Foram os índios Guarani que deixaram um legado para as mulheres do bairro de Goiabeiras, em Vitória, capital do Espírito Santo. Ali, avós, mães e filhas passam seus ensinamentos de geração para geração: o ofício de fabricar panelas de barro. Muito capixaba enseja que a moqueca de verdade é a deles, e "o resto é peixada". Para isso, a iguaria deve ser preparada numa panela de barro típica. E é assim que os utensílios tradicionais produzidos pelas "paneleiras de Goiabeiras" continuam essenciais há anos.
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Foi e não foi por acaso que tive a oportunidade de conhecer e fotografar em filme algumas dessas mulheres. Antes de passar uma semana de férias na cidade me deparei com a história pela internet e o coração golpeou nervoso. Quando desci do táxi, já em Goiabeiras, logo presenciei uma cena que soava tão apocalíptica quanto linda: sobre a calçada, uma senhora com um tecido preto na cabeça tingia as peças a céu aberto em meio a uma cortina de fumaça. Um homem a ajudava, resgatando as panelas que estavam na queima com um ferro comprido.
O barro é extraído do Vale do Mulembá, a cinco quilômetros do galpão onde as artesãs trabalham diariamente. Antes de ser utilizada, a argila passa pela "escolha", um processo para retirar suas impurezas, como pedras e vegetais, e descansa envolta em um plástico. Depois, é modelada manualmente com uma destreza invejável e com o auxílio de objetos rudimentares, como os seixos rolados (aquelas pedras de rio).Das mãos dessas mulheres saem também frigideiras, bules, formas, travessas, cinzeiros. O ofício, apesar de ser majoritariamente feminino, também abarca alguns homens, que atuam principalmente na colheita da matéria-prima.
O banho de sol seca os utensílios, que depois são polidos na calçada por um grupo. Posteriormente, vão para a queima e são impermeabilizados e tingidos com tanino, uma tinta produzida com a casca do mangue vermelho macho, árvore também conhecida pelo nome de "sapateiro". É o tanino que dá a cor negra às panelas e as protege de fungos.
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A tintura soa como um ritual. Com um maço de gravetos finos, presenciei a tal senhorinha açoitando as panelas recém-saídas do fogo. É assim que a tinta penetra, de fato, no barro.
Todo esse processo tem uma preocupação ecológica: os "casqueiros" só retiram um lado de cascas do tronco do mangue vermelho e a queima das panelas não desmata as árvores da região, já que utiliza restos de madeira, principalmente oriundos da construção civil.Saque mais fotos das paneleiras em ação abaixo.Siga a Débora Lopes no Instagram.