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Música

Como o Bad Brains criou o melhor disco de funk metal 30 anos atrás

'I Against I' transformou uma combinação de hard rock e funk em algo sexy, pesado e assustadoramente moderno.

Chamar o Bad Brains de influente para o rock do final do século 20 é como dizer que Abraão foi influente para a religião Ocidental. Henry Rollins talvez nunca tivesse entrado numa banda se o vocalista H.R. não tivesse mergulhado do palco em cima dele; os Beastie Boys nunca teriam a coragem de fazer a transição do punk para o hip-hop se não tivessem testemunhado o Bad Brains subvertendo os estereótipos raciais; a bateria de "Smells Life Teen Spirit" não teria tanta força se Dave Grohl não tivesse chupinhado ritmos e técnicas específicos de Earl Hudson. Neste ponto, a importância da banda aparentemente já foi afirmada por todo músico que já ouviu Bad Brains na vida, então por que continuar escrevendo sobre isso?

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Mas um gênero específico em o Bad Brains foi fundamental para popularizar é raramente discutido hoje em dia: funk metal. No começo, a banda seguia precisamente duas velocidades – um hardcore punk bate-cabeça e um dub viscoso. "Eles faziam seu hardcore e de repente viravam a página e a música entrava no modo reggae", diz Ron Saint Germain, que produziu o terceiro álbum deles, I Against I de 1986. As dez músicas resultantes se ramificam em muitos outros sons, mas sempre fundidos perfeitamente. O Bad Brains misturava linhas de baixo borrachudas e ritmos sincopados precisos com riffs de guitarra de hair metal, batidas de caixa secas e os vocais mais alienígenas que o vocalista H.R. já colocou na cera dos LPs. "Somos de DC, então a coisa do funk estava na gente", diz o guitarrista Dr. Know, "é só outro jeito de interpretar quem a gente é". I Against I não foi o primeiro álbum a misturar rock pesado e elementos de funk e soul – obviamente esse caminho foi aberto por grupos como o Funkadelic. Mas I Against I calcificou essa combinação em algo sensual, agressivo e completamente moderno.

O funk metal se tornou um gênero quase esquecido e ocasionalmente vilificado. Foi o som que pariu coisas como 311, Sugar Ray, Incubus e outros menos populares, com nomes que certamente contribuem para a memória do estilo como pouco mais que uma curiosidade: Style Monkeez, Psychofunkapus, Guano Apes, Super Junky Monkey. A maioria deles soam datados pra caralho hoje. O gênero híbrido só existiu no mainstream por alguns anos, e eventualmente deu à luz a outro gênero: o nu metal.

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Em 1986, o Bad Brains era uma das poucas bandas devotadas a dissolver as fronteiras entre funk e metal. Entre elas estavam o Living Colour e o Fishbone, que eram mais ligados ao hard rock e ska com metais, respectivamente, do que o Bad Brains, mas vistas em si como parte do mesmo movimento. "Foi uma época fascinante", lembra Vernon Reid, o guitarrista e compositor do Living Colour. "Eu tinha começado a banda alguns anos antes, mas 86 foi quando [o vocalista] Corey Glover entrou na banda e tudo realmente mudou. O Bad Brains já estava na mistura como uma coisa muito influente e underground, mas I Against I ter saído exatamente no momento em que saiu foi algo muito poderoso."

Glover admite que o Living Colour era um contemporâneo, não descendente, dessa escola particular de quebra de gêneros, mas não nega que I Against I foi um empurrão diferente: "Partes do disco eram familiares, porque éramos todos parte dessa cena e estávamos basicamente fazendo o mesmo tipo de coisa, pegando hard rock e infundindo o som com funk e música caribenha, que são parte de quem somos. Mas ninguém conseguia fazer isso como eles".

O vocalista e saxofonista do Fishbone Angelo Moore diz que o Bad Brains "misturava estilos extremos de música que não tinham nada a ver um com o outro, seja no ritmo ou na atitude, mas fazendo eles se unirem". Ele continua: "Eles estavam entrando numa área diferente, a veia do rock, em I Against I, e eu gosto muito de como a música deles evoluiu. E tem mais, como um cara negro tocando rock nos EUA, ouvir a banda era libertador. 'É isso que vamos fazer, e vamos defender isso não importa o que digam' – esse é o sentimento quando escuto esse disco."

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Bad Brains no Nightclub 9:30, Washington, DC, 1983. Foto pelo usuário do Wikimedia Commons Malco23

Todos os membros do Red Hot Chili Peppers, que já era uma banda com muito funk na época em que I Against I foi lançado, são grandes fãs do Bad Brains. Flea uma vez [descreveu](https://books.google.com/books?id=vgsEAAAAMBAJ&pg=PT1&lpg=PT1&dq=flea+bad+brains&source=bl&ots=CHSxbcCEUG&sig=Xeu5MKxkMygiGXankTviN6oehuw&hl=en&sa=X&ved=0ahUKEwjpseWbs-PQAhVDVWMKHWj_CpEQ6AEIVjAN#v=onepage&q=flea bad brains&f=false) a música deles "o coração de tudo que é real". John Frusciante fez cover de pelo menos duas músicas deles e Anthony Kiedis falou sobre seu amor pela banda num documentário de 2012. Chad Smith talvez fosse o único não familiarizado com a banda quando se juntou aos Peppers em 88, mas isso mudou rápido. Ele lembra de um conselho que Kiedis lhe deu para aperfeiçoar sua bateria: "Escuta Bad Brains, cara – Bad Brains é a banda mais feroz da história!".

Não se pode subestimar a importância de I Against I em moldar toda uma era da música. "Na época, não tinha nada parecido com eles", Reid diz. Saint Germain, que acabou trabalhando com Sonic Youth, 311, Tool e vários outros grupos icônicos dos anos 90, também merece crédito aqui.

"Nos meus mais de 46 anos gravando álbuns, posso dizer sem equívoco que recebi mais trabalhos e elogios pelo mundo por I Against I do que qualquer outro disco, ponto. Foi assim que consegui fazer seis álbuns do 311. Quando fui apresentado a Billy Corgan, ele imediatamente caiu de joelhos e começou a beijar os meus pés na frente de todo mundo. Se curvando ao sagrado I Against I."

Hoje, o disco não tem a mesma reputação de vanguardista que o icônico disco de estreia autointitulado do Bad Brains. Você não vai ver a capa do disco num tênis da Vans ou numa camiseta que o Pharrell vai usar no The Voice. Em parte porque, segundo o baixista Darryl Jenifer, o disco provocou reações negativas no começo dentro da comunidade punk.

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"Os principais fãs do Bad Brains, eles lembravam das raízes, e eles olhavam para trás e diziam 'Isso não é Bad Brains, na época os caras eram a coisa real. Você quer o Bad Brains de verdade? Você tinha que estar em DC em 1979, 80."

Mas isso também se deve a associações feitas com outras bandas de funk metal. As pessoas geralmente lembram de Incubus, Faith No More e Chilli Peppers como bandas que se deram muito melhor depois de se afastarem desse som. Mas muitas das suas ramificações eram ótimas. Living Colour e Fishbone eram revolucionários. Deftones usou o som para lançar uma das carreiras mais criativas do nu metal. Mesmo algumas coisas do R.E.M. do final dos anos 80 fazem referência ao gênero.

"Na época", diz Jenifer, "um cara como eu de DC devia tocar funk, como um cara da Jamaica só podia tocar reggae, e um cara branco tinha que tocar Zeppelin… Mas para o Bad Brains se destacar e ser essa banda de punk rock que abriu caminho como fizemos, acho que fomos usados como ferramenta para espalhar o espírito da versatilidade. Os Beastie Boys começaram a fazer rap, o Chilli Peppers eram funky, tudo isso – 'Bom, foda-se, se esses caras negros de DC podem ser uma banda punk, talvez eu, um cara branco, possa ser um rapper foda'".

É difícil determinar a amplitude do legado do Bad Brains. Você pode pegar uma música de menos de dois minutos deles, separar em pedaços de 10 segundos e começar uma banda inteiramente diferente baseada em cada um. Você pode dizer que rappers brancos não existiriam sem eles. Sem I Against I, é possível imaginar uma versão alternativa dos anos 90 onde bandas de metal nunca se apresentariam com um DJ e o Korn nunca existiria. Ou se existisse, nenhum membro usaria dreads. Claro, parte disso poderia ser descartado como determinismo – todos os gêneros colidem eventualmente, e membros de todas as raças acabam participando de cada gênero. Mas sem o Bad Brains, isso teria acontecido muito, muito mais devagar.

"Nunca entramos na logística de 'Você tem que compor assim' ou 'Esse é o seu som'", diz Dr. Know, "simplesmente tocamos o que tocamos, e se isso influenciou as pessoas, que Deus abençoe".

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Tradução: Marina Schnoor

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