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Ciclos

As ciclovias da ponte pra lá

Parte da periferia de São Paulo foi contemplada com as faixas exclusivas para ciclistas. Mas elas funcionam?
Foto: Felipe Larozza/ VICE

Foto: Felipe Larozza/ VICE

'Esta matéria faz parte do projeto Ciclos, uma série sobre mobilidade urbana feita pela VICE em parceria com o Itaú.'

Os moradores do Campo Limpo, bairro na região sul de São Paulo, podem pedalar durante 1,1 km de extensão no tapete vermelho mais bem aproveitado pelos ciclistas da cidade. "A iniciativa é boa. A ciclovia faz um corte grande, mas achamos que não supre todas as necessidades do bairro", pondera o assessor de imprensa Leonardo Nunes, 19, integrante do projeto voluntário QG da Bike, que promove aulas de como andar de bicicleta, manutenção e educação no trânsito. "As ciclofaixas das regiões periféricas não se conectam, nem se cruzam. Elas começam em um lugar e terminam em outro", afirma.

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Atualmente, mais de 400 km da capital são contemplados com as ciclovias, embora elas não abarquem todas as regiões. Em dezembro do ano passado, o município passou a ter a mais extensa malha cicloviária da América Latina. Apesar disso, distritos populosos, como o Grajaú, no extremo sul, sequer tem uma faixa exclusiva para chamar de sua. Como quase tudo em uma megalópole, elas ainda se concentram no centro expandido. Tremembé, Guaianases, Itaim Paulista e Jardim Ângela são alguns dos bairros que ainda não puderam desfrutar de tal exclusividade.

Foto: Felipe Larozza/ VICE

O argumento do ativista e morador do Capão não é novo. Em 2015, a VICE produziu a reportagem "A periferia de SP não está satisfeita com o número de ciclovias". Na época, a falta de conexão entre as faixas era a principal insatisfação dos entrevistados. A quilometragem da malha cicloviária aumentou, mas alguns descontentamentos permanecem.

"No meu bairro não tem nenhuma", relata a designer Renata Cardamoni, 28, que diariamente desafia as ladeiras da Vila Medeiros, na zona norte. Enfrentar as ruas sem a segurança das faixas exclusivas não é o único impeditivo para quem quer pedalar pela ZN: a falta de bicicletários, nos quais as pessoas podem alugar gratuitamente ou a preços módicos as magrelas, também piora a situação. "Retiraram o da Estação Santana, que vivia lotado de gente", lamenta a paulistana, que diz sentir falta também de ciclorrotas para orientar os ciclistas nos bairros. Para ela, conexões entre as ciclovias certamente fariam toda a diferença na mobilidade local.

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Carlos Vitor, ativista do projeto voluntário CicloZN, que atua para melhorar as condições de ciclistas na periferia, concorda. Apesar de ressaltar alguns problemas estruturais nas ciclovias da zona norte, ele afirma que elas funcionam bem e encorajam quem tem medo de se aventurar em meio ao trânsito. A falta de conexões, porém, persiste como um empecilho. "Parte delas precisa de expansão para dentro das periferias. Outras precisam de conexão com as ciclovias da ponte pra lá, como o centro, a zona leste e a oeste".

Projetada e idealizada pelo governo do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), a malha cicloviária da cidade dividiu parte dos paulistanos durante sua implementação. Até então vista como lazer, a bicicleta passou a ser encarada como meio de transporte. A questão é que os ciclistas sempre existiram. As ciclovias, não.

Foto: Felipe Larozza/ VICE

"É uma baita falácia a gente falar que é uma coisa nova na cidade", considera Marina Harkot, 24, integrante da Ciclocidade. Para ela, que atua profissionalmente com planejamento urbano, as demandas mudam quando o assunto são os bairros de periferia. "Principalmente pelo tamanho monumental da nossa cidade, muitas vezes é irreal falar em deslocamentos periferia-centro exclusivamente de bicicleta. Por isso é tão importante também que a rede cicloviária esteja conectada às estações de metrô, trem e terminais de ônibus, com bicicletários seguros onde as pessoas possam deixar suas bicicletas estacionadas o dia inteiro enquanto estão no trabalho", propõe.

Marina acredita que as ciclovias na periferia funcionem, "mas ainda precisam caminhar muito". Além das conexões com o centro da cidade, ela reforça também a necessidade de um trajeto cicloviário intrabairros. "Porque as dinâmicas de deslocamento acontecem por ali. Tanto em relação aos postos de trabalho na própria periferia, com pessoas que moram por perto, quanto por conta dos deslocamentos cotidianos até as escolas, parques, postos de saúde", pondera.

O cenário, entretanto, não é muito animador para os ciclistas ou para aqueles que gostariam de ser. Durante campanha eleitoral, o prefeito eleito João Doria (PSDB) deixou bem claro que não pretende continuar o projeto de implementação. Pelo contrário. Ele afirmou que queria eliminar algumas faixas cicloviárias da cidade.

Acesse o site www.projetociclos.com.br  e assista ao documentário sobre mobilidade urbana que fizemos em parceira com o Itaú.