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Gás, Porrada e Bomba na Volta do Enterro do DG

O IML concluiu que o DG, dançarino do grupo “Bonde da Madrugada” e do programa “Esquenta”, morreu por causa de um tiro, coincidindo com uma operação policial que rolou na Pavão-Pavãozinho. Na volta do enterro, chovia muito e o clima era de indignação.

O Pavão-Pavãozinho e o Cantagalo são favelas que ocupam um morro localizado estrategicamente entre os bairros Copacabana e Ipanema, os mais famosos do país e destino certo da maioria do meio milhão de turistas que devem brotar por aqui para a Copa. Por volta das cinco horas da manhã de terça-feira, há exatos 50 dias do início da Copa do Mundo, nove policiais da UPP Pavão-Pavãozinho realizaram uma operação na comunidade à procura de um traficante conhecido como Pitbull. Houve troca de tiros próximo a uma creche e os policiais voltaram à base sem relatar prisões, apreensões ou feridos. Na manhã seguinte, o delegado titular da 13ª DP da Polícia Civil, situada há menos de 100 metros da entrada do morro, enviou a perícia ao local do tiroteio. Minutos antes, por volta das onze da manhã, os PMs da UPP destacados para guarniciar o local encontraram dentro da creche o corpo de Douglas Rafael Pereira, 25 anos, o DG, dançarino do grupo “Bonde da Madrugada” e do programa “Esquenta”, da TV Globo. Numa primeira versão, DG teria morrido ao cair, após tentar pular um muro de 10 metros para fugir do tiroteio. Depois do laudo do IML, conclui-se que DG caiu após ser acertado por um tiro vindo de baixo para cima que entrou pela lombar e saiu pelo ombro. DG não morava na favela, mas num apartamento nas proximidades em Copacabana, mas tinha muitos amigos na comunidade, inclusive uma filha, a quem ele havia visitado nessa noite. Em entrevista coletiva ontem à tarde o delegado responsável disse que oito dos nove policiais já foram ouvidos, que não havia contradições, mas sim, algumas lacunas nos depoimentos, e que ele tinha certeza de que não se tratava de uma bala perdida. Além disso, no momento, a Civil estaria apurando o motivo pelo qual DG estava lá, se ele tinha algum envolvimento, mesmo que de amizade, com algum traficante ou se estava apenas no lugar e hora errada.

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Foto de Rodrigo Mac Niven.

Ainda na terça-feira, dia em que o corpo de DG foi encontrado, por volta das 18h, moradores desceram o morro e realizaram uma manifestação fechando a Av. Nossa Senhora de Copacabana, o que não durou muito tempo. Diferentemente do que acontece em outras manifestações, a PM chegou portando armas letais e disparando muitos tiros numa suposta troca de tiros com traficantes. As luzes da favela foram apagadas e houve depredações em comércios e nas obras do metrô localizadas perto do pé do morro. Tudo isso durou pouco mais de meia hora e, no tal do confronto, o morador Edilson da Silva dos Santos, 27 anos, foi baleado na cabeça e morreu na hora. Sua morte ainda não foi esclarecida e, como o corpo foi retirado do local no momento por um amigo, o delegado afirmou ser muito difícil conduzir as investigações sobre esse caso.

Foto de Rodrigo Mac Niven.

Ontem, às 13h, uma multidão se reuniu na base do morro e seguiu em procissão até o cemitério São João Baptista, em Botafogo, onde DG foi sepultado. Palavras de ordem do tipo “Não Vai Ter Copa” e “Abaixo a UPP” eram entoadas em ritmo de funk. Após a cerimônia, os moradores retornaram ao morro e fecharam a Av. Nossa Senhora de Copacabana. Fora um ou outro colega da mídia e o MC Leonardo da APAFunk, que costumo ver em outras manifestações, os manifestantes eram outros — praticamente apenas moradores da comunidade, a maioria jovens, negros ou pardos, o mesmo perfil que de muitas outras vítimas de homicídios não esclarecidos na cidade. Reconheci alguns MCs e conhecidos do morro. Chovia muito, e o clima era de indignação, com um pouco de humor e passinhos de funk, mas sempre com muita indignação.

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Motos ziguezagueavam em frente à manifestação, que nesse momento devia ter umas 500 pessoas; comerciantes abaixavam as portas assustados; os policiais acompanhavam pela calçada, quietinhos; volta e meia algum moleque colava e gritava “vocês mataram um cara sangue bão pra caralho!”.

Não tinha como não se emocionar: aquela galera tava puta, muito puta demais, e eles viram, ouviram e viveram esse tipo de merda a vida toda, não aguentam mais.

Desde o anúncio dos grandes eventos e a expansão do modelo de UPP, a cidade do Rio de Janeiro vem experimentando um processo de bolha imobiliária que afeta comerciantes e moradores tanto do asfalto quanto do morro, só que lá em cima, apesar da maquiagem, a polícia continua daquele jeito…

Quando chegaram até a esquina da Sá Ferreira, onde está a principal subida do morro, a galera permaneceu na rua. Uns queriam puxar o bonde para a Av. Atlântica, outros ficar ali, umas meninas dançavam passinho na rua. Podia ter ficado assim, de boa, sem estresse, tipo um rolezinho carioca, só que não, como dizem por aí — alegria de pobre dura pouco.

Um oficial da PM se aproximou para tentar negociar e foi cercado pela molecada exaltada. Alguns tentaram evitar, mas já era tarde: mais PMs chegaram para dar um reforço ao oficial, mas foram cercados também, então começaram a empurrar, deram uma cacetada num outro moleque, a galera empurrou de volta e antes que eu pudesse entender alguma coisa, tomei um gás pimenta na cara e as bombas começaram a pipocar.

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Os manifestantes subiram o morro correndo e virando latas de lixo pelo caminho, mas a PM não quis (ou não conseguiu) alcançá-los, pedras eram arremessadas de cima do morro na Rua Barata Ribeiro, onde tem um túnel, e PMs apontavam armas de verdade para a favela.

Como sempre, os coleguinhas sempre se fodem!

Alguns manifestantes tentaram se dirigir até a porta da UPP, mas, a essa altura, ela já estava bem reforçada e foram recebidos com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo.

Mais uma vez, foi tudo muito rápido. A polícia respeitou até a galera chegar ao pé do morro, aí tocaram eles lá para cima, de volta para casa. Como eu já disse aqui uma vez, se eles pudessem tocar todo mundo de volta para a África, eles certamente o fariam.

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