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Santos Malandros

Fomos até Caracas ver túmulos repletos de santos com boné, cigarro na boca e arma na cintura.

Fotos por Santiago Stelley

Três imagens de Ismael Sanchez em seu santuário no Cemitério General del Sur, em Caracas. A abertura na boca dele é para cigarros e baseados. 

Passamos pelos seguranças do portão e percorremos sem pressa alguns funerais em andamento. Era segunda-feira, o que significava que os falecidos no fim de semana estavam sendo sepultados. Eram em sua grande maioria jovens do sexo masculino. Parentes desolados podiam ser vistos por toda a extensão do cemitério. O Cementerio General del Sur se parece com qualquer outro cemitério católico, com túmulos antigos e flores recém-deixadas pelos visitantes pontuando a paisagem. Mas quando você observa mais atentamente, elementos da Santeria saltam à vista. Muitos dos visitantes se vestem inteiramente de branco e a maioria deles carrega consigo algum tipo de oferenda. Imagens de santos podem ser vistas em praticamente todas as sepulturas. A Venezuela é uma sociedade profundamente dividida. O regime de Chavez é uma reação direta a uma descrença nas autoridades alimentada ao longo de séculos de violentas ditaduras. E a descrença não se resume à política: muitos dos venezuelanos que não têm acesso a saneamento básico têm uma certa dificuldade em estabelecer uma relação com os santos tradicionais da Igreja Católica Apostólica Romana. Eles preferem cultuar figuras mais familiares e mundanas.  O cemitério é cercado por favelas equilibradas em morros. É um lugar imponente, marcado por um clima solene. Isso até você ver Ismael Sanchez. Com mais ou menos 90 centímetros de altura, um boné virado para o lado e um cigarro pendurado na boca, Ismael é o líder dos Santos Malandros—um grupo de entidades desencarnadas que tem em comum uma longa ficha criminal. Ismael é um carinha cheio de estilo, com óculos escuros esportivos, camisa colorida, calça de alfaiataria e um par de tênis Nike novinho em folha combinando com o boné. Encontrar pessoas cultuando uma estatueta de menos de um metro de altura com a imagem de um bandido morto já foi estranho, mas, na prática, a coisa é ainda mais bizarra.

Encontramos sete imagens diferentes de Ismael, além de inúmeras placas, bilhetes escritos à mão e outros tipos de homenagens. Todas as estátuas de Ismael têm um pequeno orifício entre os lábios, que permite que seus devotos coloquem cigarros e baseados em sua boca como uma forma de oferenda. Todos os dias, vários venezuelanos passam pelos portões do cemitério para visitar Ismael e outros Santos Malandros e pedir uma variedade de bênçãos: proteção contra os ladrões, melhoria no estado de saúde de um ente querido ou simplesmente não levar um tiro de bala perdida ao voltar do mercado naquela tarde.  A grande ironia é que, em vida, Ismael Sanchez era, ao que se sabe, um criminoso convicto. Ele ganhou a vida assaltando as pessoas, mas seus devotos logo deixam claro que ele escolhia suas vítimas de forma “robin hoodiana”.  “Se é que algum dia ele roubou alguma coisa, foi para o povo, para o bairro, para que as pessoas pudessem comer”, explica Ramon, o vigia do altar de Ismael. Com seu boné enterrado na cabeça, ele fez questão de nos apontar todas as virtudes de Ismael. “E agora as pessoas vêm aqui para trazer bebidas, cigarros, frutas e bolos para o Ismael.” Ismael é quem manda no pedaço, mas os demais Santos Malandros são tratados com a mesma reverência. Isabelita é a padroeira daqueles que buscam por justiça, Tomasito dos que foram traídos, e a lista continua: Johnny, Elizabeth, El Ratón, Petroleo Crudo (também chamado de El Negrito). Enquanto estávamos conversando com alguns garotos que passaram para fazer uma visita aos Santos Malandros, começou um tiroteio em uma das favelas vizinhas. Os garotos saíram correndo, e nós fizemos o mesmo.  Não muito longe do cemitério, passamos por uma lojinha que vendia imagens dos Santos Malandros de todas as formas e tamanhos. Foi lá que conhecemos uma médium chamada Clara, que nos disse que poderíamos falar diretamente com Ismael através dela. Perguntamos se ela não achava estranho o fato de que, em um país tão violento, tanta gente rezasse para criminosos armados. Ela disse que não, que os malandros eram só uma forma de entrar em contato com uma energia positiva. Então ela e Ismael me disseram que eu tinha uma aura boa e que deveria visitar a Grande Pirâmide.