"Achava que terapia era coisa das madames de Copabacana, do povo que faz mochilão pela Europa lá de Pinheiros. Eu sou durão. Eu não preciso disso."
Mas lá havia sim um monte de pacientes não-diagnosticados. Relembrando, é tão óbvio pensar em quem precisava de ajuda. Mas na época era "engole o choro e vamos em frente que amanhã tem que acordar às 6 am".Em 2012 vieram as intensas crises de pânico acompanhadas de uma diária urgência por dar cabo da própria vida. Não dá para colocar em outros termos. Uma das coisas que sempre tive — medo de altura — nessa época se acentuou. Altura virou sinônimo de "será que não é hoje que vou pular?". E ainda assim sem falar com ninguém. Lembro que nesse ano eu fiz uma matéria no Cristo Redentor. Eu não lembro de uma só entrevista desse dia, de tão nervoso que estava de estar ali tão alto, numa posição tão difícil de fugir dessa necessidade suicida. Lembro de fazer um esforço absurdo para ficar fixo nos olhos de cada entrevistado e não ver o horizonte com aquele Rio de Janeiro lindo pra caralho. Eu não vi o Cristo Redentor de perto. Eu estive a metros da estátua, mas não olhei um segundo para a locação da icônica cena radical de Renato Aragão. O tempo em que eu não estava entrevistando alguém, tentava me distrair olhando pro chão ou falando qualquer piada possível com a equipe. Foi um dia meio merda.Dali para frente eu só fui piorando. Mudei de apartamento. Morava no quinto-andar e precisei ir para uma casa térrea. Tinha medo de pular a todo instante. Não adiantava colocar proteção, "eu sou gordo, eu vou arrebentar essa merda quando me jogar"."Não existe depressão na favela. Ou pelo menos não há espaço para esse assunto. Não se toca em depressão na periferia."
Com o tempo, pude falar mais abertamente sobre o assunto. Com amigos. E depois pude escrever sobre. Tudo, textos mais confessionais, músicas, piadas. Descobri que muita gente tinha medo de buscar ajuda ou nem sabia que tinha alguma ajuda nesse mundo a ser buscada.Disso, duas coisas me incomodaram, uma com maldade e a outra sem. A sem maldade era: gente me procurando preocupada querendo uma resposta para seus problemas. Li desde problemas triviais — um cara meio perdido sobre garotas — até coisa pesada mesmo, como minas estupradas.Claro que entendi o que as pessoas queriam: alguma ajuda para sua depressão porque eu estava escrevendo sobre isso. Mas sei meus limites e área de atuação, então tentei sempre passar uma só visão: busque ajuda profissional. Particular, rede pública, o que você conseguir. Sem frieza, eu tento sempre deixar claro que entendo a dor, mas não posso dar conselho nenhum. Seria irresponsável, especialmente não conhecendo nada sobre a vida dessas pessoas. Por isso sou cauteloso com esse negócio de "se você estiver tendo pensamentos suicidas, vem falar comigo no inbox" que vi rolando. Acho que é um passo bom entrar em contato com alguém gritando por ajuda mas espero que as pessoas não estejam resolvendo complexos transtornos psicológicos no chat do Mark Zuckerberg."Entre altos e baixos, minha psicóloga me indicou que buscasse um psiquiatra. Além de outros métodos, o psiquiatra poderia me receitar remédios. Esse era um preconceito que eu tinha. Não queria ser uma dessas crianças norte-americanas dopadas."
"Busque ajuda profissional. Particular, rede pública, o que você conseguir. Sem frieza, eu tento sempre deixar claro que entendo a dor, mas não posso dar conselho nenhum. Seria irresponsável."
- Dono de bar não é terapeuta.
- Seu amigo não é terapeuta.
- Por Deus, o Twitter não é terapia.
"Determinação" é como um avião: teoricamente é algo bacana para ajudar nossas vidas. Nas mãos erradas, pode criar um 11 de setembro.E era muita podridão que eu vi. O tipo de merda que tem gente que trabalha no Google apenas identificando esse tipo de conteúdo e tem como benefícios acompanhamento psicológico e férias longas para não ficar maluco da cabeça.Esses arrombados nunca conseguiram acertar a data que eu iria me matar no bolão deles. Já venci todos os prazos que eles me deram. Esses arrombados nunca conseguiram me deixar para baixo pensando "será que sou um bosta mesmo e dar um fim é o caminho melhor?", mas é preocupante que eles existam e atuem assim. E se eles pegam para Cristo o Ronald de 2012, propenso ao suicídio?Eu aprecio um senso de humor distorcido. Mas não há nenhuma comédia em incentivar alguém a se matar. Fora a parte jurídica (é crime), penso no nível de espírito de porco que o canalha tem que ter para fazer isso. Esses casos existem há tempos — eu não fui o primeiro a ser abordado dessa forma. Já li notícias de embrulhar o estômago. Gente que não só teve o suicídio incentivado online, mas como também recebeu dicas do que fazer e não fazer. Quase como num tutorial para instalar um jogo pirata no computador ou um life-hack de como dobrar camisetas mais rapidamente."Faziam montagens de Photoshop comigo apontando uma arma para a minha cabeça. Bem bad vibe mesmo."
Canalhas existirão. Tem gente que manda eu printar tudo que achar para levar na polícia. Eu não faço isso. Porque isso significaria ter que ficar lá lendo tudo de novo e eu não posso usar meu tempo para isso. Se desejar o mal para mim é o que deixa o cara feliz, deixa ele lá perdendo o tempo dele. Que da minha ampulheta ele não tira um grão.Meu recado final é: busque ajuda. Não caia na merda negativa. Onde houver trolls, que você não esteja lá. Você não ganha nada com isso. E mesmo que seu único troll seja seu cérebro, busque ajuda.Depressão não tem nada a ver com ter ou não passado uma experiência traumática. Não tem nada a ver com estar trabalhando ou estar desempregado. Não há nenhum glamour na depressão. Não é doença de Tumblr. Não é doença de rico. Os tiozinhos bêbados em boteco, acredite, boa chance de ter ali uma pá de deprimido.Nem tem nada chique em ter depressão. Pelo contrário, há vergonha demais. E não poderia ser assim. Ninguém tem vergonha de ter, por exemplo, asma. E depressão é isso: uma asma na sua cabeça. E você não vê ninguém com vergonha de carregar sua bombinha na mochila, né?Siga o Ronald Rios no Twitter.Saque mais ilustrações da Luiza Formagin no Tumblr.Esta matéria faz parte de uma série de reportagens de saúde mental para o mês de prevenção ao suicídio. Para ler mais, clique ao longo do mês em VICE Setembro Amarelo.Siga a VICE Brasil no Facebook , Twitter e Instagram ."Não há nenhuma comédia em incentivar alguém a se matar."