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Como quase morri fingindo ser vegetariano na faculdade

O relato de um jovem entre o dilema de continuar vegetariano ou se entregar aos prazeres da carne.
Foto por Nate Dern.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Minha mãe é vegetariana desde que nasci. Fui vegetariano por muitos anos quando era garoto. Mas aí fiquei velho demais pra isso.

Hoje, 20 anos depois, ainda estou convencido de todos os argumentos intelectuais do vegetarianismo. Acredito que o vegetarianismo é uma dieta mais eficiente para a comunidade global. Li Comer Animais de Jonathan Safran Foer e disse "Sim, a pecuária industrial é uma mancha no nosso mundo!" Li O Dilema do Onívoro de Michael Pollan e concordei com a premissa do livro de que deveríamos comer principalmente plantas.

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Mas apesar de convencer minha mente, meu paladar resiste. Outra noite, comi uma bandeja inteira de pepperoni fatiado sentado no chão da cozinha, só de cueca, com a porta da geladeira ainda aberta.

Minha irmã, três anos mais nova, era uma vegetariana muito melhor que eu. Eu sonhava com visitas a restaurantes porque sabia que era minha chance de provar as delícias gordurosas de músculos tostados de animais. Em contraste, ela tinha nojo de carne. O cheiro, o gosto. Ela nunca se sentiu atraída pela coisa. Para ela, os argumentos intelectuais vieram depois, uma justificativa secundária para o que em primeiro lugar era uma preferência gustativa. Eu tinha inveja dela. Tentei começar com os argumentos intelectuais, esperando que meu paladar seguisse o exemplo. Até agora, isso não funcionou.

Apesar do que vejo como uma deficiência pessoal nessa questão dietária, passei muitos anos da minha vida como vegetariano. Fui vegetariano dos 12 aos 18, e durante seis meses fui vegan. Durante essa época, também seria justo dizer que "Ser Vegan" era um traço da minha personalidade. A única coisa mais descolada em mim do que voltar o assunto de qualquer conversa para Nação Fast Food de Eric Schlosser era meu hábito de pintar meu coturno com slogans vegans como "Meat is murder" e "Kiss me, I'm vegan".

Eu disse a mim mesmo que era só um vegetariano que tinha acidentes com carne na minha boca.

Eu realmente acreditava em tudo que estava dizendo sobre os benefícios do vegetarianismo, mas sendo honesto, tenho que admitir que eu gostava mais do que imaginava ser um selo alternativo que vinha com essa escolha de estilo de vida. Não havia muitos vegetarianos na minha cidade natal, Evergreen, Colorado.

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Aí fui pra faculdade e lá encontrei um monte de vegetarianos. Caramba, os caras eram socialistas revolucionários freegans que reviravam lixo, muito mais hardcore do que eu jamais seria. O vegetarianismo não era mais uma coisa especial em mim. Só uma coisa que dava trabalho.

A faculdade foi difícil para mim por várias razões, e em certo ponto, enquanto comia sozinho no refeitório, eu não tinha mais a energia mental para continuar disciplinado. Então comi carne.

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Mas eu não pensava nisso como deixar de ser vegetariano. Eu não pensava em mim mesmo como um vegetariano falso mentindo para os meus amigos. Eu disse a mim mesmo que era só um vegetariano que tinha acidentes com carne na minha boca. Opa, como esse bife veio parar no meu burrito? Eu disse bife? Quis dizer feijão, mas, bom, agora vou ter que comer, né, então melhor pedir mais dois burritos com carne extra, por favor, eu amo carne, obrigado.

Além disso, eu tinha me apresentado para todos os meus novos amigos e colegas de classe como vegetariano. Eu me sentiria uma fraude se alguns meses depois dissesse "Ah, não sou mais vegetariano". Então no meu ano de calouro, continuava dizendo para os outros, e para mim mesmo, que era vegetariano. Toda vez que eu caía do vagão sem carne eu prometia para mim mesmo que seria a última vez.

Eu estava iludido. E essa ilusão quase me levou à morte no semestre seguinte.

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Me inscrevi num "spring break alternativo", uma viagem com outros estudantes para fazer serviço comunitário numa fazenda terapêutica com cavalos na Carolina do Sul, nos EUA. Como era meu hábito, disse para os outros na viagem que era vegetariano. Achei que isso me ajudaria a me manter honesto na viagem e não comer carne. Outra estudante do grupo era uma libanesa chamada Ghia, que me disse que também era vegetariana. Tínhamos isso em comum, e imediatamente desenvolvi um tremendo crush nela.

Numa das últimas noites da viagem, nosso anfitrião preparou frango grelhado no jantar. A opção vegetariana era alface. Ghia e eu ficamos chateados com isso e ela comeu sua alface. Eu disse que precisava ir ao banheiro, peguei vários pedaços de frango quando ninguém estava olhando e corri pra fora.

Enfiei os pedaços de frango na boca, tentando comer o mais rápido possível, sob uma única lâmpada que iluminava a porta de ferro da garagem; com certeza era uma cena lamentável. Depois de um dia inteiro de trabalho físico, aquele frango estava maravilhoso.

Mesmo quando senti vasos sanguíneos estourando nos meus olhos, ainda tentei engolir mais forte.

Aí, alguma coisa deu errado. Eu estava engasgado.

Não tipo "opa, desceu pelo cano errado, que vergonha, me passa um copo d'água, por favor?", mas engasgado mesmo. Nenhum ar entrando ou saindo, o esôfago bloqueado. Entrei em pânico. Eu era um animal com a garganta selada.

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Entre a névoa do pânico, uma escolha se tornou perfeitamente visível para mim: voltar para dentro e pedir ajudar, revelando para todo mundo que eu era um falso vegetariano, e sobreviver… ou continuar sozinho lá fora com o meu segredo, e correr o risco de sufocar até a morte.

Fiquei lá fora.

Soquei meu estômago com os dois punhos. Nada. Me joguei no mourão de uma cerca tentando fazer um auto-Heimlich. Não funcionou. Aí, numa tentativa final de viver, juntei todas as forças que ainda tinha e tentei engolir o mais forte possível. Mesmo quando senti vasos sanguíneos estourando nos meus olhos, ainda tentei engolir mais forte. Meus músculos do pescoço contraíram, meu rosto ficou vermelho sangue. O frango desceu.

Traumatizado e com cara de choro, voltei para dentro e me sentei à mesa. "O que foi?", perguntou Ghia. "Você estava chorando?" Balancei a cabeça e disse alguma coisa sobre me sentir emocionado com o serviço comunitário que estávamos fazendo. Fiquei com manchas roxas no plexo solar e minha garganta doeu por semanas.

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O susto me manteve vegetariano de verdade por mais alguns anos. Fui fiel até viajar para pesquisar minha tese em Buenos Aires no último ano de faculdade. Lá, a tentação das empanadas de carne caseiras da família que me recebeu era grande demais para resistir. Além do mais, seria grosseria não aceitar. Além do mais, eu estava em outro país, então não contava. Além do mais, carne é muito bom.

Prometi a mim mesmo que seria vegetariano de novo quando voltasse para casa. Dessa vez para sempre. Dessa vez de verdade. De verdade verdadeira.

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Tradução: Marina Schnoor

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