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Entretenimento

De racismo ao estupro, os youtubers que escancaram o lado mais sombrio do Brasil

Blindados pelos fãs e patrocinados por marcas, youtubers brasileiros continuam enaltecendo o humor preconceituoso escroto como forma de ganhar visualizações.
Google/Reprodução 

Inicialmente, parecia muito promissor ter cada vez mais jovens abaixo de 25 anos se destacando em fazer conteúdos independentes na internet. A resposta veio rápido do público da mesma idade desses youtubers, seja fazendo vídeos no Minecraft, resenhas de maquiagem ou só aqueles que duram longos minutos para reclamações sobre a vida. A grana também veio rápido. Num piscar de olhos, jovens donos de canais com milhões de inscritos apareceram em publicidades, reportagens e uns até começaram a trilhar uma carreira além da internet indo para a televisão ou investindo na carreira de ator.

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Essa geração de jovens fazendo conteúdos independentes de fato representa o futuro do entretenimento. Afinal, como ignorar o fenômeno de milhões de crianças e adolescentes vendo esses vídeos no caminho da escola através do smartphone? Na verdade, os youtubers representam o futuro e o passado, tudo ao mesmo tempo. O futuro está na plataforma, nas redes sociais e na velocidade em que ele será visto pelo público. Já o passado é 90% dos conteúdos que eles criam e dizem ser tão inovadores. O desespero em ser visto, patrocinado e compartilhado revelou tudo, menos algo novo. Os youtubers não passam de uma reprise modernizada do que é o humor preconceituoso no Brasil e como ele facilmente é tolerado por nós.

O que assusta no vídeo em que o youtuber Everson Henrique de Oliveira, também conhecido como Everson Zoio, relata o estupro que cometeu contra sua ex-namorada é a normalidade. No vídeo, publicado no YouTube em 7 de março de 2017, o jovem conta da vez que dormiu com a ex numa fazenda e forçou sexo com ela, mesmo ela dizendo que não queria. Ao lado de Everson, três amigos se contorcem de rir ao ouvir a história. A história é sobre um estupro, mas nunca soou tão engraçada para os jovens que aparecem no vídeo.

Embora o vídeo de Everson, antes de ser retirado do ar às pressas na tarde desta sexta (27), já estive há mais de um ano no ar, ele foi resgatado por usuários naquela mesma onda de chafurdação em tuítes antigos de perfis de youtubers, na intenção de trazer à tona alguns podres do passado. Everson, por ora, ainda está bem. O youtuber aparentemente está na Bélgica, bancado por um patrocinador, para ver um festival de música eletrônica.

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Everson não é o primeiro e nem o último youtuber a causar polêmica ao contar “causos” como os dele. Na verdade, no caso da sua narração orgulhosa sobre o estupro contra sua ex não pareceu uma tentativa elaborada em chamar atenção, mas apenas algo banal da vida dele. O que há de tão diferente no vídeo de Everson relatando um estupro, ou naquela entrevista do Alexandre Frota em que ele revelou ter estuprado uma mãe-de-santo? Nada. E em ambas houve a tolerância e perversidade do público brasileiro, que se satisfez rindo disso, e até criando uma certa empatia a quem abusa. É essa normalidade que faz o Brasil ser um dos países mais violentos contra as mulheres.

A linguagem de youtubers costuma ser muito similar a de Everson. Vídeos intermináveis contando histórias e dando opiniões totalmente corriqueiras, um reflexo da violência simbólica do Brasil profundo. No vídeo de estupro, precisou mais de um ano para que alguém captasse que aquilo contado se tratava de um crime, e a partir daí nas redes. E se ninguém tivesse achado aquilo errado? Ele estaria no ar ainda, despercebido.

Por isso que não há nada de novo ou que reflita um pensamento mais jovem dentro desse universo. Pra quem passou a infância assistindo a programas de auditório ou de humor na TV aberta, youtubers só parecem uma reprise digitalizada. Eles são de certa forma um reflexo do que há de pior na cultura do país. Ainda nos comunicamos através de histórias de violência ou por comportamentos preconceituosos. Nós ainda achamos esse tipo de piadas e conteúdos uma forma válida de conquistar a fama ou expressar em forma de opinião.

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Mas não são só as piadas preconceituosas ou “causos” polêmicos que ganham o dia deles. Recentemente, uma youtuber brasileira foi acusada de plagiar vídeos de um youtuber norte-americano. A mesma, inclusive, exaltava como é difícil ter o trabalho de criar novos conteúdos interessantes. Na mesma semana que o vídeo de Everson foi denunciado, Felipe Neto gravou um vídeo surfando no seu nude vazado na internet. Sendo um homem hétero e branco, ficou visível como o Brasil é um país onde só os homens têm vez. Imagine se fosse uma mulher youtuber tentando capitalizar sobre um nude vazado sem ser hostilizada ou denunciada?

Blindados pelos fãs, sustentados por patrocínios e presentes nas pequenas telinhas de crianças, adolescentes e jovens, os youtubers brasileiros continuam estendendo a tradição moribunda de usar a escrotidão, a violência e o humor preconceituoso como forma de se destacar.

Talvez a luz no fim do túnel está ainda por vir. Youtubers influentes no país como Júlio Cocielo, Cauê Moura e Jacaré Bangela perderam patrocínio e muita moral na rua após fazerem comentários racistas e misóginos nas redes sociais. Os produtores de conteúdos que gostam de reproduzir esse tipo de discurso violento do Brasil podem não estar preocupados em serem taxados de preconceituosos, mas as marcas que os patrocinam estão. Por cobrança do público e medo de boicote, talvez seja através da falta grana no bolso que faça esse discurso dentre os youtubers mudarem.

ATUALIZAÇÃO 29/7/2018 14h55: Uma versão anterior desse artigo afirmava que o youtuber Felipe Neto teria provavelmente vazado o primeiro nude. Como não há fatos ou evidências para corroborar essa afirmação, o texto foi editado.

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