Explorando o interior do Brasil nos mods de 'Euro Truck Simulator 2'
Vista do Rio de Janeiro no mod de 'Euro Truck Simulator 2'. Todas as imagens: Matheus Fernandes/VICE.

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Explorando o interior do Brasil nos mods de 'Euro Truck Simulator 2'

A história dos quase dez anos de estrada do Mapa EAA, um dos mais populares entre os caminhoneiros digitais do país.

O apelo de Euro Truck Simulator 2 é difícil de explicar. Simuladores sempre foram um nicho nos games de PC, mas esse jogo sobre transportar cargas pelas estradas da Europa, com mais de 5 milhões de cópias vendidas e marcando presença constante nos mais jogados da Steam, é um sucesso fora da curva. O público de ETS 2 é muito maior do que a maioria dos outros jogos do gênero, o que leva à questão: Por que tanta gente gasta seu tempo livre em algo que é essencialmente um simulador de emprego?

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A real é que ETS 2 não é só sobre entregar cargas e expandir sua transportadora, é sobre paisagens virtuais. Mesmo se você não sabe a diferença de um DAF para um MAN, ou não tem a menor ideia de como manobrar um reboque, ainda pode curtir os pores do sol em baixa resolução pelas estradas da Europa, a chuva e a neblina, ou a sensação de descobrir um novo caminho.

Poucas experiências nos games são tão terapêuticas quanto transformar a cabine do caminhão em uma cabine de DJ e navegar pelas estradas ouvindo música, sejam sets de minimal techno, as rádios do leste europeu presentes no jogo, ou, pra quem curte mesmo entrar no clima, os mixes do DJ Wagner, o favorito dos caminhoneiros da vida real.



Para além dos feitos da desenvolvedora do jogo, SCS Software, o que mantém o jogo na estrada até hoje são os mods, e o Brasil tem uma comunidade extremamente ativa nessa área. Entre dezenas de skins para caminhões, reboques e ônibus, o que chama atenção são os mapas criados pela comunidade que permitem ao jogador encarnar o Pedro e Bino e explorar o Brasilzão, das fazendas do interior paulista, no mapa Eldorado, à floresta amazônica, no mapa Amazonas.

Um dos mais populares é o Mapa EAA, sigla para Explorando a América, distribuído via Youtube, plataforma onde conta com mais de 80 mil inscritos. A modificação conta com três versões, a básica, com os veículos padrão do jogo, uma voltada aos caminhões rígidos e a versão ônibus, para alegria dos busólogos.

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O EAA tem uma longa história. O responsável pelo mod, o engenheiro mecânico Roberto Restanho, 42 anos, conta que a modificação começou em 2009, ainda no jogo 18 Wheels of Steel Hauling, a partir da ideia de um outro modder, Eduardo Boasquevisque, de criar um mapa baseado na América do Sul. Eduardo acabou saindo da equipe depois de algumas versões e, de lá para cá, é Restanho quem toca o projeto, que já passou pelo jogo 18 WOS Hauling, pelo sucessor 18 WOS Long Haul e já excede 40 edições no ETS 2. Para ele, a maior mudança nesse período é nas ferramentas de edição, que “melhoraram muito, proporcionando mods de melhor qualidade”, afirma.

Aparecida, no interior de São Paulo.

Atualmente, o EAA tem 324 cidades, espalhadas por quase todo território nacional (ainda que concentradas no centro-sul, reflexo da malha rodoviária do país). Para efeitos de comparação, o mapa vanilla do jogo tem em torno de 70 cidades. Com todos os DLCs, o número não chega a 150. É difícil imaginar outro game que tenha por cenário municípios como Jaguariaíva, Xanxerê ou Ariquemes, mas o plano dos modders é ainda mais ambicioso: chegar a marca de 600 cidades.

O processo para recriar uma localidade começa no Google Maps. Depois, imagens e vídeos dos trechos para acertar os detalhes. A equipe atual do mod tem quatro pessoas, dois editores de mapa e dois de veículos, além de colaboradores esporádicos. Desses, apenas Restanho trabalha diretamente com caminhões, em uma montadora. Os demais, segundo ele, são aficionados pelo tema.

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O mod segue a mesma lógica da versão original: distâncias comprimidas e uma ambientação genérica, devido às restrições do jogo, mas com elementos suficientes para evocar uma similaridade. O caminho entre a capital e o porto de Santos, um dos pontos de conexão com a Europa, é repleto de cenas reconhecíveis: túneis intermináveis, pedágios e a represa Billings. Em direção ao interior paulista, o que domina é paisagem idílica composta por pastos e postos Graal, que ganharam sua versão no jogo.

Mas é longe das principais estradas que o mod brilha, onde o gameplay passa de um simulador de autobahn para algo que parece saído de Comboio do Medo, filme de Willian Friedkin sobre caminhoneiros explosivos na América do Sul. Estradas de terra, curvas fechadas, pontes de madeira e animais na pista adicionam desafio ao gameplay, superando o próprio mapa base nesse quesito.

Ponto dos Volantes, em Minas Gerais.

Questionado sobre sua parte favorita do mapa, Restanho diz que a pergunta é difícil, mas lista uma série de locais: “As serras na divisa oeste de SP com RJ, as longas retas do Mato Grosso, a serra da 262 perto de Vitória, as serras de Santos e por aí vai”. Explorar todo mapa é um projeto extenso, mas é justamente nessa divisa que se encontra um dos trechos que mais me surpreendeu, a estrada real entre Cunha e Paraty, rota montanhosa pavimentada com paralelepípedos.

O EAA é gratuito (algumas das criações da comunidade costumam ser pagas, com preço na mesma faixa dos DLCs oficiais) e se sustenta atualmente com o canal do Youtube e doações dos seguidores. Outra estratégia de arrecadação de fundos é a venda de empresas e outdoors dentro do próprio mapa, frequentemente estampados com anúncios de canais do youtube ou transportadoras virtuais.

Não é só um possível retorno financeiro que motiva os modders, mas também as histórias de como as pessoas se relacionam com essas criações. “Frequentemente recebo histórias comoventes no nosso e-mail de contato, pessoas que nos escrevem para dizer que graças ao mapa, usando-o como alívio para alguma enfermidade, hoje se encontram melhores do que estavam antes”, relata o engenheiro. Histórias como a da uruguaia com dificuldades de locomoção que usava os ônibus do mapa para imaginar como seria viajar sem limitações pelo Brasil, ou do ex-caminhoneiro diagnosticado com câncer, que viu no mod uma forma de matar a saudade da profissão enquanto tratava a doença. “Essa história foi tão forte que nos tornamos amigos e nos encontramos várias vezes depois disso”, conta Restanho, “a gratidão da comunidade conosco não tem preço”.

A carreta da VICE já tá pronta pra meter o pé na estrada.

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