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​O Fly, do You Can Dance, tentou ajudar a PMERJ a sair do buraco na UPP do Morro dos Prazeres

O ex-coreógrafo da Xuxa, já foi Tchuchucão, e hoje leva sua palestra de educação financeira a moradores e policiais de comunidades pacificadas.

Todas as fotos por Matias Maxx.

É isso mesmo que você leu: Vagner Pereira, alcunha de Fly, um dos integrantes do You Can Dance, está dando palestras sobre educação financeira para, no meio de tanta gente, policiais militares das Unidades de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro . Não entendeu nada? Então vamos por partes. Pra começar, é preciso saber qual é a sua Xuxa, e para isso temos de ir lááááá atrás. Falando por mim mesmo, lembro-me de algo da Xuxa da Manchete e mais das manhãs da Globo, aí já com as Paquitas de microshortinhos, os assistentes batizados de "Dengue" e "Praga", além daqueles beijinhos pra meu pai, minha mãe e pra você. Na real, eu curtia mesmo eram os desenhos maneiros que rolavam, tipo Caverna do Dragão e Transformers. Alguns rapazes com mais ou menos a mesma idade que eu e a mão muito mais peluda que a minha vão se lembrar também do polêmico Amor, estranho amor, mas isso já é outra história. Agora, quem for um pouco mais novo que eu, deve se lembrar de uma Xuxa mais noventosa, com os programas Xuxa Park e Planeta Xuxa, apresentados aos sábados, voltados ao público teen e embalados com algo totalmente novo e periférico, um tal de funk. Sim, a molecadinha ainda mais nova pode estranhar, mas vou contar um "segredo" pra vocês: o MC Guimê não inventou o funk, ele surgiu no Rio de Janeiro já se vão umas três décadas, OK? E a Xuxa foi uma de suas grandes entusiastas naquela época, dá pra imaginar? Colou as placas? Pois é…

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Voltando ao Xuxa Park, além do DJ Marlboro, um dos elementos da incipiente cultura funk carioca, do baile funk, do funk de favela – ou seja lá como você prefere chamar –, que foram introduzidos no programa em 1994 foi o grupo de dança You Can Dance. Tratava-se de quatro manos de São Cristóvão com roupas largas, calças "pescando siri" e cabelos (quiçá perucas) estilo "Milli Vanilli", outra falcatrua popular da época. Sobre as bases e montagens que bombavam na época, os caras do You Can Dance dançavam muito, pelo menos pro padrão de então. Se você ainda não entendeu do que estamos tratando, dá, por favor, um confere neste link aqui.

Primeira carteira de trabalho do Fly.

Nos anos seguintes, o YCD fez aquele sucesso meteórico, com direito a turnês nacionais e ensaio sensual na G Magazine. Como na maioria dessas histórias envolvendo Marlene Mattos, a mamata meio que acabou com o fim do programa da Xuxa em 2002. Eles chegaram a gravar algumas coisas juntos depois, mas o único ali que voltou a ver o sucesso nas paradas foi o Daddy Kall, um dos integrantes originais do YCD que gravou em parceria com o Latino o meteórico hit "Vamos Dançar Kuduro", uma versão de "Danza Kuduro", dos reggaetoneiros Don Omar e Lucenzo, este último um luso-angolano que, em visita ao carnaval baiano, acusou os brasileiros de plágio. Ao mesmo tempo, uma terceira versão licenciada da música bombava na novela das nove. Na época, os brasileiros disseram que foi tudo feito dentro da lei, porém, sei lá, sabe-se que não foi a primeira ou última vez que o Latino confundiria os limites de plágio, homenagem e cover .

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Lembra-se do Tchutcucão? Era o Fly!

Funk Melody foi um dos nomes que deram ao som que rolava na TV Globo na época de ouro do You Can Dance, grupo em que, dos quatro integrantes, apenas um, o Vagner Pereira, conhecido como Fly, permanece até hoje na emissora da família Marinho. Mesmo após a dissolução do YCD, ele permaneceu no programa da Xuxa, no qual, além de coreógrafo, vestiu personagens inesquecíveis como o Tchutchucão. Dos primeiros passinhos nos anos 90 até os dias de hoje, Fly conheceu o sucesso, fez turnês com o You Can Dance, deu aula em academias de todo o Brasil (no projeto "Dance com o Fly"), ganhou muita, mas muita grana, previsivelmente torrou tudo de forma irresponsável, se afundou em dívidas e cortou um dobrado para conseguir pagá-las. Correndo atrás, fez alguns cursos dentro da emissora e conseguiu uma bolsa para estudar Propaganda e Marketing. Hoje, continua na Rede Globo na posição de Diretor Artístico, na qual encabeça aquela vinheta de fim de ano com todos os artistas cantando. No início de 2014, resolveu passar adiante os conhecimentos que o ajudaram a se reerguer, lançando o livro Como saí do buraco: desafie também os seus limites, em parceria com a roteirista Isadora Andrade. Na mesma onda, também colocou no ar um site sobre educação financeira , que também é o tema de palestras que ele começou a ministrar dentro e fora da Globo. Quando fiquei sabendo que uma de suas palestras ia fazer parte da programação do evento de cinco anos de aniversário da UPP Prazeres-Escondidinho, tive certeza de que seria um evento imperdível.

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O evento fazia parte da celebração de cinco anos da UPP do Morro dos Prazeres que havia começado no dia anterior com passeios com as crianças da comunidade guiados por policiais. Nesta manhã, além da palestra do Fly, houve sorteio de brindes oferecidos por parceiros, como duas diárias num hotel de luxo em Copacabana cedidas pelo Rio Design, uma para a comunidade e outra para os policiais. O PM De Freitas, à frente da organização do evento, me explicou: "Trata-se do primeiro grande evento desde a troca de comando da UPP, com a entrada do Capitão Daniel em novembro; desde então, temos feito várias iniciativas e atividades [de cunho] sociocultural com as crianças, tentando, dessa forma, de fato, aproximar a comunidade do policial militar. E a gente conta, para isso, com a ajuda de parceiros, pessoas físicas e jurídicas que nos ajudam como o Fly, que veio sem cobrar absolutamente nada, apenas acreditando que a pacificação depende disso justamente: pessoas que se aproximem e estejam do nosso lado fazendo o bem".

Morro dos Prazeres, em Santa Tereza.

Sempre fui um ferrenho crítico do projeto das UPPs, como o leitor pode ver em reportagens feitas no Complexo do Alemão e na Rocinha, nos quais a expressão "polícia de aproximação" traduz-se em uma piada de mau gosto. Espero que a troca de comando da UPP Prazeres-Escondidinho melhore, de fato, a relação entre moradores e policiais na área, pois não podemos esquecer que, na véspera do natal passado, não muito longe dali, PMs da UPP Fallet-Fogueteiro abordaram com truculência e tortura vários grupos de jovens, chegando a forçar um rapaz de 17 e outro de 21 a praticar sexo oral um no outro enquanto eram filmados.

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Umas oito fileiras de cadeiras estavam enfileiradas dentro do Casarão dos Prazeres. A maior parte do público era de PMs, e pelo menos metade da força era feminina. Além dos canas, havia alguns poucos moradores: na maioria, mulheres e crianças. Fly começou sua palestra lembrando que, enquanto os PMs saíam de casa carregando uma blindagem no peito, "porque hoje em dia tá puxado", ele saía de casa carregando blindagem no bolso.

Sua palestra tem elementos de autoajuda e discurso motivacional com uns riquíssimos momentos de stand-up. Uma apresentação com vídeos, gráficos e sons dita o ritmo da performance acompanhada de piadas, coreografias e impagáveis dublagens. Somos convidados a conhecer a trajetória do jovem Fly desde seu primeiro emprego lustrando calçadas a fim de juntar uma grana para empinar pipa até a ascensão e queda do You Can Dance.

Enquanto contava e projetava sua história, Fly fazia perguntas para a plateia. Quando o assunto era pipas, por exemplo, o silêncio na plateia era iminente: ninguém sabia o que diabos era um "deizão" (se você também não sabe, dá um confere nesta matéria aqui ). Em outro momento curioso de interação com a plateia, o palestrante cita o período em que trabalhou como empacotador no supermercado Carrefour, onde seu enorme sorriso e bom atendimento lhe rendiam boas gorjetas. Uma das dicas de sua palestra era, além de nunca dispensar uma moedinha e pedir recibo para tudo, era tentar descolar gorjetas. Foi inevitável me questionar em qual contexto um PM receberia uma gorjeta legítima sem ser através de um bico de segurança, propina, extorsão ou suborno… preferi ficar na minha e continuar prestando atenção na palestra de uma hora, em que o Fly repete "educação financeira" umas quinhentas vezes para, no final, assumir com todas as letras que "é impossível ensinar educação financeira em uma palestra", frisando que a galera deveria procurar ajuda no seu livro e em outros, além do seu próprio site, no qual é ofertado um serviço de orientação financeira em dez sessões de Skype. Gênio!

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Ao final, o dançarino me mostrou seu outro projeto, o canal de YouTube "Vida de Corredor", em que ele conta histórias de pessoas que transformaram sua vida com a corrida. Ele também me contou que não é a primeira vez que palestra para grupos de policiais: "Já fiz em outras UPPs, tanto para policiais quanto só para moradores. Sempre encontro formas diferentes de tentar mostrar como é a educação financeira; a fórmula é a mesma, mas eu encontro alguns caminhos diferentes. As piadas e brincadeiras são diferentes, tem algumas coisas que eu posso falar pra uns que eu não posso falar pra outros".

Fly entrega seu livro Como saí do buraco: desafie também os seus limites para o Capitão Daniel, comandante da UPP Prazeres.

"Você pode?" é a pergunta que o Fly quer que nós façamos antes de qualquer atitude envolvendo dinheiro, do cafezinho na padaria à escolha de matricular seu filho numa escola particular. Se você não pode arcar com aquela despesa, é melhor desistir para não se endividar e complicar-se no futuro. Após tanta sabedoria compartilhada, o palestrante convida a plateia a dançar um passinho ao som de "For The Love of Money", dos O'Jays, um momento que eternizei aqui para vocês:

Fly, muito obrigado pelas preciosas dicas!

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