A Polícia Está Quebrando Os Ossos de Estudantes em Kosovo

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A Polícia Está Quebrando Os Ossos de Estudantes em Kosovo

Os eventos foram desencadeados no meio de janeiro, quando ativistas afirmaram que dois quintos da tese de doutorado do reitor Ibrahim Gashi consistiam de uma tradução mal feita do manifesto comunista publicada em jornais acadêmicos indianos falsos.

É meio-dia de segunda-feira, 3 de fevereiro, em Pristina, Kosovo, e o braço de Pajtim Havolli está engessado. Estamos em frente ao gabinete do reitor da Universidade de Pristina, na capital do país, onde Pajtim é estudante e onde, cerca de cinco horas atrás, um policial fraturou seu cotovelo com um cassetete. E ele não foi a única pessoa que a polícia mandou para o hospital naquela manhã.

Os eventos daquele dia foram desencadeados no meio de janeiro, quando ativistas afirmaram que dois quintos da tese de doutorado do reitor Ibrahim Gashi consistiam de uma tradução mal feita do manifesto comunista publicada em jornais acadêmicos indianos falsos, e que vários professores tinham obtido suas qualificações por meios desonestos (Gashi negou tudo e pediu que um comitê interno investigue as acusações).

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O grupo ativista estudantil SKV (que pode ser traduzido toscamente como “Estude, Critique, Aja”) tem feito de tudo nas últimas semanas para impedir que Gashi e sua equipe entrem na reitoria, exigindo que o reitor e os outros professores envolvidos no escândalo renunciem.

Pajtim Havolli, que teve o braço quebrado pela polícia.

Os protestos, que começaram com a ocupação pacífica das escadarias da reitoria, sofreram uma guinada violenta pela primeira vez na quinta-feira retrasada, quando a tropa de choque — numa contravenção da lei cossovar — entrou na propriedade da universidade para remover os manifestantes da escada da reitoria. No processo, vários alunos foram arrastados pelos pés, jogados violentamente no chão e 27 foram presos.

Desde então, a polícia tem tentado evitar que os estudantes entrem no composto cercado ao redor do prédio.

A manhã de segunda-feira acabou com outro enfrentamento entre policiais e manifestantes. Um grupo formado por membros obstinados do SKV, moradores dos dormitórios da faculdade e cidadãos locais planejavam um protesto, e a polícia posicionou quase 100 policiais uniformizados em frente ao prédio para esperar a chegada dos manifestantes. Quando os funcionários da reitoria começaram a chegar às 7h30, os manifestantes tentaram bloquear a entrada deles, desencadeando confrontos com a polícia, o que fez vários estudantes começarem a semana com traumas na cabeça e ossos fraturados. Antes das 8h da manhã, uma falange da “polícia especial”, portando cassetetes e escudos, chegou para expulsar os manifestantes por quaisquer meios necessários.

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Os alunos permaneceram firmes em suas posições e, na hora do almoço, a multidão de simpatizantes chegava a centenas. Os membros do SKV tentaram negociar com o oficial no comando no local, dizendo a ele que a rua seria bloqueada se ele não removesse seus homens. O oficial se recusou e, como os manifestantes tinham prometido, a rua logo ficou entupida de gente.

Depois de uma hora de discursos nos megafones e gritos da multidão, os manifestantes tinham se aproximado o suficiente para tentar escalar a cerca da reitoria. Alguns conseguiram pular a cerca e passar pelos seguranças. Em seguida, a multidão conseguiu passar pelos policiais, que estavam em menor número, e abrir os portões, correndo em direção aos degraus da reitoria.

A tropa de choque cercou a entrada, formando uma última linha de defesa enquanto seguranças de jaqueta marrom espiavam ansiosos pela porta. A situação permaneceu até o final do dia — os manifestantes estavam de costas para os escudos dos policiais, que pareciam não saber se sorriam ou se faziam cara de poucos amigos. No meio da tarde, um professor (não um dos acusados de mentir sobre seus títulos) passou pela multidão para colocar rosas nos escudos dos policiais, que não ficaram muito impressionados.

Que a polícia esteja interferindo em assuntos da universidade — a Universidade de Pristina já tem um time de seguranças bem equipados e zelosos até demais — é uma boa representação do tipo de corrupção e interferência do governo que enfureceu os manifestantes em primeiro lugar. Os professores desqualificados conseguiram suas posições, em grande parte, graças a conexões com os dois maiores partidos políticos cossovares, o Partido Democrático do Kosovo (PDK), do primeiro-ministro Hashim Thaci, e sua antiga parceira de coalizão, a Liga Democrática do Kosovo (LDK). Os manifestantes e seus aliados acreditam que os professores foram plantados na universidade para garantir que a linha do partido seja seguida nas salas de aula; vários estudantes de direito acusaram a instituição de silenciar visões políticas contrárias em classe e, em alguns casos, disciplinar ou até suspender os reincidentes.

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Um membro da assembleia municipal de Pristina que apoia os manifestantes falou comigo sob a condição de permanecer anônimo. Ele disse que Ibrahum Gashi (ex-vice-ministro de Relações Exteriores) só se tornou reitor depois que o LDK, desapontado por não ter recebido nomeações ministeriais, foi aplacado com sua escalação como chefe da universidade. Os protestos podem ter começado com o escândalo dos títulos, mas também se opõem ao sistema como um todo.

Na noite de quinta-feira, depois que o dia de protestos acabou, fui até o quartel-general do SKV, um apartamento num prédio de três andares a alguns quarteirões da reitoria. Lá, aproximadamente 30 estudantes discutiam silenciosamente seu próximo movimento.

Um jovem de barba se apresentou no centro da sala e o silêncio caiu sobre o apartamento. Ele leu suas anotações, com a voz calma, mas firme, por 20 minutos antes de ceder o lugar a um colega hesitante, mas cheio de convicção. Por duas horas, as discussões sobre o próximo movimento foram realizadas aos murmúrios, que as outras pessoas que acompanhavam pela porta, como eu, tinham que esticar o pescoço para ouvir.

Enquanto uma minoria pressionava por ações radicais — ou seja, jogar ovos no reitor — mesmo esses se expressavam com solenidade e uma humildade que é difícil encontrar em, digamos, os estudantes ativistas britânicos. Todos na sala sabiam que não estavam discutindo apenas sua educação, ou seu futuro, mas o futuro do país. Numa nação em que 45% da população têm menos de 24 anos, batalhas sobre as políticas universitárias são extremamente importantes. Essa seriedade é a mesma razão pela qual as autoridades de Pristina estão determinadas a não deixar que eles vençam.

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