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Como um sobrevivente da Baía dos Porcos se tornou um brutal mafioso americano

A operação fracassada da CIA teve sérias consequências para a cena do crime organizado nos EUA.
Esquerda: José Miguel Battle sendo preso em Miami por apostar numa briga de galos, cercado pela polícia de Miami-Dade. Foto via Promotoria dos EUA para o Distrito do Sul da Flórida/cortesia William Morrow. Direita: Ernesto Torres depois de ser baleado e morto em Opa-Locka, Flórida. Foto via Promotoria dos EUA para o Distrito do Sul da Flórida/cortesia William Morrow.

Em abril de 1961, cerca de 1.500 exilados cubanos treinados e auxiliados pela CIA partiram para invadir e derrubar o regime de Fidel Castro. A operação Baía dos Porcos, como ficou notoriamente conhecida, foi, claro, um tremendo desastre – os exilados que não foram mortos pelas forças bem preparados de Castro foram cercados e presos até a administração Kennedy conseguir negociar sua soltura. O fiasco não só ajudou a preparar o terreno para a Crise dos Mísseis de Cuba de 1962, mas também deixou os EUA mal na foto.

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Mas a operação desastrosa da CIA também teve consequências de longo prazo para a cena do crime organizado nos EUA. Entre os membros da Brigada 2506 – aqueles que queriam libertar Cuba – soltos sob custódia americana em 1962 estava José Miguel Battle, um ex-policial de Havana. Ele se reinventou nos EUA como El Padrino, um chefão da máfia cubana-americana. Graças em parte a sua conexão com lendários mafiosos italianos e o submundo de Havana, ele se tornou o rei do jogo na área metropolitana de Nova York/Nova Jersey. Com interesses criminosos por toda a costa leste, a carreira de Battle continuou até a era George W. Bush, quando ele e o filho finalmente foram presos em 2004. Jogos, assassinato e drogas – El Padrino durou mais que muitos políticos numa busca implacável por poder e riqueza.

Em seu novo livro, The Corporation: An Epic Story of the Cuban American Underworld, lançado em março, o mestre da investigação criminal TJ English explora a vida do chefe da máfia cubana que, concluiu o autor, se modelou conscientemente ao estilo de Vito Corleone de Marlon Brando quando ficou mais velho. A VICE conversou com English sobre seu novo livro e onde El Padrino se encaixa nas crônicas do folclore mafioso.

VICE: O que você acha que José Miguel Battle aprendeu como policial em Havana que o ajudaria a liderar um império do crime nos EUA?
TJ English: Ele aprendeu como a corrupção funciona e como esse mundo opera. Como o crime organizado é conduzido entre o mundo superior (empresários e políticos) e o submundo (criminosos e gângsteres). Battle entregava dinheiro dos cassinos para o palácio presidencial. Ele era o intermediário entre Meyer Lanksy e o presidente Fulgêncio Batista e seu governo. Battle entendia como você precisa cuidar das pessoas dentro do sistema. Pagamentos eram feitos sempre que necessário.

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Quando chegou aos EUA, ele queria montar um império de um jogo de azar que os latinos chamam de “bolita”, e ele sabia que se organizasse direito, isso podia ser uma mina de ouro. Parte da organização era garantir abrir caminho com as figuras necessárias da Máfia nos EUA. Ele marcou reuniões através de Santo Trafficante com todas as figuras-chave da Máfia na área de Nova York/Nova Jersey e começou seu empreendimento de bolita, que era imenso e muito lucrativo.

"Esses cubanos imediatamente se integraram ao submundo criminal, eles eram os tipos de caras pagos para fazer coisas que outras pessoas não estavam dispostas a fazer: assassinatos, todo tipo de atividade criminal pesada"

É impressionante como a invasão fracassada da Baía dos Porcos parece ter unido os homens que se tornariam a máfia cubana nos EUA. Mas considerando o jeito como as coisas eram na Cuba de Batista, não é exatamente um choque, certo?
Muitas das figuras da Máfia e cubanos que foram deslocados pela revolução estavam com raiva. Eles perderam dinheiro, propriedades e pertences, foram chutados do país sem cerimônia, e queriam tomar Cuba de volta. Eles tinham um interesse mútuo com a CIA e o governo americano, que via o governo comunista de Fidel Castro como uma ameaça, e queria derrubá-lo. Todos esses elementos – a Máfia, a CIA e os exilados cubanos – formaram uma coalizão e estavam determinados a matar Castro e tomar Cuba. A maior iniciativa desse esforço foi a invasão da Baía dos Porcos. Os homens que participaram dessa invasão fracassada, incluindo Battle, se tornaram a fundação da Corporação.

Muito da visão americana sobre gângsteres ainda se baseia muito em Scarface de Brian De Palma, que enfatiza que ele veio no Êxodo de Mariel de Cuba para a Flórida. Como Tony Montana de Al Pacino se compara com o homem real chamado El Padrino?
José Miguel Battle era uma figura mais estabelecida, um cara com muitas conexões no mundo superior. Tony Montana era um refugiado, um cara sem nada, dos níveis mais baixos da sarjeta da onde ele ascende. El Padrino era mais um chefão old school, por causa de seu entendimento de como o sistema funcionava. Mas o Êxodo de Mariel teve um impacto na Corporação. Quando chegaram a Nova Jersey e Miami, esses cubanos imediatamente se integraram ao submundo criminal, eles eram os tipos de caras pagos para fazer coisas que outras pessoas não estavam dispostas a fazer: assassinatos, todo tipo de atividade criminal pesada. Algumas das atividades criminais mais violentas foram realizadas pelos Marielitos, como eles eram chamados.

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Como muitas figuras da máfia da vida real e da ficção, El Padrino não aceitava bem traições. Mas o incidente com seu antigo protegido Ernesto Torres – que ele teria mandado matar – foi o mais perto que ele chegou de enfrentar a cadeia até ser realmente preso em 2004, certo?
Ernesto Torres era conhecido na organização como El Hijo Prodigo, o filho pródigo. Ele era um garoto de 19 anos que tinha mostrado grande talento como gângster e assassino. Ele começou basicamente como um assassino de aluguel – uma de suas primeiras missões foi tentar vingar o assassinato do irmão de Battle. Battle o via como alguém para quem ele podia ser um mentor, talvez até comandar a organização um dia. Outros da organização não entendiam isso, porque Torres não era muito inteligente e não parecia um cara que daria um bom líder. Ernesto tinha problemas. Ele começou a sequestrar outros banqueiros da organização e pedir resgate.

Eventualmente, Torres fez o impensável e atirou em um banqueiro refém. O cara sobreviveu, mas Torres quase o matou. Os outros banqueiros disseram a Battle que ele tinha que fazer alguma coisa sobre o cara.

[Depois da morte de Torres], Battle foi julgado por conspiração e condenado por uma das acusações. Parecia que ele seria preso por um longo tempo – que seu reino tinha acabado. A namorada de Torres testemunhou contra ele, mas Battle reverteu a condenação por um problema técnico. Ele pegou uma sentença menor. Quando surgiram rumores de que ele ia ser julgado de novo usando a namorada como testemunha, a organização cuidou da situação assassinando a moça antes do julgamento.

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"[O policial David Shanks] investigou esses caras por 20 anos"

El Padrino foi eventualmente pego por um oficial obstinado – David Shanks – com quem você falou. Por que você acha que ele decidiu basear sua carreira em derrubar esse mafioso?
David Shanks era só um policial de Miami que cruzou com a história da Corporação meio que tarde. Quando ele se envolveu, Battle tinha mudado de Nova Jersey para Miami, e a Corporação funcionava a pelo menos uns 15 ou 20 anos na área de Nova York, e agora estava mudando suas operações. David Shanks era um cara que tinha trabalhado com crime organizado, particularmente jogo e lavagem de dinheiro. Acho que ele foi o primeiro a realmente compreender o espectro todo do que era a Corporação. Ele fez isso rastreando o dinheiro e como o dinheiro estava sendo lavado num esquema de saque de cheques, e ligou o esquema de lavagem de dinheiro à organização em si. Ele investigou esses caras por 20 anos.

Como histórias oscilando nas áreas cinzas entre política e crime, como as que você costuma escrever, refletem o que está acontecendo hoje nessa arena dos EUA?
Se você não entende a história, trabalhos e crime organizado nos EUA, você não entende os EUA. Isso está muito emaranhado no tecido do país, sempre esteve. Falamos sobre como a máfia diminuiu e tudo mais, e, claro, diminuiu. Mas não acho que a política de corrupção que criou o crime organizado diminuiu. Ela toma novas formas dependendo do esquema dominante em qualquer era. Uma vez foi bebida ilegal. Depois extorsão, depois narcóticos. Corrupção policial e nas autoridades sempre será uma parte do que faz o mundo girar. Não acho que isso mudou muito.

A entrevista foi editada para maior clareza. Saiba mais sobre o novo livro de English aqui.

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