Celebrando O Domingo de Páscoa Com Dinamite

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Celebrando O Domingo de Páscoa Com Dinamite

Christos Anesti, que significa “ascensão de Cristo” em grego, é uma celebração religiosa com dinamite que acontece todo ano na Páscoa Ortodoxa, lá pelo final de março, na pequena ilha de Kos, parte de um arquipélago ao sudeste da Grécia continental.

Christos Anesti, que significa “ascensão de Cristo” em grego, é uma celebração religiosa com dinamite que acontece todo ano na Páscoa Ortodoxa, lá pelo final de março, na pequena ilha de Kos, parte de um arquipélago ao sudeste da Grécia continental. Do outro lado do mar Egeu, é possível ver o contorno da costa turca.

Eu tirei a maior parte das fotos no Domingo de Páscoa, no entanto, as preparações para a celebração se espalham por vários meses. Os participantes importam pólvora da Turquia usando lanchas e transformam em explosivos na garagem de suas casas. Depois, os caras se encontram num penhasco com vista para a ilha e posicionam seus explosivos em preparação para as detonações no final da tarde. Chegada a hora certa, eles detonam os explosivos a partir do mirante, centenas de metros acima das casas abaixo.

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A coisa toda é inacreditável e muito linda. O som é ensurdecedor. Você fica sentindo as vibrações pelo corpo todo por horas. Às vezes, as janelas das casas próximas estilhaçam. Outras vezes, os explosivos soltam pedaços de rocha do penhasco, fazendo eles voarem nos participantes ou despencarem nas ruas lá embaixo. Os gritos andam de mãos dadas com a comemoração da Ressurreição.

No geral, os cristãos ortodoxos são ligeiramente mais severos do que a maioria dos católicos moderados – isso porque eles ainda não perdoaram Judas. É ele que aparece incinerado em várias imagens (é o trabalho das crianças colocar fogo nele). Outra coisa sobre a Grécia é que não há separação entre igreja e estado, e é bem provável que nunca vai haver.

A cerimônia é exclusiva de Kos. É necessário certo alinhamento de fatores políticos e geográficos para gerar uma tradição assim. A ilha é rochosa e não permite nenhum tipo de crescimento – a ocupação tradicional aqui é o mergulho para coletar esponjas. Depois do final da Primeira Guerra Mundial, os mergulhadores locais começaram a achar bombas não detonadas em navios e aviões militares. Eles traziam essas bombas para a superfície, que supostamente teria começado com tudo.

Os participantes dessa celebração não compartilham nenhuma agenda específica, ainda assim, é difícil não ver o Christos Anesti através de uma lente política. Quer dizer, não é uma brincadeira inofensiva quando um monte de caras se reúnem e dizem: "Vamos transformar essa pólvora em explosivos, subir no ponto mais alto da ilha e explodir a porra toda no dia da Ressurreição, bem debaixo do nariz dos vizinhos muçulmanos com quem temos tensões territoriais pendentes", não é?

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O clima político e as posições de vários partidos gregos evoluíram tão rápido nos últimos anos que é impossível saber as inclinações daqueles que celebram o Christos Anesti. Quando conversei com os moradores, notei uma rejeição geral à política. Várias vezes, ouvi pessoas dizendo: “Nascemos aqui; vamos morrer aqui. Nossas bombas são muito importantes para desperdiçar no parlamento”. Há um senso palpável de orgulho que tende a escorregar para uma mentalidade territorial, mas algo que não chega nem perto dos nacionalistas gregos. As poucas pichações que vi tendiam a ser anarquistas ou de esquerda.

Até hoje, há tensões entre Turquia e Grécia sobre as ilhas do Dodecaneso, incluindo Kos. Veja a história de um cara que, 30 anos atrás, plantou um bandeira grega em uma das microilhas. Nacionalistas turcos o fuzilaram. Desde então, um senso crescente de identidade e regionalismo se desenvolveu ao longo da fronteira. E hoje, mais que nunca, o Christos Anesti é uma mensagem de aviso à população turca: “Podem vir, estamos prontos para vocês”.

Fiquei duas semanas na ilha e a celebração caiu no final de minha estadia. Os participantes se mantinham nas sombras. Tentei organizar encontros com eles, mas eles continuavam se mantendo à distância. Finalmente, na véspera do Christos Anesti, decidi subir no penhasco sozinho e tentar descobrir onde esses caras estavam detonando os explosivos.

Fui um dos primeiros a chegar no topo do penhasco no dia D. Logo em seguida, três caras começaram a gritar comigo em grego. De longe, reconheci alguns com quem tinha conversado na semana anterior. Levei uma hora para convencê-los de que eu manteria uma distância segura. Aos poucos, eles me permitiram chegar cada vez mais perto, apesar de a regra para as fotos continuar a mesma: “Sem rostos”.

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Esses caras não querem que o evento se torne muito popular, com medo de que sua tradição fique comprometida. Esse dia é incrivelmente importante para eles – é a maneira como eles desabafam. Alguns usavam máscaras de esqui, outros cobriam os rostos com lenços. Eles não me deixaram chegar muito perto – especialmente os cinco ou seis caras que carregavam a bandeira da Grécia. Mais uma vez, não quero colocar palavras nas bocas deles. Eles podiam estar exibindo símbolos, mas diziam não ter uma motivação política.

A Christos Anesti é uma festa de homens. Não havia uma única mulher lá em cima durante as explosões. As diferenças entre homens e mulheres são escritas em pedras por aquelas bandas. Cada um tem seu lugar. Algumas mulheres apareceram no meio da tarde para entregar café instantâneo e fogos de artifício para o grande final.

Em algum momentos dos anos 1980, houve um incidente durante uma dessas cerimônias. Na época, os explosivos eram detonado de um penhasco do outro lado da cidade. Um dos participantes achou que seu explosivo tinha falhado, então, jogou ele de volta à pilha de bombas. Mas o explosivo não tinha falhado e todos os outros detonaram ao mesmo tempo, matando várias pessoas, ferindo gravemente mais algumas e arrancando pedras enormes da face do penhasco.

Uma capela foi construída no local e os participantes resolveram se mudar do barranco amaldiçoado para um penhasco do outro lado da cidade. Nenhum problema foi registrado no ano de minha visita, mas os acidentes são comuns. Conheci um cara que tinha perdido dois dedos. Apesar de muitas baixas nos últimos 20 anos, o movimento continua forte.

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