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Saúde

Fiz um perfil honestão sobre minha saúde mental no Tinder

Minha depressão bipolar não é algo que tento esconder, mas eu queria encarar o potencial estigma de frente.
Screenshot via autora.

Namoro online pode ser difícil independente de quem você é e o tipo de bagagem que carrega. Tenho depressão bipolar, que na maioria das vezes parece só depressão normal mesmo. Trato isso com uma combinação de medicação e terapia. Geralmente me sinto bem, mas quando não estou legal, geralmente estou só deprimida.

O transtorno bipolar não comanda minha vida. Mas é uma parte que acaba surgindo quando estou conhecendo alguém novo, seja mencionando meu terapeuta nas conversas ou tendo que explicar por que tenho um conhecimento pouco comum de diferentes medicamentos psiquiátricos e seus efeitos colaterais.

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Não é algo que tento esconder, mas é uma coisa de que as pessoas não falam abertamente. Pode ser difícil descobrir quão honesta posso ser com alguém com quem estou começando a sair. Não sei como a pessoa vai responder quando eu disser que não posso dormir na casa dela porque tenho que tomar os remédios que deixei em casa ou que estou passando por um período difícil.

Ser uma mulher com depressão bipolar pode dar na telha do crush todos os esteriótipos de que sou uma louca tarada imprevisível. Na verdade, sou incrivelmente previsível e a única tara que tenho é fazer tabelas.

A palavra “louca” muitas vezes é usada contra mulheres para desconsiderar seus sentimentos e experiências, minimizar abuso ou permitir gaslighting. O psicoterapeuta Dr. Gary Brown disse que isso reforça esteriótipos “de que as mulheres são instáveis […] incapazes de ter um relacionamento amoroso saudável”. Ele acrescentou que “mesmo algumas das minhas clientes casadas nunca contaram aos parceiros por vergonha e medo de serem abandonadas”.

Até recentemente, eu nunca tinha me sentido completamente confortável compartilhando minhas questões de saúde mental com parceiros. Depois de sair de um episódio recente de hipomania — um período de humor elevado e hiperatividade anormal que pode acabar com uma depressão — e finalmente encontrar um remédio que realmente ajuda, percebi quanto minha depressão bipolar pode estar impactando minha vida romântica. Então comecei a pensar se não seria útil para mim e meus parceiros saberem dessas tretas todas logo de cara.

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Quando baixei de novo o Tinder, fiz um perfil brutalmente honesto sobre meus problemas de saúde mental. Achei que eu poderia encarar qualquer estigma em potencial diretamente e cortar alguém que poderia ter uma reação negativa a isso depois. Perguntei a alguns dos meus matches como eles se sentiram sobre a informação que compartilhei no meu perfil, e como eles se sentiriam saindo com alguém com um transtorno mental. Saio com homens e mulheres, mas as respostas que recebi foram principalmente de homens.

"Oi. Tenho muitas doenças mentais, incluindo (e não somente) bipolaridade, depressão, distúrbio de déficit de atenção e transtornos alimentares. Eu também não curto o meu pai. Também sou bissexual (mas isso não é uma doença mental). Tenho muitas neuroses e traumas latentes que dificultam MUITO os meus relacionamentos, mas tipo, eu me divirto, tá ligado?" — descrição do perfil da autora. "Oi. Tudo bom? A sua bio me deu medo" "Por que?" "Acho melhor você dar uma lida na bio de novo rs"

Caras que estavam de boa com isso (na maior parte)

Alguns dos meus matches, começando com o Adam*, acharam minha honestidade surpreendente. “Direta. Gostei.”

Carlos* também pareceu apreciar minha abordagem quando escreveu “Seu perfil é muito interessante! Você é tão direta sobre questões de saúde mental!” Perguntei se ele achou isso incomum. “Sim. As pessoas geralmente escondem por causa do estigma, então achei interessante. Trabalho com saúde mental. Mas derrubar o estigma era o que deveríamos estar fazendo.”

Quando perguntei como eles se sentiam com a possibilidade de namorar uma mulher com depressão bipolar, alguns dos matches disseram que estavam abertos à ideia. “Não me oponho. Pessoas têm problemas”, Walter* escreveu. “Todo mundo tem.”

"Tudo certo, e vc?" "Não quero falar sobre isso." "Ah. Por que não? Passando por um momento ruim?" "Não. Quer dizer, sim. To realmente lutando, sabe? É estúpido. Você não quer ouvir sobre isso."

Alguns dos meus matches até compartilharam suas próprias experiências com problemas de saúde mental. “Já sofri com isso no passado”, escreveu Sérgio*. “Isso definitivamente afeta os dois lados e exige uma compreensão profunda da condição e empatia. Mas olha, todo mundo é um pouco louco.”

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Mas outros pareciam só querer alguém para conversar que compartilhasse uma noção dos desafios de viver com problemas de saúde mental. Davi* escreveu: “Gosto que você tenha esse problema. Também tenho. Estou aqui só para sentir alguma proximidade e não me sentir mal, mesmo que só por um tempo”.

Daniel* respondeu: “Quer dizer, estou me recuperando de vício em drogas, então não julgo quando se trata dessa área”. Ele acrescentou que “nunca achei isso brochante. Na verdade é o oposto. Na minha experiência, a única coisa que as garotas gostam mais que um bad boy e um ex-bad boy”.

Caras que acharam isso excitante

Enquanto eu entrava em contato com mais matches, descobri que alguns caras pareciam interessados em mim especificamente por causa da minha condição. A primeira mensagem de João* para mim foi “Eu topo esse lindo desafio chamado Sofia”.

Outros caras, descobri, pareciam atraídos pela ideia de sair com alguém parecida com a Angelina Jolie em Garota, Interrompida — uma fantasia que criaram baseados no esteriótipo negativo. A primeira mensagem de Sandro* foi: “Seu perfil é muito interessante de ler. Aposto que você é excelente na cama”. Perguntei por que e ele explicou: “A maioria das garotas com problemas mentais e questões com o pai são ótimas sob os lençóis. Apaixonadas, selvagens, confiantes. Não púdicas. Não sei. Talvez porque seja um lugar onde elas se liberam de suas vidas zoadas”.

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Quando o mesmo João* me mandou mensagem no Instagram (depois que eu não dei match nele), perguntei por que ele decidiu me abordar. “Não vou mentir, 'louca da cabeça, louca na cama' é verdade, certeza que você sabe”.

André* ecoou a mesma ideia quando perguntei porque ele deu like na minha foto. “Estou sempre com alguém com ansiedade e depressão, e a pessoas sempre é aventureira. Talvez porque quando você é deprimida, o sexo é um alívio do stress”.

Caras que não tinha ideia do que estavam falando

Ter depressão bipolar não define minha personalidade ou a de qualquer pessoa, mas segundo a Dra. Yvonne Thomas, Ph.D, uma psicóloga de Los Angeles especializada em relacionamentos: “Uma pessoa com transtorno mental pode ser lida equivocadamente como não se importando, sendo insensível ou indiferente, o que pode afetar conseguir começar um relacionamento com alguém novo”.

Quando perguntei a Mateus* como ele se sentia sobre namorar com uma mulher com depressão bipolar, ele se mostrou cético. “Depende de como isso é. Não acho que isso é parte da sua identidade, mas espero que isso não te defina. Se você for realmente má, seria difícil. Mas se você já é uma pessoa má, acho que isso só acrescenta. Então sua situação seria difícil para mim”.

Infelizmente, cruzei com alguns homens com ideias bastante equivocadas sobre saúde mental (e que não tinham a menor ideia do que era depressão bipolar), como descobri na minha conversa com Raí*. Sua primeira mensagem para mim foi “Sua bio me assusta”.

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VICE: Você acha transtornos mentais assustadores?
Raí*: Um pouco, sim. Como você lida com isso?

Por quê? Lido com terapia e medicação.
Isso é bom. Que tipo de consequências isso tem num relacionamento? Estou perguntando porque conheci muitas garotas psicóticas. Uma vez na vida eu gostaria de ter um relacionamento simples e legal. Algo fácil. Nada de loucura. Me sinto feliz e com saúde. Não quero e não preciso disso.

Psicóticas”? Bom, muitas pessoas vivem com alguma forma de transtorno mental. Você não acha que pessoas com transtornos pode ter uma vida romântica saudável?
Acho que no começo sim. Tudo vai ser OK.

O que muda?
Depende da pessoa e se ela é forte.

Forte? Você acha que pessoas com transtornos mentais são fracas?
Isso torna sua mente fraca.

Você acha que pessoas com transtornos mentais não deveriam tentar namorar?
Não, só acho difícil de lidar. Que doença você tem? Bipolaridade? Mudanças de humor? Ruim e bom?

Não é uma questão de ruim ou bom, não é assim que bipolaridade funciona.
Não sei. Parece um pouco assustador. Me desculpe. Acho que minha ex era bipolar também. Ela era má às vezes e legal em outros momentos… não era uma situação de muito respeito. Eu estava sempre perdido com ela. Quer dizer, sou um cara legal, mas garotas que mudam de opinião o tempo todo jogam um jogo e não quero isso.

Depressão te assusta? Eu não tentaria diagnosticar sua ex, não é muito justo.
Sim, depressão é algo assustador.

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Por que você deu like na minha foto?
Porque você é bonita. Não li sua bio.

Condições como

depressão e ansiedade

são tão comuns que é possível que a maioria das pessoas já tenha saído com alguém que tinha problemas de saúde mental — elas podem nunca ter mencionado por medo de serem julgadas ou estereotipadas. Falar abertamente sobre saúde mental pode ser desconfortável, mas perpetuar suposições falsas e medo é muito pior. Há muitas

fontes online

que eu gostaria que homens como o Raí* usassem para se educar. Melhor ainda, falar com um terapeuta por conta própria poderia ajudá-los a entender por que doenças mentais os assustam.

Pessoas com questões de saúde mental podem, e muitas vezes levam, vidas românticas saudáveis e satisfatórias. Mas o Dra. Thomas disse que formar novos relacionamentos exige sensibilidade e consciência extra para evitar equívocos e confusões.

O Dr. Brown acrescentou: “Você quer estar com alguém que vai ser compreensível, ter compaixão, e que realmente queira saber mais sobre a sua condição para ser um parceiro melhor. Você merece isso. Com condições mentais ou não”.

Apesar de minha interação ruim com o Raí*, não perdi as esperanças. Quando o Bruno* me mandou mensagem pelo Tinder, ele não mencionou o que eu tinha escrito na minha bio até eu tocar no assunto. Sua única resposta foi “Notei e aceito”. Aí voltamos a falar sobre como odiamos montanhas-russas. Já saímos três vezes e planejamos um terceiro encontro. Minha depressão bipolar foi a coisa menos interessantes que discutimos e espero que continue assim.

*Todos os nomes foram mudados.

Matéria originalmente publicada na VICE UK.
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