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Entretenimento

Decodificando o blog da russa obcecada pelo NRA acusada de ser espiã nos EUA

Traduzimos o LiveJournal de Maria Butina, a russa acusada de usar sexo para influenciar as políticas republicanas para o Kremlin.
Maria Butina na convenção de 2015 do NRA em Nashville. Maria Butina/LiveJournal.

Matéria publicada em parceria com The Trace .

O blog pessoal de Maria Butina abre uma janela para a mente da mulher acusada de ser uma espiã russa nos EUA, presa este mês como parte de uma investigação mais ampla sobre as tentativas do Kremlin de influenciar a eleição presidencial de 2016. Muitas das postagens, de anos atrás e que totalizam milhares de palavras, foram traduzidas do russo pelo The Trace.

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Os posts que vamos analisar, parte do blog no LiveJournal de Butina, foram publicados entre 2012 e 2015, quando Donald Trump estava emergindo como o candidato republicano. Muitas das postagens foram escritas quando ela participava de várias convenções anuais da Associação Nacional de Rifles (NRA) dos EUA. Durante aqueles anos, Butina foi de elogiar o grupo como um “bastião” da sociedade armada norte-americana a ganhar um conhecimento íntimo de seus processos internos.

Algumas das coisas que ela escreveu são reflexões mundanas sobre uma terra estrangeira, como peculiaridades em dar lances num leilão ao vivo de armas: “tenha cuidado se sentir vontade de coçar o nariz”. Ela ficava especialmente impressionada com a quantidade de comida nos eventos do NRA e a dieta pouco saudável dos norte-americanos – “hambúrgueres… acompanhados de milkshake”. Butina continua:

Geralmente, todas as conversas de negócio ou simples socializações acontecem no começo da manhã, durante o café da manhã, que é seguindo pelo brunch (breakfast + lunch = brunch), e depois almoços, seguidos de jantares. Assim é possível comer o dia inteiro. Na América, é fácil distinguir a classe média e alta dos pobres pelo seu excesso de peso. Se você vir um sujeito muito corpulento na sua frente, é muito provável que ele seja representante de uma classe de menos sucesso, no sentido financeiro. A explicação para isso é simples: comida de qualidade é cara e prepará-la exige tempo e dinheiro, enquanto fast food é barata. Comida saudável é fácil de encontrar, mas hambúrgueres são mais deliciosos, baratos e, além disso, o acesso é mais fácil. E esses geralmente são acompanhados de milk shakes feitos de sorvete (smoothies) ou refrigerante. Um café da manhã típico aqui é Coca-Cola.

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На съезде NRA-2014, часть 2

Outras postagens revelam como Butina se envolveu com a liderança do NRA e as minúcias dos esforços do grupo para cultivar a próspera cultura de armas norte-americana.

“Gosto de acreditar que, estudando as experiências deles, vamos precisar de menos tempo para atingir seu sucesso”, Butina escreveu em 2014, enquanto participava da convenção do NRA em Indianápolis.

Aqui vão quatro destaques dos textos de Butina:

Butina era fascinada por como o NRA influenciava políticas públicas

Na época em que escrevia o blog, Butina estava ajudando a estabelecer um lobby de armas na Rússia chamado Direito de Portar Armas. Os posts de Butina mostram que ela queria moldar o grupo com base no NRA, particularmente quando se tratava de construir coalizões mais amplas de simpatizantes do direito de porte e influenciar políticas públicas.

Em uma postagem, Butina elogiava como o NRA escolhia realizar suas reuniões em diferentes cidades e planejavam cada convenção segundo os gostos da comunidade local. Essas viagens, “facilitam para novos grupos de simpatizantes chegarem ao local do evento, para aqueles que moram nas proximidades do último ponto de encontro; isso também torna as coisas mais 'justas', então, talvez, no próximo ano, os aficionados por armas também venham para o seu estado”.

Butina também expressou o desejo de reunir e influenciar políticos russos, da mesma maneira como o NRA usa seus tentáculos para apoiar ou derrubar propostas de lei. Em uma postagem de 2012, Butina chama o NRA de uma “organização maravilhosa”, cujas proezas de lobby eram responsáveis por afrouxar restrições nos EUA, tornando o país “a sociedade do mundo mais altamente armada, o que também a torna a mais livre, afluente e ao mesmo tempo segura, apesar da abundância de contradições internas”.

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Em contraste, Butina lamentava como a “passividade social” dos donos de armas na Rússia tinha levado a um “caos de leis proibicionistas” de “proporções notórias”, criando uma situação onde legítima defesa era “vista muitas vezes como um crime para o sistema legal”. Para superar essas questões, Butina disse que os entusiastas de armas de seu país precisavam de uma “representação poderosa”.

Ela continuava:

Para esse propósito, a Federação Nacional de Armas de Fogo – o análogo russo do NRA – agora está se formando, e poderia ser capaz de representar de maneira eficaz os interesses da comunidade armada, exercendo influência não só sobre autoridades, mas na opinião nacional para propósitos de educar as pessoas e desenvolver a cultura de armas, a formação de um legislativo, cultura e ambiente informativo ideais, onde os cidadãos honestos e armados poderiam se tornar objeto de orgulho nacional, um pilar para prevenção de crime no nosso país, um modelo, não uma vítima de perseguição, calúnia e suspeita.

Сбор по оружейной ассоциации

Ela era uma defensora ferrenha de seu mentor, Alexandr Torshin

Em 2013, um blogueiro anticorrupção criticou o senador russo Alexandr Torshin por se aproximar do NRA, dizendo que o grupo poderia ser usado como um veículo para avançar interesses norte-americanos em Moscou. Depois de ler a postagem, Butina, que estava trabalhando com Torshin para desenvolver o Direito de Portar Armas, revidou, chamando esses medos de “absurdos”. Na visão dela, o NRA era exatamente o tipo de organização que os russos precisavam abraçar se queriam que o país diminuísse as restrições de porte de armas.

Torshin, um oficial russo de alto escalão com laços com o presidente Vladimir Putin, teria sido o mentor de Butina enquanto ela tentava se infiltrar nos círculos políticos conservadores em Washington. Os contatos de Torshin e Butina com o NRA estão sob escrutínio enquanto as autoridades investigam revelações de que Butina poderia estar usando o grupo para ganhar acesso a políticos republicanos importantes e incentivar a candidatura de Trump para a Casa Branca.

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Butina via o NRA como um remédio para as relações complicadas entre Rússia e EUA

Butina aparentemente tinha um jeito próprio de se aproximar dos figurões do NRA. Ela tinha uma foto sorrindo ao lado de Sandy Froman, uma das ex-presidentes do grupo, que ela chamou de “uma mulher lendária”. Ela também postou uma foto sua dando de presente uma placa do Direito de Portar Armas – um “presente comemorativo”, como ela chamou, com a imagem de uma pistola – para Jim Porter, o presidente do NRA na época. Em um álbum de Butina no seu perfil no VK, uma rede social russa, Butina aparece sorrindo ao lado de Wayne LaPierre, o vice-presidente-executivo do NRA na época.

As fotos foram tiradas na convenção do NRA de 2014 em Indianápolis, onde Butina estava representando o Direito de Portar Armas dentro, como ela escreveu em seu blog, de “um quadro de troca de experiências e colaboração internacional”.

“Cedo ou tarde, o conflito entre nossos países vai se tornar história, e vamos poder nos dar bem”, ela escreveu. “A velocidade com que isso vai acontecer depende em parte da diplomacia de base e colaboração entre (organizações não-governamentais) dos nossos respectivos países.”

Junto de sua foto com Porter, o presidente do NRA, Butina escreveu:

Tendo completado a missão das minhas responsabilidades profissionais, presenteei o Sr. Porter, o atual 62º Presidente do NRA, com uma placa comemorativa do movimento “Direito de portar armas”. O NRA é uma organização ativa desde 1871 que atualmente conta com mais de 5 milhões de membros. Gosto de acreditar que, estudando suas experiências, podemos precisar de menos tempo para atingir seus sucessos na questão de defender e ampliar o direito civil fundamental, em relação aos outros, de ter armas de fogo.

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Перед съездом NRA

Mais tarde naquele ano, numa postagem intitulada “Encontro em Moscou com um representante do NRA”, ela pede que simpatizantes compareçam a uma reunião com Paul Erickson, um membro do NRA com várias ligações com políticos conservadores. O evento aconteceria em setembro no quartel-general do Direito de Portar Armas em Moscou. O encontro, ela dizia, oferecia uma chance para os russos aprenderem sobre as atividades da “associação mais influente de civis donos de armas do mundo”.

Erickson não foi acusado de nenhum crime. Em documentos do tribunal, as autoridades alegavam que uma pessoa que se encaixava na descrição dele foi fundamental para abrir as portas do mundo dos conservadores de Washington para Butina. Em algum ponto, os dois tiveram um relacionamento romântico. Em 2016, Erickson a ajudou a estabelecer uma associação de responsabilidade limitada (LLC em inglês) em seu estado natal, Dakota do Sul. Essa LLC ajudou Butina a pagar por seus estudos na American University, onde ela fazia um mestrado. Especialistas apontaram que essa LLC poderia ser usada para canalizar dinheiro para fundos de campanha através de grupos como o NRA, apesar de registros públicos não mostrarem transações de financiamento de campanha envolvendo a associação.

Erickson foi um entre vários representantes de diversos países que participaram da convenção organizada pelo Direito de Portar Armas em 2013, escreveu Butina, uma reunião que a ensinou como entusiastas de armas do mundo todo encaram obstáculos similares.

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É difícil superestimar o significado dessa troca de experiências entre nossas organizações sociais similares – a experiência da 2ª Convenção do movimento “Direito de Portar Armas” em 2013, com participação de mais de 15 representantes de associações de armas de fogo de diversos países, mostrou que os problemas dessas associações e mesmo a retórica do “proibicionistas” são os mesmos em toda parte. Dentro desse contexto, é muito importante saber a experiência de outras nações na área de lobby e organização comunitária para defender o direito dos cidadãos de ter armas e usá-las para se defender.

Contra o fundo de uma situação internacional tensa, a consolidação dos interesses da comunidade e seus cidadãos em trabalhar seus problemas, em chamar a atenção dos políticos para o fato de que temos mais em comum que diferenças, se torna ainda mais urgente.

Ежегодное собрание членов Национальной Стрелковой Ассоциации США (NRA) 10-12 апреля в Нашвилле

Butina era fluente na retórica do NRA

Butina dava crédito à “lendária 'sociedade armada' americana” criada pelo NRA por levar a taxas menores de homicídio nos EUA que na Rússia. O argumento dela parece ter sido tirado diretamente da cartilha do NRA, que há muito tempo argumenta que armas são a melhor defesa contra criminosos, apesar do corpo crescente de pesquisas dizendo o contrário.

“Desenvolver um mercado privado para armas de fogo civis e o direito de porte na Rússia vale a pena, não por qualquer consideração de comércio internacional, mas em resposta aos níveis de criminalidade no país e à necessidade de autodefesa, além de apoiar e desenvolver esportes de tiro, que atualmente são, infelizmente, elitistas considerando os preços das armas e munições”, Butina escreveu.

Em um post, Butina elogiava a abertura do NRA para as mulheres, escrevendo que “uma mulher tem uma necessidade maior de se armar – ela é fisicamente mais fraca e muitas vezes fica sozinha com os filhos – se tornando um alvo conveniente para criminosos”.

Uma versão dessa matéria foi originalmente publicada pelo The Trace, uma organização de notícias sem fins lucrativos cobrindo a questão das armas nos EUA. Assine a newsletter deles, e siga no Facebook ou Twitter.

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