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Bem-vindo Ao Apocalipse Da Banana

Quando o Andy Warhol criou a capa de banana para o disco The Velvet Underground & Nico, ele não escolheu uma banana qualquer: a banana-d'água, uma variedade tão onipresente nos mercados do mundo que chega a definir nossa concepção do que é uma banana.

_Bananas panamenhas infectadas com o fungo Fusarium, mais conhecido como mal-do-panamá. Foto cortesia de environmentmove.com._

Quando Andy Warhol criou a icônica capa de banana para o disco The Velvet Underground & Nico, de 1967, o artista não escalou a aromática banana lacatan, nem a banana-vermelha, com sua polpa rosada, para ser sua musa. Ele optou pela escolha mais óbvia: a variedade de aproximadamente 15 centímetros amarela conhecida como banana cavendish ou banana-d'água, uma variedade tão onipresente nos mercados do mundo que chega a definir nossa concepção de o que é uma banana.

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Mas isso está prestes a mudar. Nos últimos 20 anos, a banana-d'água – que representa 95% de todas as bananas vendidas internacionalmente – tem sido assombrada por um fungo mortal e incurável que pode destruir plantações inteiras. Até o ano passado, a cepa raça tropical 4 do fungo Fusarium, uma doença mais conhecida como mal-do-panamá, estava contida em países do sudeste asiático como China, Indonésia, Malásia e Filipinas.

Mas, como um gigante macabro, o mal-do-panamá caminha. Em outubro de 2013, o fungo apareceu na Jordânia. Um mês depois, um surto foi confirmado em Moçambique. Agora, existem casos confirmados em Omã e na Ásia Central.

Se – ou, mais provavelmente, quando – o mal-do-panamá saltar os oceanos Pacífico e Atlântico e chegar na América Latina, o impacto será devastador. A América Latina e o Caribe, lar de 80% da exportação de bananas, são a maior fonte da fruta fálica favorita do mundo. “O que pode resultar na devastação do mercado latino-americano de banana”, disse o Dr. Gert Kema, por telefone, da Costa Rica, onde ele participava de uma conferência sobre bananas. Kema trabalha na Universidade de Wageningen, na Holanda, e é uma autoridade proeminente no assunto.

O mal-do-panamá se espalha através de esporos facilmente transportados por água contaminada ou por trabalhadores e pesquisadores que vão de uma plantação a outra. Kema disse que, recentemente, analisou a sola de um tênis que usou para visitar uma fazenda infectada nas Filipinas e que encontrou cerca de 142 esporos por grama de terra. Quando o fungo infecta uma plantação, ele fica no solo por décadas. “Não acho que estamos exagerando nesse caso”, disse Kema. “Isso é uma ameaça realmente séria.”

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E se ainda parece um alarme falso, basta pensar em 70 anos atrás. Antes da banana-d'água ser a rainha, os norte-americanos cultivavam uma variedade mais doce e atarracada conhecida como gros michel, ou big mike. Antes uma variedade de banana tão comum quanto a banana-d'água, durante a primeira metade do século XX, a gros michel foi infectada por uma interação original do mal-do-panamá – a raça tropical 1. Nos anos 1940 e 1950, as plantações de gros michel foram varridas do mapa. A indústria de bananas estava em crise até que, no último momento, a banana-d'água – uma substituta inferior – foi introduzida. Entretanto, agora, a banana-d'água está seguindo o caminho da gros michel e não há uma herdeira aparente para o trono.

_Cachos de banana. Foto via Christopher Augapfel._

Para discutir essa situação broxante e possíveis soluções, liguei para Dan Koeppel, autor do livro Banana: The Fate of the Fruit That Changed the World, de 2007 (“Banana: O Destino da Fruta que Mudou o Mundo”), e um homem com conhecimento profundo sobre o mundo das bananas. Koeppel estima que desde que seu livro foi lançado, ele passa metade do tempo escrevendo artigos relacionados a bananas, dando aulas sobre banana e prestando consultoria para produtores de banana – no momento, ele está trabalhando numa nova edição de seu livro. Discutimos alternativas para a banana-d'água, os problemas da monocultura e o impacto histórico do mal-do-panamá nas condições de trabalho.

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VICE: Você publicou seu livro Banana: The Fate of the Fruit that Changed the World em 2007. O que aconteceu com o mal-do-panamá desde então?
Dan Koeppel: Desde que meu livro foi lançado, o mal-do-panamá se espalhou por muitos lugares. Isso ainda não chegou na América Latina, mas deve chegar em algum momento. Só não sabemos quando. Não há uma curva previsível ou modelo que diga quando vai acontecer. Mas sabemos que, quando chegar, o jogo acaba. E não estou exagerando.

Você já esteve em plantações de banana do mundo todo – como o mal-do-panamá age?
Você precisa encontrá-lo no momento certo, porque as plantações morrem muito rápido. Na maioria das vezes, plantações afetadas com o mal-do-panamá não são mais plantações – apenas terrenos vazios. A única vez que vi um plantação comercial realmente grande no meio da infestação de mal-do-panamá foi no sul da China. Era um lugar onde eles tinham acabado de identificar a doença. As plantas morriam de dentro para fora e as folhas murchavam. As folhas não forneciam mais sombra, então a planta recebe muito sol e começa a secar. O local se parece com uma plantação de bananas que secou. Mas, quando cortamos o caule, vemos algo acontecendo: ele está meio que apodrecendo. O mal-do-panamá destrói o sistema vascular da bananeira, então, ela perde a habilidade de absorver e usar a água – e morre rapidamente.

A primeira encarnação do mal-do-panamá acabou com a variedade gros michel em metade de um século. É possível saber se a doença está se espalhando mais lentamente ou mais rápido do que antes?
Não sabemos muito bem o que faz o mal-do-panamá se espalhar rápido ou não. Com a gros michel e a banana-d'água, fica claro que, em alguns lugares, isso se espalha muito rápido e em outros não. Certas coisas podem colaborar para isso, como água, condições do solo e temperatura ambiente, mas não sabemos com certeza. Meu argumento é que essa incerteza necessita de mais urgência.

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O mal-do-panamá não chegou à América Latina ainda, mas, quando chegar, vai se espalhar muito rápido. Disso temos certeza. Ele vai destruir as plantações de um país x em três, dez ou quinze ano? Quem sabe? A questão é se a indústria bananeira vai ou não ter outro lugar para cultivar a fruta. Eles não podem simplesmente passar por cima disso, comprar terras novas e começar plantações do jeito que faziam antes. Alguns argumentam que a doença vai se espalhar mais rápido porque agora a indústria é mais global. As pessoas dos anos 1920 não voavam pelo mundo com os sapatos sujos de terra como fazem agora. Por outro lado, a indústria bananeira agora sabe mais sobre a doença e procedimentos de quarentena, que são temporariamente efetivos no melhor dos casos. Isso pode desacelerar o contágio.

Em vez de colocar todos os nossos ovos de banana na mesma cesta – primeiro com a gros michel e agora com a banana-d'água – não faria mais sentido diversificar a safra, evitando assim pandemias por toda a indústria?
Acho que, no momento, a indústria está pensando em uma solução de não diversificação – em outras palavras, encontrar outra banana de monocultura para substituir a banana-d'água. Mas não há uma candidata tão boa por aí. A banana-d'água foi uma substituta inferior para a gros michel, mas funcionou. As candidatas a substituta da banana-d'água não têm as propriedades necessárias para a exportação: firmeza, amadurecimento lento, gosto certo, cor certa, tamanho certo, altura da árvore.

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Acredito que, no final das contas, a banana-d'água será substituída por um produto não monocultural. Não ter uma monocultura vai frear a infecção de novas plantações, apesar de não cessar completamente. Mas isso vai permitir múltiplos pontos de preço, o que vai tornar a banana um produto comercial mais rentável para os trabalhadores. Como a maçã – há dezenas de variedades comerciais, e algumas maçãs custam um dólar o saco e outras custam $2 cada. Vejo esse modelo acontecendo na indústria bananeira. No entanto, ainda vai existir uma necessidade de bananas superbaratas. E a única resposta, acredito eu, é a banana geneticamente modificada. O que, provavelmente, vai ser uma gros michel geneticamente modificada, ou a banana-figo, que é outra variedade. Como não existe uma variedade pronta para substituir a banana-d'água, a resposta para a commoditie terá que envolver alguma forma de transgênico, o que pode significar um cruzamento com outra espécie de planta – sei que alguns pesquisadores estão experimentando com genes de rabanete – ou usar engenharia genética para cruzar duas variedades de banana.

Você poderia descrever essas duas possíveis substitutas da banana-d'água, a gros michel e a banana-figo?
Eles podem usar a gros michel. Ela não é viável comercialmente, mas é encontrada em grandes partes da África em fazendas familiares. Tudo o que dizem sobre a gros michel – que ela é uma banana maior e com um gosto melhor – é fundamentalmente verdade. A pior gros michel ainda é melhor que a banana-d'água? Provavelmente não. Mas, como um todo, é uma fruta melhor. Ela tem um gosto muito mais rico.

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A banana-figo é um tipo de banana totalmente diferente. O gosto é bem diferente. Não é tão doce – ela tem um sabor mais azedo. Uma das coisas boas da banana-figo é que ela não fica marrom quando cortada. Por outro lado, uma das questões com a banana-figo é que, para ela se tornar doce, é preciso deixar a polpa ficar bastante marrom; ou você tem uma banana com gosto de amido. A questão é se o consumidor vai saber lidar com esse tipo de produto. Quando vemos uma banana tão marrom, tendemos a achar que ela está podre e a jogamos fora. Então, será necessária uma reeducação para fazer isso funcionar. Agora, muitas dessas coisas podem ser transformadas na mistura genética –  enquanto você cultiva uma variedade resistente ao mal-do-panamá, você também pode mudar características de amadurecimento, sabor ou mesmo adicionar betacaroteno ou vitaminas à banana.

Em seu livro, você desenha uma relação entre o mal-do-panamá e a violência perpetrada contra os trabalhadores bananeiros no começo do século XX, particularmente na Colômbia. Você pode descrever essa correlação?
A Colômbia é um laboratório do crescimento e do comportamento da indústria bananeira na América Latina. Foi lá que aconteceu o grande massacre de bananeiros em 1929, em que os trabalhadores que tentavam formar um sindicato foram massacrados pelos predecessores da CIA a mando da United Fruit, hoje a companhia Chiquita. A história é contada no livro Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez. Os trabalhadores e suas famílias foram mortos numa manhã de domingo quando voltavam da igreja. Mais de mil pessoas morreram e seus corpos foram jogados no mar.

Não foi só pelo lucro que o massacre aconteceu. O mal-do-panamá tornou as companhias bananeiras mais cruéis. Ver o porquê disso pode nos dar uma ideia do que pode acontecer no futuro. O modelo de negócio da indústria bananeira, fundada há quase 100 anos, continua o mesmo. A banana é a fruta mais barata no supermercado, o que é um fenômeno incrível se você pensar a respeito. Bananas custam a metade do preço da maçã, mas crescem mais de três mil quilômetros de distância de onde são comercializadas, enquanto as maçãs são cultivadas em quase todos os estados norte-americanos. As bananas estragam mais rápido e precisam de refrigeração para serem transportadas. Então, como é possível que elas sejam a fruta mais barata? Porque agora, como no passado, o modelo de negócio exige produção e trabalho absolutamente baratos. Isso envolvia, na época, explorar trabalhadores e a terra. Se você adiciona o avanço da doença na mistura – tornando impossível cultivar bananas – a resposta da indústria para qualquer coisa que suba os custos, como trabalhadores exigindo melhores salários ou condições de trabalho, sempre teve o potencial de ser brutal.

Então, podemos esperar mais pressão sobre os bananeiros colombianos, se e quando o mal-do-panamá cruzar o oceano?
A Colômbia é um bom lugar para ser bananeiro, e estou falando relativamente. Eles têm um alto nível de sindicalização agora. No entanto, a história recente da Colômbia não nos dá boas evidências de que as companhias bananeiras vão se comportar bem sob pressão se perderem suas plantações para a doença. Sete ou oito anos atrás, a Chiquita teve que pagar altas multas por apoiar organizações terroristas na Colômbia. Quando você pensa em qualquer coisa que eleve o preço das bananas, a indústria bananeira vai reagir de forma muito agressiva para manter seu modelo de negócio de 100 anos.

Sim, existem outros modelos de negócio que a indústria podia tentar. Mas eu gosto de comparar as companhias bananeiras com o McDonald's – seria fácil para o McDonald's parar de vender hambúrgueres? Eles provavelmente lutariam com unhas e dentes pelo direito de vender hambúrgueres. E o mal-do-panamá não é algo que as companhias bananeiras possam enfrentar efetivamente. Não há uma cura para isso e não parece que estamos perto de uma, até onde eu sei. A questão não é quando o mal-do-panamá vai chegar na América Latina. A questão é: o que a indústria bananeira vai fazer quando isso acontecer?

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