O segundo ato contra a redução da maioridade penal durou oito horas

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O segundo ato contra a redução da maioridade penal durou oito horas

No final, os black blocs tentaram arrepiar, mas a organização do protesto não curtiu.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Com direito a palco na Praça da Sé, aconteceu ontem (13) em São Paulo o segundo grande ato contra a redução da maioridade penal. Organizado pela Frente Nacional Contra a Redução da Maioridade Penal, que falou em cinco mil pessoas presentes, o protesto teve uma extensa programação, que começou às 13h, no Centro, e terminou oito horas depois com uma caminhada que alcançou a avenida Paulista, onde cerca de 15 black blocs soltaram bombas, arremessaram pedras em direção às portas de vidro de instituições bancárias e depredaram uma cabine da Polícia Militar – a contragosto dos organizadores, que ficaram bem putos da cara.

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Foto: Felipe Larozza/VICE

Na parte da tarde, ainda na Praça da Sé, crianças e adolescentes – alguns deles, inclusive, em cumprimento de medidas socioeducativas – se revezavam ao palco e curtiam as apresentações. Teve coral, teve rap e teve sample de Racionais: "E o que eles querem? Mais um pretinho na Febem". Tudo bem bonito. Entre uma música e outra, professores e conselheiros tutelares liberavam laricas como gelinho, pipoca doce e salgadinho, pra meninada aguentar o tranco. Coincidência ou não, exatamente ontem, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) completava 25 anos de existência.

Leonardo Duarte, um dos articuladores da Frente Nacional Contra a Redução da Maioridade Penal. Foto: Felipe Larozza/VICE

A programação cultural casava bem com a proposta do dia: trocar a possibilidade de encarceramento de menores infratores por mais chances de lazer e cultura. Leonardo Duarte, educador social e um dos articuladores da Frente, usou sua própria história como exemplo: "Eu fui menino de rua em São Bernardo do Campo. Fui atendido por uma organização não-governamental e, a partir dali, me tornei educador. Hoje, sou conselheiro tutelar. Isso prova que nossos meninos e nossas meninas precisam de oportunidade".

Foto: Felipe Larozza/VICE

Leonardo explica que a Frente Nacional Contra a Redução da Maioridade Penal é um mutirão dos movimentos sociais "contra esse retrocesso que a Câmara dos Deputados tem tentado impor através do golpe fascista liderado pelo Eduardo Cunha". Ele se refere à PEC 171/93, emenda que prevê o encarceramento de jovens a partir dos 16 anos, quando acusados de alguns crimes específicos.

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O palhaço Feijão. Foto: Felipe Larozza/VICE

Com pancake espalhado pelo rosto, o palhaço Feijão, alcunha de Pedro Cintra, vê a redução da maioridade como uma "solução imaginária". Junto com uma liga de palhaços, ele diz ter saído de casa pra alegrar o protesto.

O professor Rodolfo Oliveira. Foto: Felipe Larozza/VICE

"A partir do momento que você reduz [a maioridade], você vai aprisionar meninos de 16 anos que nunca entraram numa piscina. Então, que acesso eles tiveram à lazer?", questiona Rodolfo Oliveira, professor que vê a população pobre e negra como o grande alvo atingido pela redução. "Eles já foram ao teatro alguma vez? Tudo isso tem de ser pensado. As nossas crianças têm futuro, mas o futuro que estamos desenhando pra elas não é bom."

A estagiária de serviço social Carol Fonseca. Foto: Felipe Larozza/VICE

Presente no ato contra a redução, Carol Fonseca, estagiária de serviço social, afirma que as políticas públicas para a criança e o jovem negro não funcionam na periferia. "Sou jovem, negra e periférica. Estudei em escola pública a vida inteira e sei o quanto foi difícil pra mim chegar a uma faculdade."

Foto: Felipe Larozza/VICE

Movimentos estudantis, sociais, de moradia e partidos políticos engrossavam o coro contra a redução. Entre eles, estavam: Anel (Assembleia Nacional dos Estudantes Livre), Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente), Frente Estadual Antimanicomial SP, Frente de Luta por Moradia (FLM), Levante Popular da Juventude, Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), Pastoral do Menor, PCB (Partido Comunista Brasileiro), PCO (Partido da Causa Operária), PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), PT (Partido dos Trabalhadores), Químicos de São Paulo, Rua – Juventude Anticapitalista, UNEafro Brasil (União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora), União da Juventude Socialista (UJS), entre outros.

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O secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania Eduardo Suplicy. Foto: Felipe Larozza/VICE

A primeira-dama da cidade de São Paulo, Ana Estela Haddad, e o secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Eduardo Suplicy, estiveram presentes e reforçaram o discurso da causa. Ele, obviamente, citou o Mano Brown, lembrando da história do moleque que não tem o que comer e vira aviãozinho do tráfico. "Quando as pessoas tiverem uma renda básica, terão a opção de não entrar na criminalidade", falou ao microfone.

Na sequência, o rapper Toroka anunciou que "ninguém está falando em não punir". Depois, aproveitou o gancho começado por Suplicy: "Um adolescente na Fundação Casa custa mais de R$ 7 mil por mês. Se fosse um salário mínimo, esse valor mudaria a vida de qualquer família brasileira."

A Fanfarra do M.A.L. Foto: Felipe Larozza/VICE

Quando o relógio da Sé apontou as 19h, quem estava lá amarrou os cadarços, deu um gole de água, aprumou as bandeiras e saiu em marcha. O objetivo era ir até a avenida Paulista. Para isso, três baterias foram no encalço: a da Fanfarra do M.A.L., a Bateria Popular Carlos Marighella e a bateria da UEE (União Estadual dos Estudantes de SP). Todas naquele pique bem disléxico, do jeito que a esquerda gosta.

Foto: Felipe Larozza/VICE

No ato de ontem, a PM deu uma trégua e acompanhou tudo a distância. É provável que ninguém tenha sentido saudade de quando as manifestações em São Paulo eram envelopadas, com duas fileiras de policiais "Robocops" apertando quem marchava.

Foto: Felipe Larozza/VICE

A avenida Brigadeiro Luís Antônio foi condutora do trajeto até a Paulista. O caminho foi tranquilo, com cerca de 15 black blocs que, por algum motivo, não fizeram a linha de frente do ato, mas deram uma ajuda com o maçarico no momento em que queimaram uma bandeira com os dizeres "Por uma vida sem grades" na esquina da avenida Treze de Maio.

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Foto: Felipe Larozza/VICE

Chegando à Paulista, tudo ficou um pouco mais tenso. Afinal, por mais que a organização falasse ao microfone que o ato era pacífico, as vitrines, as bancas e principalmente as vidraças de instituições bancárias são um já manjado e saboroso playground para os black blocs, que recolheram algumas pedras pelo caminho. Na avenida, eles viraram uma cabine policial, pixaram vidros de bancos e soltaram algumas bombas – o que assustou parte da galera, que começou a correr enquanto jornalistas e fotógrafos sacavam suas máscaras de gás.

Foto: Felipe Larozza/VICE

De acordo com o que a reportagem da VICE viu e relatos de outras pessoas, a PM não tomou nenhuma atitude para conter o efêmero vuco-vuco causado pelos BBs, que receberam críticas da organização, que afirmava ao microfone não compactuar com o que estava rolando.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Durante e no final do ato, a VICE tentou falar diversas vezes com o policial responsável pela operação do dia, mas ninguém da corporação sabia ou podia informar quem era. Procurada, a assessoria de imprensa da PM ainda não havia respondido, até o fechamento desta reportagem, sobre alguns números solicitados, como o de pessoas presentes, danos ao patrimônio público, ocorrências, e se alguma arma não letal havia sido utilizada.