Conheça o coletivo de tatuagem que prioriza a dor no lugar da estética

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Entrevista

Conheça o coletivo de tatuagem que prioriza a dor no lugar da estética

O Brutal Black descreve sua abordagem ritualística como um “grande foda-se” para a cultura sem alma da tatuagem comercial.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Austrália .

Tatuagem dói, mas para a maioria, a dor é apenas um meio para um fim. E os tatuadores geralmente têm consciência do limiar da dor dos clientes, atenuando a brutalidade desnecessária na hora do risco. Não é normal ter que segurar alguém sendo tatuado, ou a pessoa se contorcer em agonia para escapar das penetrações implacáveis da agulha. Nem é comum ver a alegria sádica no rosto de vários tatuadores enquanto eles mandam longas linhas grossas aparentemente sem pausa, como se estivessem esculpindo um pedaço de madeira.

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É aqui que entra o Brutal Black, um projeto de tatuagem no qual mandalas não têm vez. Um projeto onde seu tribal japonês é nada mais que uma modinha fofa. Valerio Cancellier, Cammy Stewart e Phillip "3Kreuze", os três tatuadores por trás do projeto colaborativo, querem trazer ritual e renascimento de volta à tatuagem. O que eles bolaram é uma das experiências mais brutais que você pode imaginar; eles clamam orgulhosamente que o processo vai "foder com a sua vida".

Entrei em contato com os caras para saber por que diabos alguém faria um negócio desses.

VICE: Como o Brutal Black é diferente de uma sessão de tatuagem normal?
Cammy: No meu trabalho diário, o mais importante é o resultado final. Mas o Black Brutal é uma coisa completamente diferente para mim. Não estou dizendo que esse tipo de tatuagem é para todo mundo, mas esse conceito destrói o que acho que a tatuagem se tornou: plástica, sem alma, desmontada pela moda, a mídia e a cultura popular. Para mim, isso é um grande foda-se para o que a maioria das pessoas acredita que a tatuagem é hoje em dia.
Valerio: Hoje, o mundo da tatuagem é a pesquisa contínua por um produto artesanal excepcional que muitas vezes é chamado de arte — rejeitando o aspecto ritual [da tatuagem]. O projeto Brutal Black não quer se conformar com concessões. O elemento fundamental é experimentar o ritual.
Phillip: No meu trabalho cotidiano de tatuagem, ainda sou brutal, e preencho o maior espaço de pele no menor tempo possível, mas presto mais atenção ao cliente e seu corpo. Nesse projeto não há compaixão, escrúpulos, nem empatia — era um pouco estranho se comportar assim no começo. Mas é muito foda matar essas pessoas durante as sessões. Ver a dor nos olhos delas, seus corpos tremendo. Fico orgulhoso de atingir objetivos junto com meus clientes. Isso não significa uma manga completa ou um desenho grande; significa quebrar a própria vontade e ir ao extremo disso. Quando você tem dificuldade para andar depois da sessão, você fez do jeito certo. A dor passa, o orgulho é eterno!

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Como isso começou?
Cammy: Conheci o Valerio pelo Facebook. Ele tinha tatuado o rosto de alguém, gostei da tatuagem e queria falar com ele sobre isso. Depois de alguns e-mails, decidimos que trabalharíamos juntos num projeto grande em preto na Itália. A experiência foi ótima e nos demos bem, e nossos estilos de tatuagem pareciam complementar um ao outro, então continuamos a trabalhar juntos quando o tempo permitia, geralmente duas vezes ao ano. Já fizemos três projetos juntos. O último projeto foi na Alemanha, quando o Phillip se juntou ao grupo, mas acabei não conseguindo participar por problemas com meu voo.
Phillip: O Cammy teve problemas para entrar pela Escócia graças à sua aparência e algumas suásticas tatuadas, então a polícia o interrogou, fazendo ele perder o avião. Aí o projeto teve que acontecer em condições diferentes. Eu estava envolvido nos planos há meses, e nosso cliente, um grande amigo meu, tinha se declarado pronto. O Franky sabia que alguma coisa muito primitiva e brutal estava prestes a acontecer com ele. A tatuagem levou cinco horas num período de dois dias, o mais rápido possível, mas com pausas para ele vomitar e chorar.

Em que ponto vocês perceberam que o Brutal Black era mais que uma coisa estética?
Cammy: As coisas começaram a mudar na minha mente quando vi as reações dos clientes durante o processo de tatuagem. O projeto nem sempre é sobre o resultado, mas sobre o processo. Levar as coisas novamente para o lado primitivo, o rito de passagem. Desafiar seus próprios limites. Quanto você quer alguma coisa? Você consegue ver além do final? As marcas deixadas pela tatuagem são apenas um lembrete do que você aprendeu sobre si mesmo no processo. Para mim, as marcas que ficam na pele são menos importantes que as marcas que ficam na mente.
Valerio: Nada era definido, nada era planejado, nada era forçado. Não estava claro o que isso ia se tornar, mas uma consciência nasceu. Brutal Black te lembra da brutalidade primitiva que a modernidade estragou. Há muitos outros rituais tribais violentos que podem ser descritos como testes de sobrevivência. Apesar de o projeto não ser uma referência direta aos rituais tribais, sua energia tem o mesmo tipo de origem.

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O que vocês acham que motiva alguém a se tatuar assim?
Cammy: Só posso falar por mim, já que cada pessoa tem suas próprias motivações para fazer parte disso. Basicamente, gosto da energia compartilhada entre clientes e tatuadores; é algo muito intenso para todo mundo, mas de um jeito bom. Às vezes é bom ir um pouco além de onde você acha que poderia ir, tanto como artista quanto na resistência e determinação do cliente. Não há objetivo final, a vida é uma série de eventos, esse é apenas um deles. Tatuagem pode te ajudar a encontrar suas raízes e aprender que a dor, como o prazer, pode ser processada da maneira que você quiser. É apenas um momento intenso numa vida muitas vezes preenchida com sentimentos que você pode esquecer facilmente. Voltar à tribo da qual você era um guerreiro. Lembre-se disso. É muito fácil se tornar um drone num mundo raso onde você é forçado a existir.
Valerio: Todo mundo é livre para viver a experiência à sua própria maneira. Também pode ser um teste para si mesmo ou contra si mesmo. Pode ser difícil de acreditar, mas não há negatividade aqui — nada de ódio ou sadismo. Bom, sou apenas um veículo, um executor, um açougueiro. O corpo pode suportar esse tipo de ritual, mas é necessário ter uma mente muito forte.

Quando será o próximo projeto do Brutal Black?
Phillip: No final do ano na Itália, e vai fazer nossa reunião de dois dias com o Frankie parecer brincadeira de criança. Espero que ninguém morra!

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Tradução: Marina Schnoor

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