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Estudo na Pior Faculdade dos EUA

Recentemente ranqueada como a pior faculdade dos EUA, o Shimer College provavelmente é a faculdade mais estranha que você já viu.

O Shimer College provavelmente é a faculdade mais estranha que você já viu. Localizada no térreo de uma universidade de tecnologia no sul de Chicago, seu corpo discente é de cerca de 80 estudantes. É um ambiente de aprendizado pequeno, intenso e não convencional. Ela também foi ranqueada recentemente como a pior faculdade dos EUA.

Enquanto pesquisava faculdades para me matricular, encontrei a Shimer listada num livro chamado Cool Colleges: For the Hyper-Intelligent, Self-Directed, Late-Blooming and Just Plain Different (um pouco exagerado, eu sei). Eu queria fazer uma faculdade em que pudesse aprender que porra era pós-modernismo e, o que seria ideal, o sentido da vida. Shimer era um lugar no qual isso parecia possível, e eu adorei a ideia de que a faculdade era fundamentalmente autogovernada – estudantes, funcionários e docentes tomavam decisões sobre a escola democraticamente.

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Antigamente, isso, na Shimer, significava que todo mundo tinha de limpar as classes e preparar as refeições. Agora, isso significa que todos da comunidade votam em questões-chave e elegem representantes para, entre outras coisas, avaliar os docentes e admitir novos estudantes. Adorei que todas as aulas por lá fossem discussões socráticas limitadas a 12 alunos e que os "professores" fossem chamados de "facilitadores". Adorei que eles não tivessem livros didáticos ou times de futebol. A Shimer, como ela se apresenta, é tanto de elite como uma perdedora. No final das contas, o lema dizia tudo: "Classicamente radical e radicalmente clássica".

Uma aula na Shimer em 1960.

A Shimer também parecia um lugar cheio de pessoas inteligentes estudando entre orgias regadas a muitas drogas. O New York Times chamou-a nos anos 60 de "um paraíso para usuários de drogas", e o subreddit da escola é subintitulado "Sexo, Drogas e Sócrates".

Pensando nos quatro anos que passei aqui, não sei se a faculdade é mais selvagem que as outras escolas ou se isso é simplesmente concentrado numa cena social do tamanho de um aquário. Nos primeiros dias, ouvi que as festas eram notórias por jogos sexuais como a "Olimpíada da Fruta" – que envolvia fazer um buraco numa melancia e ver quem conseguia segurar isso por mais tempo apenas com o pau. Os rumores davam conta de que os docentes também participavam dessas festas, o que um professor me disse muito casualmente numa conversa. Também ouvi que um membro do alto escalão da administração tinha cheirado cocaína da barriga de uma estudante e depois casado com ela.

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Para mim, a Shimer representava uma odisseia épica através das grandes perguntas existenciais que a vida tinha a oferecer. Algo maior que a vida. Questões sobre o Nada e o Ser começavam nas salas de aula e saíam do controle em dormitórios, festas, corredores e quartos. E isso era incrivelmente estimulante.

O que não percebi até entrar nessa faculdade foi que seu currículo era centrado no que ficou conhecido como Os Grandes Livros. O cânone dos Grandes Livros era um tipo de programa proto-interdisciplinar criado por dois acadêmicos, Robert Maynard Hutchins e Mortimer J. Adler, para desencorajar a tendência crescente de superespecialização na academia. Um Grande Livro tinha de ser: relevante para o tempo atual, capaz de ser relido incansavelmente através da vida de uma pessoa e autorreferencial – ou seja, os livros tinham de fazer referência uns aos outros e abordar questões similares. Um índice prático dessas questões foi compilado no Syntopicon, que listava 103 Grandes Ideias (coisas como "democracia" e "verdade"). Um Grande Livro precisava abordar pelo menos 25 dessas ideias.

É um pacote bastante consistente. Você pode traçar a dialética ocidental dos pré-socráticos a Marx. É uma mistura dos "homens brancos mortos" que os cursos básicos de humanas cobrem em todo o país – o mesmo cerne que as universidades de Chicago, Colúmbia e outras escolas usam –, embora a Shimer seja uma das últimas faculdades "realmente" Grandes Livros que restaram.

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Isso se baseia na ideia de que "o texto é o professor" – o que, no currículo dos Grandes Livros, significa que ideias dignas de discussão são aquelas de homens brancos. Segundo meus cálculos, apenas 7% dos textos exigidos pela Shimer foram escritos por mulheres, e cerca de 6% por pessoas não brancas. Mulheres (principalmente sufragistas) e pessoas não brancas (na maioria, autores de história afro-americanos) são sempre salpicados no currículo, apesar de geralmente isso ser explicitamente branco, masculino e centrado no Ocidente.

Quando o título de "pior faculdade" dado pelo Washington Monthly saiu no ano passado, não fiquei surpresa. O ranqueamento estava centrado nas taxas de graduação de minorias e estudantes pobres, assim como nas taxas de matrícula que estudantes pobres acabavam pagando. A Shimer ficou em último lugar. A sugestão de que estávamos perdendo estudantes de minorias foi oportuna, já que os estudantes não brancos dela tinham começado a se organizar por diversidade e inclusão apenas alguns meses antes.

Ranqueamentos de universidades são uma questão controversa. Essa classificação não contou alunos transferidos ou estudantes que se formam em mais de quatro anos (incluindo estudantes pobres que tiram um tempo para trabalhar); além disso, apesar de os custos da Shimer serem compatíveis com os de outras escolas particulares (as taxas pagas são de aproximadamente US$ 30 mil por ano), ela oferece poucas bolsas integrais.

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Entretanto, além de tudo isso, acredito que o material estudado nas salas de aulas tem um efeito enorme nos estudantes – tanto na Shimer como na educação de nível superior em geral. Os livros que lemos deveriam servir como terreno comum para uma conversa. Eles formam a base da nossa linguagem comum e moldam a visão de mundo daqueles que leem isso e acreditam que estão lendo por uma causa nobre. Como mulher negra, descobri que, quanto mais eu "dominava" minhas experiências pessoais, menos eu conseguia conversar em classe sobre o que era relevante no texto sagrado e o que era entendido pelos meus colegas (na maioria, brancos).

"Esses problemas não são exclusivos da Shimer, mas a faculdade pode ser o cenário na mina de carvão da educação superior."

Em todas as aulas que já fiz na Shimer, as mulheres lutam para falar e serem ouvidas. Estive em aulas nas quais estudantes tiveram ataques de pânico e tiveram de sair. Por que alguém pagaria milhares de dólares só para ter sua humanidade básica desrespeitada?

Quando os estudantes não brancos da Shimer começaram a se organizar no ano passado, alguns docentes foram receptivos – enquanto isso, outros foram ambivalentes ou simplesmente hostis. Um professor me falou que "apoiava totalmente a diversidade", porém alegou que não queria alienar estudantes conservadores.

Esses problemas não são exclusivos da Shimer, mas a faculdade pode ser o canário na mina de carvão da educação superior. Estudantes da Universidade de Oxford começaram a se organizar neste ano para desmantelar o infame programa escolar Rhodes por razões de diversidade. Nas palavras dos ativistas da Rhodes Must Fall, "O eurocentrismo do nosso currículo contribui diretamente com a colonização das mentes num establishment que se considera o ápice do conhecimento acadêmico. Suas culturas acadêmica e social estão criando opressores inconscientes; então, o ciclo de opressão que construiu esse establishment é perpetuado por seus estudantes".

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A reitora da Shimer, Susan Henking, disse à VICE que é "simpática" aos estudantes que começaram a se organizar no ano passado ao redor da questão da falta de diversidade. "Se não temos críticas, não podemos consertar as coisas", ela frisou.

Ela acrescentou que há pressão para tornar o currículo mais diverso. "Estamos trazendo mais mulheres [escritoras] de todas as raças e mais homens de cor para o currículo. Temos estudantes no nosso conselho de administração, e eles fizeram um bom trabalho colocando isso em andamento." No entanto, ela admite que tem sido um processo lento. Numa pesquisa recente no campus, Henking disse que ficou surpresa em ver muitas reclamações sobre racismo e sexismo.

A Shimer, assim como outras faculdades, tem de se perguntar: quem se sente seguro para falar em sala de aula? Quem é confortavelmente ignorado? Para quem é a educação deles e que mundo ela apoia?

Os Grandes Livros, assim como a maioria da filosofia ocidental, confiam na ideia de que, para que a arte seja Grande – e, portanto, digna de ser estudada –, ela precisa transcender todo contexto. Tirar ideias totalmente do contexto de uma cultura e de um momento da história não funciona. Geralmente, fica difícil sequer entender do que o autor está falando, e isso efetivamente silencia vozes de grupos marginalizados. Tornou-se difícil perceber os preconceitos do autor, do editor ou apenas da pessoa que juntou as sílabas.

Um currículo mais inclusivo não é importante simplesmente pelo bem do aprendizado, mas também para começar a incluir as pessoas que já estão sentadas ao redor da mesa. Se mesmo um corpo estudantil concentrado como o da Shimer não pode mudar isso, há pouca esperança para o ensino superior como um todo.

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Tradução: Marina Schnoor.

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