'I Gotta Feeling' do Black Eyed Peas é a música mais deprimente do mundo
Imagem: YouTube/Reprodução.

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Noisey

'I Gotta Feeling' do Black Eyed Peas é a música mais deprimente do mundo

Lançada no início do verão de 2009, essa música é um hit de festas que me enche de tristeza toda vez que a escuto.
Emma Garland
London, GB
SO
Traduzido por Sarah Oliveira

Matéria originalmente publicado em Noisey UK.

Eu trabalhei em um bar dos 18 aos 21 anos. Não odiava o emprego, mas também não o descreveria como bom. Mais da metade dos funcionários estudava na mesma faculdade que eu e uma das perguntas da entrevista tinha sido “Qual famoso você receberia para um jantar?”, então a atmosfera era ostensivamente divertida e casual. Até você não vender o número necessário de drinks na noite — isso não era nada divertido ou casual.

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De qualquer modo, como sabe qualquer pessoa que já tenha sofrido por trabalhar dois turnos servindo jarras de um drinque chamado Woo Woo para estudantes de ciências do esporte, uma parte da sua alma dá uma murchada quando você trabalha em um bar. Existe um sentimento muito específico de "foda-se tudo", um pavor leve que se instala na boca do estômago antes de você passar pela porta de entrada e que permanece ali pelas próximas 14 horas até você ir para casa e poder tirar o cheiro de licor Sambuca dos seus tênis baratos.

Bem no meio da minha passagem pelo bar, uma música em particular foi lançada. Uma música que, até hoje, tem o poder de me deixar triste como nenhuma outra consegue. Essa música penetra fundo do meu ser, faz um buraco e o enche de melancolia. Estou falando de “I Gotta Feeling”, do Black Eyed Peas.

Lançada no início do verão de 2009, “I Gotta Feeling” é uma música pop ganhadora de prêmio Grammy que fala sobre uma noite de curtição. Ela passou 14 semanas consecutivas no primeiro lugar da Billboard Hot 100 e se tornou, à época, a canção digital mais vendida de todos os tempos. Foi a música mais bem-sucedida do século 21 em todo o mundo até 2014, quando “Happy”, de Pharrell, a ultrapassou. É também a música mais deprimente da história.

No bar onde eu trabalhava, parecia até que ela mesma queria provar meu argumento, porque ela tocava várias vezes durante a noite, todas as noites, em todos os meus turnos.

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“I Gotta Feeling” supostamente, é uma música alto-astral, não é? Em uma entrevista pra revista Marie Claire na véspera de seu lançamento, will.i.am, do Black Eyed Peas, afirmou que a canção era, “Dedicada a todos os festeiros mundo afora que querem sair de casa e se divertir”. Realmente, “I Gotta Feeling” parece se encaixar exatamente nesses termos. Por anos, ela foi tocada como uma música para todos os públicos que era o clímax de uma festa, para enfatizar o argumento de que era divertida independentemente do tipo de evento onde era ouvida. Dominou festas de escritório, anúncios, videogames, os Jogos Olímpicos, festas infantis e de idosos e, em especial, aqueles vídeos de casamento espantosamente coreografados nos quais as pessoas gastam muito dinheiro por algum motivo. A música era projetada especificamente para se encaixar em qualquer ocasião animada, pois tinha a virtude de não ter nenhuma característica que limitasse seu alcance. Assim, ela contornava todas as emoções humanas possíveis e terminava no inferno.

Eu não pensava nela fazia anos. Mas, como em todas as fontes de um trauma, ela mostrou a cara quando eu menos esperava. No Ano-Novo de 2017, enquanto o caixa de um supermercado em Brighton passava as minhas compras (cerveja, uísque e hummus), ela apareceu novamente. O ritmo perfurante ia marcando o ar, certa de que a noite de hoje vai ser boa. Eu fiquei tão aborrecida que parei de ensacar minhas compras, abri o aplicativo de notas do meu celular e digitei: “i gotta feeling do black eyed peas é a música mais deprimente já escrita”.

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Antes de seguirmos em frente, vamos dar uma olhada em partes da letra.

Eu sinto que esta noite vai ser boa
Que esta noite vai ser boa,
Que esta noite vai ser boa, boa

Uma sensação de que esta noite vai ser boa
Que esta noite vai ser boa
Que esta noite vai ser boa, boa

Uma sensação, uhu, de que esta noite vai ser boa
Que esta noite vai ser boa
Que esta noite vai ser boa, boa

O Black Eyed Peas construiu uma carreira em cima de criar uma frase muito simples e a martelar na sua cabeça até o ponto de você enjoar, algo parecido com a fórmula quadrática — mas nenhuma tinha sido tão ousadamente triste como essa. Eles tiveram a audiência de escrevê-la em um tom de sol maior, que, na música barroca, é considerado o “tom da bênção”, ligado a emoções positivas como o contentamento, a gratidão e a paz. Ao contrário do Piano Trio nº 39 de Haydn, lembre-se de que falta sentimento em “I Gotta Feeling”. Na verdade, a música é a ausência deles. “I Gotta Feeling” localiza o sentimento e o oblitera. “I Gotta Feeling” é o buraco negro no cosmos da alegria. No filme épico de fantasia de 1984 “A História Sem Fim”, um conto sobre um universo fictício em que o vilão é literalmente nada — uma criatura assassina da escuridão descreve “O nada” como, “O vazio que resta, é como o desespero destruindo este mundo”. Ele continua e diz que “as pessoas que não têm esperança são fáceis de controlar”, o que pode soar meio forçado, mas nesse ponto você pode substituir “O nada” por “I Gotta Feeling” sem grande dificuldade.

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Considere, por um momento, suas influências. “I Gotta Feeling” rouba uma batida de uma música de dance music chocante do fim dos anos 1990 chamada “Take a Dive”, de um cara chamado Bryan Pringle, de quem nunca ninguém tinha ouvido falar até ele tentar processar o Black Eyed Peas por violação de direitos autorais (ninguém nunca tinha ouvido falar, presume-se, porque a música de Pringle era ruim). A melodia é orgulhosamente inspirada pelo U2, que é inquestionavelmente uma das bandas de rock mais decepcionantes a usar roupas de couro. E o “uhu”, discutivelmente um ponto alto de felicidade, ao que indica a letra, foi sampleado de “Every Breath You Take”, do Police, notoriamente um soft rock terrível e que posa de canção de amor quando na verdade fala de um perseguidor obcecado. Refletindo sobre o maior hit da banda, Stewart Copeland, baterista do Police, disse: “Na minha opinião, é a melhor música do Sting com o pior arranjo”. O próprio Sting falou: “A música por si é genérica, um agregado de centenas de outras, mas a letra é interessante”. Então, tenha em mente que a parte usada pelo Black Eyed Peas foi o “uhu”.

Além da composição, porém, o maior problema de “I Gotta Feeling” é que toda a premissa da música é falha. “I Gotta Feeling” acontece antes da diversão ocorrer. É uma música firmemente pré-festa. Proclamar repetidamente a sensação boa sobre o que vai rolar em uma noite é uma maldição. Como na véspera do Ano Novo, um aniversário ou qualquer ocasião em que a diversão é prescrita como parte do roteiro do que alguma coisa que surja de modo orgânico, “I Gotta Feeling” sufoca sob o peso de sua própria insistência. Nenhuma noite genuinamente memorável começou com a declaração “Eu sei que a gente vai ser divertir!”. Nunca a sugestão “Vamos sair, chapar e perder o controle!” levou a nada que não fosse chegar cedo demais na boate e beber um monte de shots antes de alguém sugerir comer batatinhas pra não passar mal e você encerrar a noite às 23h45. Nunca na história das festas “Eu sinto que esta noite vai ser boa, que esta noite vai ser boa, que esta noite vai ser boa, boa” significou alguma coisa que não seja um encantamento por decepção.

Enquanto eu estou disposta a admitir que o que estraga a música para mim são as associações — afinal, é impossível abraçar o conceito de “festa todo dia, f-f-f-festa todo dia” quando vodca secou nos seus dedos e todo o seu corpo cheira como a água acumulada em uma máquina de lavar louça — eu creio de verdade que essa canção foi criada como uma deixa que diz às pessoas para desistirem e irem para casa.

Se o filme Superbad nos ensinou alguma coisa, foi que a fórmula para construir lembranças é a curtir o momento. Quantas vezes alguém se aproximou de você em uma noite legal para perguntar “você tá curtindo?” e isso não fez você brochar no mesmo instante? A primeira regra da diversão é nunca prestar atenção nela. Nunca se olha diretamente pra diversão, para não se tornar imediatamente consciente de sua presença e, dessa forma, ser arrancado do momento (no qual, de acordo com o Budismo e várias outras filosofias sábias, a alegria verdadeira acontece). Talvez eu esteja fazendo errado, eu nunca fui uma grande empreendedora, mas minha experiência de diversão nunca foi olhar para uma noitada e berrar “VOCÊ AÍ! SE COMPORTA!”.

Eu sei o que você está pensando — será que “I Know There’s Gonna Be (Good Times)”, de Jamie XX, não é literalmente a mesma coisa, Emma? E você amou essa música, não foi? Em um artigo de 2015 pro aclamado site musical Noisey, você disse que essa música tinha “tantas vibrações boas que era possível praticamente classificá-la como um brinquedo sexual”. Você tem razão. Mas o que é preciso entender é que o Popcaan está nela.

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