Passei um dia inteiro ouvindo rap acústico

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Passei um dia inteiro ouvindo rap acústico

Durante um dia de trampo, escutei uma playlist de sete horas de rap acústico e documentei meu sofrimento em tempo real.

De tempos em tempos (ou praticamente todo dia), o repórter acha alguma forma de se autoflagelar psicologicamente em favor do jornalismo. Também de tempos em tempos, surge uma nova polêmica no rap que divide a internet como o Mar Vermelho e rende memes atrás de memes. Uma das mais recorrentes nesse ano de 2018 começou muito provavelmente depois do sucesso estrondoso da série Poesia Acústica, da Pineapple, cujos vídeos já passam das dezenas de milhões de visualizações cada.

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Mas com o sucesso, claro, invariavelmente surge a galera falando mal na internet, que declarou guerra ao rap acústico. Parece que até o Donald Glover tava ligado, porque no segundo episódio da temporada nova de Atlanta, depois da confusão do Paper Boi ao ouvir um cover de uma faixa sua, Darius faz questão de explicar o que é o som: “É um cover acústico de rap. As minas brancas amam.” Até a própria Pineapple sacou a má fama do som na série e o quinto episódio foi nomeado “Todo Mundo Odeia Acústico.”

Mas, entre todo esse fogo cruzado, resta a questão: é bom mesmo o tal do rap acústico?

Vou ser sincera aqui. Rap acústico nunca foi o meu lance, não. Eu sou orgulhosamente trappeira e pra mim é mais interessante ouvir o Raffa Moreira falando de lean e óculos do Kurt Cobain. Mas eu nunca tinha parado pra de fato ouvir o lance — tirando o terceiro episódio de Poesia Acústica, “Capricorniana”, que eu não curti muito. Mas não custa tentar de novo.

Então, durante uma tarde de trabalho, eu ouvi todos os Poesia Acústica e uma playlist de sete horas que encontrei no Spotify só de rap acústico.

A reação que você lê abaixo foi documentada em tempo real.

13h, Hora 1

A primeira hora eu passei, pra começar, vendo todos os Poesia Acústica. E assim, nada contra o trampo dos caras, mas é tudo muito cafona, né?

E olha que tem uma galera de quem eu gosto lá, tipo o Djonga, o BK, o Diomedes. Mas só esse tom de rodinha universitária de violão na praia (o famoso luau, se você preferir) já me dá um negócio. Tem um lance que eu não gosto, também, que é o famoso vocal The Voice, aquele virtuosismo vocal sem motivo algum. A Maria faz muito nos Poesia Acústica.

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Mas enfim. Depois dos cinco episódios da série, eu avanço pra playlist.

De cara eu já percebo um lance que me incomoda. Cara, por que todo rap acústico fala de sexo de um jeito muito brega? Esse som do Krawk, “Sereia”, é só um dos que fizeram eu querer nunca mais transar por conta dessa letra no refrão: “Eu e você, embaixo dos lençóis / Me leva pra outro mundo a cada segundo / Sempre, quando estamos a sós”. Fora esse papo aí de relacionamento sem compromisso, mas meloso demais. Ninguém merece.

(Deixa eu só dizer aqui que eu achei um desrespeito colocar “Só”, do Kamau nessa playlist. Mas sigamos.)

14h, Hora 2

Tem muito 1Kilo nessa playlist. O 1Kilo talvez possa ser considerado a maior estrela do rap acústico, a dizer pelos 4 milhões de inscritos no canal do YouTube deles, e os outros muitos milhões de visualizações nos vídeos (essa “Deixe-me Ir” tem DUZENTOS MILHÕES de visualizações. Estou assumindo que é o hit supremo do rap acústico).

Eu entendo. É praticamente uma boyband. Os caras são teoricamente bonitinhos, cantam sobre amor e tudo o mais. Mas mano, que voz é essa? Um desses caras canta diretamente do fundo da garganta. Eu fiquei apavorada todas as vezes que ele abria a boca. Achei que o intuito do acústico era ter um sonzinho agradável, tipo a voz do Djavan ecoando nos seus ouvidos. Até Jorge Vercillo eu aceitava. Que isso.

Na real, agora eu cheguei à conclusão que é tudo liricamente péssimo. Um exemplo é esse refrão “Te amar / Me drogar” desse som do Ari que, se entendi bem, é um ex-membro da Cone Crew. A galera reclama do trap, mas pelo menos eles só falam de grana e droga (quando dá pra entender o que tá sendo falado). E esse melodrama romântico com um monte de palavra no diminutivo? Não tem como, serião.

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15h, Hora 3

Faz umas duas horas que a playlist está rolando, mas se me perguntassem eu diria que eu já passei uns dois dias escutando. Não sei se é o BPM lento mas parece que o tempo até começa a passar mais devagar. A única coisa que me fez sorrir nos últimos minutos foi o verso do Leo Stronda nessa “Antes que o Dia Termine”, do Bonda da Stronda, que eu colo aqui na íntegra caso alguém queira ser salvo de suas próprias trevas psicológicas:

“Gostava de você na minha casa fazendo eu rir
Gostava de você na minha cama de lingerie
Gostava de você toda em brasa pra me sentir
Gostava de você sem fama pra te atingir

Agora só eu aqui, e você aí
Tantos planos foram embora
E agora vai desistir, hein?

Não sei o que tu pensa, mas vê se lembra
De quem fechou contigo quando a época era tensa
Pra você uma bença, que Deus te ilumine
Mesmo crendo em outras crenças que sua vida seja sublime”

Eu curti a ambição dessa “Deixa eu te Levar”, também, que o mano rima que nem a namorada do Biel: metade em português e metade em inglês. O importante é mirar na carreira internacional, sempre.

16h, Hora 4

Não sei se era pra ter esse efeito, mas toda a positividade desses sons tá me deixando cada vez mais de mau humor. Não é possível que todos esses rappers são felizes desse jeito. Ninguém é. Nem fumando maconha o dia inteiro, como eu acredito que eles fazem pela quantidade de referências presentes a cada duas linhas das músicas.

O tédio é tanto que até um som do Rashid consegue me animar. Mas dura pouco, porque o rap acústico é cruel e implacável.

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17h, Hora 5

Eu acho que nunca mais vou conseguir ouvir um violão de novo. Se eu fecho os olhos, eu só consigo ver um violão e sentir a semente de uma enxaqueca nascendo aos poucos bem no centro do meu cérebro.

Fiquei ligeiramente emocionada de ouvir uma música que eu já conhecia na playlist, que é uma versão acústica de “Vagalumes”, do Ivo Mozart, originalmente uma parceria com o Pollo. Ele fala até da Janelle Monáe no som, o que eu nunca tinha reparado antes. Pensando bem, talvez essa música tenha sido o real surgimento do rap acústico, junto com algum som do Projota. Que erro. É tipo a nossa versão de “One Dance”, do Drake, que começou essa onda infeliz de dancehall muito do mal feito no rap gringo.

19h, Hora 7

Eu, particularmente, sou da opinião que não se pode falar mal de um lance até você conhece-lo de fato. Esse foi todo o meu intuito com a missão que assumi nessas últimas sete horas. Eu gostei até do último disco do Post Malone. Sério, gostei mesmo. Então sabemos aqui que eu não teria pudor de dizer se o rap acústico tivesse me enlaçado.

Mas realmente não é o caso. A imagem do luau é muito recorrente na minha cabeça. A partir da segunda hora todos aqueles violões pareciam o mesmo na minha cabeça, e até o pianinho que aparece em uma faixa ou outra não era o bastante pra me dar um alívio.

A conclusão que eu tiro de tudo isso é, galera, só quem sabe fazer trap com violão ao fundo é o Young Thug. Se você não é o Young Thug, que é louco e zica, evite. Tudo de melhor.

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