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Saúde

Quem são os homens que fetichizam a depressão feminina

“Eles acreditam que serão a cura, a resposta para todos os seus problemas. E se tornam ainda mais abusivos quando percebem que não são.”
Ilustração por Tiana Dunlop.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .

"Pense assim", escreve o usuário do Plenty of Fish JPD0414. "Se você tem uma garota que já e feliz e segura de si, não tem muita coisa que você possa melhorar, e você não vai afetar muito a vida dela. Mas se ela tem depressão ou uma vida escrota em casa, você tem a chance de ser uma das poucas coisas boas na vida dela e ela vai gostar mais de você."

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Esse cara legal anônimo da internet continua explicando por que ele tem tesão por garotas com problemas mentais como ansiedade e depressão. Olha só, a doença mental delas trabalha a favor dele! Esse cavaleiro acha que pode chegar galopando em seu garanhão e resgatar essas minas das profundezas escuras de suas próprias mentes. Ele está aqui para salvá-las de si mesmas, esse é o dom dele: ele é um homem especial com uma paixão verdadeira por mulheres manipuláveis.

Em resposta, outros usuários concordaram que "minas loucas são selvagens na cama".

Se você tem uma doença mental há um certo tempo, talvez já tenha notado o tipo de homem que procura uma mulher que satisfaça sua fantasia de cavaleiro branco. Se não, é só dar uma olhada na internet: passe os olhos pelos fóruns da vida que você vai encontrar moleques adolescentes perguntando coisas como "Por que curto garotas suicidas?", e jovens mulheres tentando entender "Por que esse garoto só dá em cima de mim quando estou triste?"

Um estudo conduzido em 2012 por pesquisadores da Universidade do Texas em Austin, nos EUA, descobriu que, no geral, homens têm mais chances de se aproximar de garotas que parecem "psicologicamente vulneráveis" — mas só para envolvimentos de curto prazo, ou seja, para fazer sexo.

Então o que você faz quando se descobre presa a um parceiro que acha que sua doença é a coisa mais atraente em você?

O problema, claro, é que esse tipo de relação geralmente não começa tão transparente assim. No início, a atenção que ele dá para sua doença mental pode ser reconfortante; encontrar alguém que diz abertamente que sua depressão é "fascinante" pode ser quase um alívio — é sinal de que ele não vai te ignorar quando você estiver mal ou te abandonar por causa de algo que você não pode controlar.

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"O fato de ele achar minhas falhas atraentes me fez sentir que tínhamos uma ligação profunda."

"Senti que estava sendo aceita", diz Rachel sobre seu primeiro namorado, Chad, que fetichizava sua depressão e exigia que ela se cortasse para provar que o amava. "Eu achava que encontrar alguém que não ia me dar as costas por causa dos meus problemas mentais, especialmente aos 17 anos, era impossível. No começo, vi a relação como alguém me aceitando por quem eu era, com todas as falhas. E o fato de ele achar minhas falhas atraentes me fez sentir que tínhamos uma ligação profunda."

Mas a ligação é apenas superficial. Você se torna outra manic pixie dream girl. Como as garotas com quem falei apontaram, sua doença está ali para fazer a vida do cara ter algum sentido e ter alguma profundidade — que é exatamente o que ele deseja, desde que você não seja muito exigente e, sabe, que ele não tenha que realmente cuidar de você.

"No final das contas, o Chad era um narcisista na forma mais pura", explica Rachel. "Acho que ele se sentia atraído por garotas com problemas mentais porque isso era um reflexo dele. Ele também gostava muito de afirmar sua dominância masculina, o que significava que ele procurava garotas caídas que ele pudesse [fazer se] curvar à sua vontade. Não acho que esse tipo de cara quer te salvar — ele quer que você continue no chão para estar sempre acima de você."

Tentando entender melhor por que certos homens se comportam assim, entrei em contato com a psicóloga e terapeuta Eliana Barbosa.

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"É difícil entender isso completamente, porque cada caso é um caso", ela diz. "Mas acho que você pode dividir esse comportamento entre homens que são sádicos — que têm prazer em ver a dor de uma mulher — e homens que estão emulando os aspectos culturais da misoginia, dominando essas mulheres através de sua baixa autoestima e se reafirmando para si mesmos. A depressão às vezes te desassocia dos próprios desejos, então garotas que estão sofrendo podem acabar se submetendo a outros, para sentir algum tipo de desejo. Não é uma decisão consciente dessas garotas, ou garotos, que acabam em relacionamentos manipulativos. Esse tipo de homem está tirando vantagem do que falta na vida dessas pessoas."

O relacionamento de Lisa com seu ex começou como qualquer outro: eles foram felizes por um tempo, então ela contou seus traumas passados, e revelou sua luta com a depressão e transtorno de ansiedade generalizado. Ele pareceu entender, deixando claro que — devido a experiências anteriores — ele saberia o que fazer se ela tivesse um episódio depressivo ou um ataque de pânico. Acontece que ele não sabia.

"Uma pessoa que, de propósito, procura alguém com problemas mentais como 'presa fácil' para manipular é obviamente alguém que quer se sentir poderoso."

"Todas as ex-namoradas dele também tinham problemas mentais", disse Lisa. "Ele não se gabava exatamente disso, mas dava a entender que todas elas ainda estavam apaixonadas por ele e que o término destruiu ainda mais a saúde mental delas. Ele até chegou a dizer que uma delas ficou tão mal que o acidente de moto em que ela morreu provavelmente tinha sido suicídio, por causa dele. Mais tarde, descobri que ela não estava nem dirigindo e que estava namorando na época."

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Uma pessoa que, de propósito, procura alguém com problemas mentais como "presa fácil" para manipular é obviamente alguém que quer se sentir poderoso. E, claro, conforme o relacionamento progride, em muitos casos, infelizmente, essa pessoa acaba exercendo uma grande dominância sobre o parceiro, tornando o término ainda mais difícil. Mas isso acontece.

"Garotas que conseguiram terminar ainda eram capazes de traçar limites", disse Barbosa. "Apesar de todo abuso que aguentam, sempre tem um ponto em que elas dizem 'Não, chega', o que significa que elas ainda têm força."

O namorado de Lisa costumava ser abusivo ao se referir à sua doença mental sempre que ela demonstrava uma emoção negativa. "Ele começava brigas por mensagem de texto, e muitas vezes me disse 'Vai se tratar' de um jeito pejorativo, apesar de várias vezes ter me desencorajado a ir às consultas com o meu psiquiatra", diz ela. "Sempre que eu dizia que gostava dele, ele me chamava de mentirosa. Terminei com ele uma vez e isso só piorou os abusos. Uma palavra que ia contra a opinião dele e eu era uma vaca louca e histérica que não sabia amar."

Depois que uma amiga próxima contou sua história sobre um relacionamento emocionalmente abusivo anterior, Lisa cortou os laços com ele de vez.

Lidar com doenças mentais num relacionamento nunca é fácil, mas agora Lisa e Rachel estão com pessoas que as respeitam como parceiras, e que as ajudaram em períodos difíceis sem serem escrotos. O que é — surpresa! — totalmente possível quando você considera seu parceiro uma pessoa, não apenas outro ingrediente da sua narrativa pessoal.

"A diferença entre meu ex e alguns caras que fetichizam doenças mentais é que ele queria que eu piorasse", diz Lisa. "Muitos fetichistas acreditam que serão a cura, a resposta para todos os seus problemas. E esses se tornam ainda mais abusivos quando percebem que não são."

Para qualquer mulher que esteja saindo com um cara com síndrome de cavaleiro em seu cavalo branco, ou um homem que quer que você piore para se sentir superior, Rachel tem um conselho pertinente: "Esses caras vão te sugar, muito sutilmente, até que você não tenha mais nada e nem tenha percebido quando as coisas viraram", ela diz. "É importante pensar nos seus aspectos que valem a pena ser notados, e pensar por que ele não repara nisso. Na maioria das vezes é porque ele está muito ocupado olhado para si mesmo. Seja forte, peça ajuda e termine de vez."

@bijubelinky

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