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O Lado Obscuro do Encontro da Rainbow Family

Drogas, violência e pessoas esfaqueadas durante os encontros da Rainbow Family of Living Light, uma trupe levemente organizada de nudistas, hippies e itinerantes que se encontra todo verão.

Uma anciã da Rainbow Family toca uma pandeirola no Encontro Rainbow na Pensilvânia. Foto por Cavale Doom via Flickr.

Heber City, Utah, costuma ser uma cidade pacata. Aninhada em um vale tranquilo da Cordilheira Wasatch, em algum lugar entre Salt Lake City e Provo, a pequena comunidade-dormitório tem uma das mais baixas taxas de desemprego e criminalidade do Estado. Mais de 60% da cidade é Mórmon. Logo, foi com surpresa que as autoridades da cidade tomaram conhecimento de que bancariam os anfitriões do encontro deste ano da  Rainbow Family of Living Light, uma trupe levemente organizada de nudistas, hippies e itinerantes que se encontra todo verão para um mês de love-in.

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Fundada no final dos anos 1960 como consequência dos movimentos hippie e antiguerra, a Rainbow Family of Living Light se autodescreve como “a maior e mais coordenada não organização não política e não confessional de indivíduos de mentalidade semelhante do planeta”. Seu carro-chefe, os Encontros da Rainbow Family, que acontecem todo mês de julho desde 1972 em diferentes florestas nacionais dos Estados Unidos, são como maiores e mais genuinamente esquisitas versões do Burning Man, reunindo mais de 10 mil “Rainbows” oriundos de um corte transversal da cultura marginal: motoqueiros, cristãos fervorosos, programadores de computador, yogis nus e vagabundos de rua que buscam fugir da “Babilônia”, o termo Rainbow para os vários males da vida moderna. Os encontros são gratuitos e abertos a todos. Ninguém está no comando e ninguém pode dizer a outra pessoa o que fazer.

“Se você perguntasse a 20 mil Rainbows por que eles vão ao encontro, você provavelmente receberia 20 mil respostas diferentes”, disse Rob Savoye, um “Rainbow” que tem ido aos encontros desde 1980 e administra o website não oficial da Rainbow WelcomeHome.org. “Eu conheço rednecks e religiosos ortodoxos que vão aos encontros, é algo muito difícil de rotular.”

“As pessoas são tolerantes, aceitam as diferenças”, acrescentou Savoye. “Muitos de nós tivemos vidas familiares duras, e a Rainbow meio que preencheu esse vazio em nós.”

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Leilani Garcia foi presa segunda-feira por supostamente esfaquear um homem no acampamento do Encontro Rainbow. A foto é cortesia do Departamento de Polícia de Heber City.

Porém, como as autoridades de Utah ficaram sabendo, os encontros mais recentes vêm mostrando também um lado mais sinistro, atraindo um público mais infame, que se vale de todo o pacifismo anacrônico como disfarce para abuso de drogas, roubo e crimes violentos. Recentemente, a polícia de Heber City prendeu uma mulher, conhecida pelos Rainbows como “Hitler”, acusada de esfaquear um homem no acampamento do encontro. As autoridades estão investigando também a morte de uma mulher de 39 anos de New Hampshire que foi encontrada caída fora do acampamento na semana passada. Durante o fim de semana, policiais disseram que foram chamados para atender um caso de overdose de drogas no acampamento e também a relatos de que um grupo de “Rainbows” arruinou um casamento no caminho para o encontro. “Eles simplesmente entraram na recepção e começaram a pegar a comida”, o Administrador do Condado de Wasatch Mike Davis contou ao Salt Lake Tribune. “Não estavam tentando se enturmar.”

“Dos problemas que vimos no Encontro Rainbow, a nudez é a menor das nossas preocupações”, disse Dave Whittekiend, o supervisor do Serviço Florestal dos EUA para a Floresta Nacional de Uinta-Wasatch Cache, onde o encontro aconteceu este ano. As grandes preocupações, acrescentou, são "drogas e violência".

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Como preparação para o início oficial do Encontro na semana que vem, as autoridades locais aconselharam os moradores a evitarem o local do acampamento e a começarem a trancar suas portas, “Enquanto muitos membros da Rainbow Family são cidadãos de bem, um pequeno segmento dessa população tem, segundo informações, causado impactos significativos e prejudiciais para as comunidades próximas”, o condado expôs em carta pública, alertando sobre possíveis ocorrências de mendicância, invasão de propriedade, urina em público e nudez. Representantes da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias também tomaram precauções para evitar o Encontro, incluindo a relocação de dois acampamentos de garotas das proximidades, e continuam monitorando atentamente a situação”, disse o porta-voz da igreja Eric Hawkins.

Embora prisões e batidas policiais tenham desde sempre acontecido no Encontro, no passado, esses casos eram marcados por um conflito permanente com o governo. Por mais de três décadas, autoridades estaduais e federal tentaram encerrar os Encontros Rainbow, ou ao menos forçar os “Rainbows” a firmar uma licença de uso coletivo com o Serviço Florestal Nacional, influenciado pelo que Savoye chamou de "inveja da licença" do Escritório de Administração de Território, que cobra taxas pesadas do Burning Man.

“O Serviço Florestal queria esse dinheiro”, disse Savoye. Mas pelo fato de a Rainbow Family não ter lideranças, não havia com quem os federais poderiam lidar. “O governo sempre pensou que havia um líder do grupo escondido em algum lugar”, ele disse. “Eles passaram vários anos mandando pessoas para a cadeia, tentando encontrar alguém para assinar a licença.”

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As tensões chegaram a um ponto de ebulição no Encontro Rainbow de 2008, em Wyoming, quando oficiais do Serviço Florestal atiraram balas de gás pimenta em membros da Rainbow Family durante um confronto no acampamento. Um relatório publicado pela sucursal Wyoming da União Americana pelas Liberdades Civis após o incidente achou que era parte do esquema padrão de “perseguição e excesso de zelo” na relação do Serviço Florestal com os Rainbows. Desde então, as duas partes chegaram a um difícil acordo, embora o Serviço Florestal continue a deslocar uma Equipe Nacional de Gestão de Incidentes composta de cerca de 40 agentes federais para o encontro anual, a um custo para o contribuinte de cerca de 500 mil dólares (1,1 milhão de reais).

“O Encontro Rainbow se orgulha de ser desorganizado, então, nós não vamos investir uma quantidade enorme de tempo tentando impor a questão da licença”, disse Whittekiend. “Tratamos isso como um evento especial, similar a um incêndio.”

Os anos de confronto com o governo diminuíram a adesão dos Encontros Rainbow, disse Michael Nimam, professor de jornalismo na Faculdade Estadual de Buffalo e autor de People of the Rainbow: A Nomadic Utopia (Povo do Rainbow: Uma Utopia Nômade). O resultado disso é que, diz ele, o evento se tornou menos mainstream, atraindo elementos mais barra-pesada da esfera hippie. “À medida que cresceu a perseguição policial, o fato de os Rainbows continuarem a ir aos encontros fez eles se tornarem uma espécie de ato de desobediência civil”, disse Niman, “As pessoas em geral evitam conflitos, de forma que uma das coisas que aconteceu é que se observou uma mudança na composição do Encontro Rainbow, com o aumento de tipos que as pessoas vêm como perigosos”.

Embora Nimam tenha insistido que os relatos de violência em Encontros Rainbow sejam exagerados, ele admitiu que à medida que a adesão caiu, os eventos começaram a atrair outros andarilhos e vagabundos, que podem não ter vindo em busca da adoração de cristais e das rodas de conversa. “Tem havido os problemas do crystal-meth, do crack e dos sem-teto”, disse ele. “Vamos começar a ver garotos das cidades próximas – eles não têm outro lugar para ir, então acabam indo aos Encontros Rainbow.”

Embora esses recém-chegados sejam certamente um incômodo para a polícia local, eles são talvez mais preocupantes para a Rainbow Family, um movimento que, segundo seus membros, é mal equipado para lidar com lunáticos armados de facas e saqueadores de casamento. “O público mudou”, disse Savoye, com um quê de tristeza. “Durante muitos anos, os Encontros eram contra o uso de drogas, exceto talvez por uma maconhinha. Em parte, isso era para preservar um senso de comunidade. Agora, estamos lidando com garotos que vêm aos encontros, usam drogas e incitam a violência. E a Rainbow Family não está de fato preparada para lidar com esse tipo de comportamento.”

“Muitos desses garotos acabam andando mais pela cidade e arranjando encrenca com os locais. É constrangedor”, ele acrescenta. “É meio que um saco termos nos tornado tipo um campo de refugiados.”

Tradução: Stan Molina