateria no clima das produções do Black Ark in Dub. Isso foi há dois anos. Há um tempo teve um show do Lee Perry em São Paulo e a gente foi chamado pra abrir. Então fiquei pilhado em mostrar pra ele e ver se ele não gravava uma voz ali. Ele tava fazendo show com o Mad Professor, que já é parceiro nosso de longa data, e rolou o link. Fomos até o saguão do hotel dele com o equipamento, montamos um esqueminha e ele gravou a voz lá. Aí fiquei com essa parada gravada e pensei "porra, agora tem que botar o Tom Zé junto", já não queria mais que ele entrasse como sample. Consegui achar uma agenda, fui no estúdio dele em São Paulo, e ele se amarrou. Depois, pesquisando a história dos dois cada vez mais eu via conexões: os dois nasceram no mesmo ano (1936), então ambos têm os mesmos 82 anos. E os caras lá gravando, a poética, a forma de cantar, de se colocar, é muito parecido. E na hora que encaixou parecia que os dois estavam num mesmo mundo mermo, sacou? Conversando na música.

E como foi estar “em estúdio” com o Lee Perry?
Foi muito rápido, na verdade. O Lee Perry é um cara que é meio de lua, né? Ele já tava de fim de viagem, dali já ia embora, não deu pra trocar uma ideia muito longa com o cara, até porque trocar uma ideia com ele não é uma coisa muito simples — depende muito de como ele tá naquele momento. O Mad Professor ajudou muito, então o cara já chegou na sala meio que no foco pra gravar, se apresentou, perguntou que que era e gravou. O Marcelinho da Lua tava comigo nessa missão. Contei pra ele “tou tentando gravar o Lee Perry” e ele deu uma pilha total na parada e ajudou a gente no processo. E ficou todo mundo assim, parecia que tava num playground. Ouvindo o cara gravar e rindo à toa, de queixo caído. Foda que como ninguém foi muito preparado pra fazer uma sessão mesmo com tempo, só tem umas fotinhos de celular, tudo com a mão tremendo, mais preocupado em gravar a música. O Lee Perry perguntou “é sobre o quê?”, aí eu falei que o nome era “Estudando o Dub”. Expliquei rapidamente o sample que eu usei, por que ele não tava ligado no Tom Zé. Ai ele pegou o computador dele e tinha várias letras lá. Pegou, olhou uma letra que ele achou que tinha a ver e começou a fazer. Uma letra super aberta a interpretação, sobre abrir as portas da percepção, abrir a mente pra novas ideias.

E com o Tom Zé? Como foi?
Com o Tom Zé já foi um lance que eu já tive mais tempo. Foi demorado pra marcar — ele tava em turnê e gravando disco. Ficamos a tarde toda na casa dele, em São Paulo, e eu fiquei operando o estúdio e produzindo com ele. Tocamos a música algumas vezes, fizemos uns rabiscos, eu já tinha mandado a letra do Lee Perry pra ele. E, cara, o coroa é muito simpático, muito aberto, muita energia também.

Adorei quando ele fala “abre a porra da porta”!
Isso que eu falei que é uma das coisas que vieram naturalmente que são muito parecidas entre o Tom Zé e o Lee Perry. Eles tão lá falando uma coisa seriona e de repente solta uma coisa escatológica no meio, e que talvez com outra pessoa falando não faria o menor sentido, mas com eles sim. Eles botam humor em assuntos profundos. Tem uma frase que ele fala “abra a cabeça, abra o coração, abra as pernas —, pode parecer algo tipo uma putaria rasa, mas não, ele tá falando da liberação sexual, que faz parte da liberação do sentimento, da liberação da mente também. É humor, mas continua com um conteúdo poético.

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