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Música

A Coleção de Fanzines do Crass

A Gee Vaucher guardou essas mini-revistas artesanais xerocadas em um armário da Dial House, onde a banda morou durante o final dos anos 70 e começo dos 80.

Durante sua carreira, o Crass recebeu milhares de fanzines de garotos do mundo inteiro. A Gee Vaucher guardou essas mini-revistas artesanais xerocadas em um armário da Dial House, onde a banda morou durante o final dos anos 70 e começo dos 80. No dia 30 de setembro, a galeria Boo-Hooray em Nova York inaugurou a exposição In All Our Decadence People Die, uma mostra que apresenta vários zines enviados à Dial House, juntamente com obras originais da Gee e uma instalação de áudio de Penny Rimbaud. Sábado passado, Gee e Johan Kulgelberg, que faz a curadoria do evento, fizeram uma discussão seguida pela exibição de Detached: the Films of Gee Vaucher 1978 – 1984. Em celebração a esse final de semana temático do Crass, conversamos com a Gee sobre a exposição e sobre aquela época quando as pessoas faziam coisas super legais sem precisar manjar de html.

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VICE: E aí, Gee? Qual o objetivo disso tudo?
Gee: Qual o objetivo? Outra pessoa já me perguntou isso, um cara chamado Penny Rimbaud.

Certo, talvez a gente tenha se adiantado muito. Vamos começar com uma coisa mais fácil, como essa exposição que você montou. É basicamente uma chance para você mostrar todos os fanzines, panfletos e flyers que os anarco literários mandaram para você e para o Penny na Dial House durante trinta anos. Por que vocês os guardaram por tanto tempo?
Bom, gosto de pensar que é uma linda e estranha coleção de fanzines, e o fato de que eles datam dos anos 70 até os 90 é importante, acho eu. É óbvio que alguns fanzines aqui fizeram parte, ou vieram, da Dial House e da coleção Crass, mas a maioria deles é interessante para mim por serem muito artesanais. As pessoas usavam tecnologias bem cruas na época — alguns foram feitos antes do Xerox, e é interessante ver como as pessoas faziam o trabalho, desenhando os fanzines à mão.

Acho uma baita anormalidade fazer uma exposição dessas no meio dessa era tão "imprima-seu-próprio-livro" que vivemos hoje. Acho que será inspirador para um monte de gente jovem por aí saber que você não precisa comprar a máquina mais moderna para fazer algo assim, você pode picotar papel, pode usar spray, pode fazer estêncil -- você pode fazer qualquer coisa. Mas quem sabe, pode não ser nada disso, as pessoas podem achar que é só um monte de merda.

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Não sei, muitos deles são incríveis. Com que frequência você ia pegá-los no correio? Tinha algum que você ficava esperando?
Alguns deles são mais efetivos que os outros, no sentido que os escritores vão além de discutir sobre as melhores músicas pop e começam a enfrentar as preocupações que eles têm com sua vizinhança, sua cidade ou seu país. Outros eu guardei porque foram dados pra gente nos nossos shows — cada show do Crass era uma reunião de velhos amigos do país todo que vendiam seus fanzines uns para os outros por, tipo, um shilling ou algo assim. Era uma grande troca de informações, uma grande troca de amizades. Acho que muitas coisas se formaram assim e adoro isso. E, de novo, você tem que lembrar que não existia email, era tudo no boca a boca. E era muito lindo.

O que você acha do jeito que as pessoas conversam hoje em dia?
Não há qualidades táteis nos emails, eles não têm cheiro. Quando todos esses fanzines chegavam era um negócio sensorial, o cheiro do Xerox ou de tinta ou o que fosse, algum chá que tivesse borrifado no papel. Podia não estar muito bem cortado ou grampeado, mas era feito por alguém que queria compartilhar alguma coisa, e acho que isso é muito importante.

Você acha que alguma coisa se perdeu agora que as pessoas podem compartilhar qualquer coisa com o mundo simplesmente clicando?
Não fico deprimida com o progresso da tecnologia, só acho muito difícil de entender como alguém pode abandonar tudo por isso. As pessoas não escrevem mais cartas, sabe? Há os emails, mas gosto de receber cartas e cartões postais — gosto de figuras e selos. Gosto de esperar para ver o que você vai receber pelo correio.

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Não acho que tenha nada a ver com nostalgia, acho que tem a ver com esperar por algo tangível. Você "tem" alguma coisa física, colocar fotos na parede, colocar uma carta no seu bolso e ler outra vez depois, você não vai imprimir emails e fazer a mesma coisa. A letra de mão, adoro letra de mão. Você não vê mais isso, e eu sinto falta.

Sei o que você quer dizer. Toda vez que escrevo uma carta à mão para alguém hoje parece que foi um moleque de cinco anos num abrigo antibombas que escreveu.
Mas sou uma pessoa visual, então só de ver uma coisa escrita à mão, posso reconhecer o caráter da escrita. A pessoa estava nesse endereço, e antes mesmo de abrir a carta eu já sabia: "Bom, é uma carta de tal e tal coisa". É ótimo, adoro isso. Os emails são bons para organizar, mas não gosto muito de escrever cartas para as pessoas na internet.

Tem algum fanzine em especial que você se lembra?
Alguns sempre se destacavam por não terem nada a ver com música. Um deles era desse cara chamado Graham Burnett, que na verdade era um garoto muito novo na época, mas que agora dirige o permaculture workshops, e todos os fanzines dele eram sobre cultivar a própria comida, já naquela época.

Quantos anos ele tinha?
Uns 14. Lembro quando ele foi para a Dial pela primeira vez. A mãe dele o deixou lá e ele estava muito chocado. E os fanzines e desenhos eram exatamente o que ele faz hoje, acho isso fantástico. Era um fanzine bem incomum, mas as pessoas adoravam.

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Como se chamava?
Não me lembro agora. Mas ele anda por aí com o nome "Spiralseed". Ele faz vários livros sobre cultivar sua própria comida e sobre banheiros de compostagem, como viver de maneira simples sem fazer tanto esforço…

Nós falamos sobre isso antes no almoço, não? Sobre como o sistema social está entrando em colapso e como ser capaz de cultivar o próprio alimento vai ser uma coisa muito útil.
Ah, sim. Acho que isso vai acabar muito mal. Acho que não vimos nem a ponta do iceberg. Saúdo qualquer coisa que choque as pessoas para que elas vejam que se você vive em uma comunidade — seja uma vila ou uma cidade — você precisa fazer amigos. Não dá para sobreviver sozinho, especialmente nas cidades. No campo, você seria um idiota se não tivesse confiança ou amizade com as pessoas. Mas sim, acho que esse tipo de coisa faz as pessoas pararem e questionarem suas vidas. Não é nem a vida delas, é… É a vida que foi dada a elas pelas autoridades. Está além da minha compreensão por que alguém faria isso. Posso enxergar a razão: tem as crianças chegando, as famílias, responsabilidades. É admirável, mas tem um custo muito alto. Não precisa ser assim. Mesmo com as crianças, não precisa ser assim. Sabe, tenho alguns amigos bem próximos, eles têm três filhos que estudam em casa. Conheço dois grupos de pessoas que fazem isso e é fantástico. As crianças são ávidas pela vida, ávidas por conhecimento, e acho que é porque a sociedade está ensinando elas, os pais estão ensinando elas, e elas compartilham tudo isso com outras crianças que estudam em casa. Eles estão agregando a casa e se agregando uns aos outros, acho fantástico. Regras e regulamentos são "tão" para os pais e os filhos — eles nem podem brincar com castanhas no playground. Quer dizer, não fomos longe demais? Isso é loucura.