​A revolta dos avatares boleiros
Mais de 50 jogadores brasileiros entraram na Justiça contra a dona do Fifa 2016 para cobrar pelos anos em que seus nomes foram usados. Alguns já estão ganhando. Crédito: Reprodução/ EA

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​A revolta dos avatares boleiros

Cinquenta e cinco jogadores brasileiros entraram na Justiça contra a dona do Fifa 2016 para cobrar pelos anos em que seus nomes foram usados. (Alguns já estão ganhando.)

Cinco times completos com campeões, goleadores, milagreiros e frangueiros, pernas de pau, quase aposentados e gente que você nunca viu em um campeonato profissional estão entupindo o Tribunal de Justiça de São Paulo de processos. Eles querem que a empresa norte-americana Electronic Arts, detentora do game Fifa, pague pelos anos em que seus avatares digitais apareceram nos títulos da franquia sem que um miserável tostãozinho aparecesse em suas contas desde 2007.

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É um jogo mais amarrado que mata-mata da série C. Por trás dessa chuva de ações, de pranchetas em mãos, está o advogado Joaquín Gabriel Mina. Desde 2013, ele procura os atletas dispostos a entrar na guerra com a multinacional de jogos eletrônicos pelos direitos de imagem.

Para quem nunca perdeu seu tempo precioso de folga diante de uma TV calejando as mãos com seu time favorito, o Fifa, cuja primeira edição é de 1998, é um simulador de jogos de futebol que usa escalações atualizadas de clubes do planeta. Basta ser um atleta de um dos times elencados pela franquia para que apareça seu nome lá. Na Inglaterra, até mesmo jogadores da Quarta Divisão têm suas versões digitais.

Os acordos fechados pela EA, no entanto, são feitos apenas com os clubes – uma ordem recente e que envolve uma quantia bastante baixa para os efeitos de exposição da marca. O São Paulo, por exemplo, embolsa 30 mil reais anuais. Como comparação, o clube paulista recebe de 70 milhões a 80 milhões de reais da Globo pela transmissão de seus jogos no Brasileiro e cerca de 18 milhões de reais da Under Armour, sua fornecedora de material esportivo. Perto disso, a grana da EA é dinheiro de pinga.

E os jogadores nessa fórmula? Primeiro, vamos falar de quem de fato ganha. Lionel Messi é a maior estrela da franquia Fifa. Por ano, ele recebe 50 milhões de dólares. Costuma dividir a capa das edições regionais com astros de cada país, que quase sempre não ganham um centavo por isso. O meia Lincoln, do Bahia, ex-jogador de Atlético-MG, Palmeiras, Schalke-04-ALE e ídolo no Galatasaray-TUR, foi um dos puxadores em uma das edições. "Pô, usam a minha imagem e fica por isso mesmo?", me disse. Ele é um dos que reclama da bonificação por todas suas aparições.

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Mina, com a ajuda do escritório Bragança Retto Advogados, começou a amarrar os processos em 2013. Estabeleceu que cada jogador tinha direito a receber 25 mil reais por cada aparição indevida. Juntou 55 processos, alguns deles em segredo de Justiça. "Os atletas se sentem enganados. Ninguém veio falar com eles antes. A lei diz que, para ceder a imagem de um jogador, é preciso que ele autorize expressamente", afirma. Como nada disso havia acontecido, a Justiça de São Paulo começou a dar ganho de causa em efeito dominó. Nas últimas duas semanas, quatro jogadores garantiram o direito a receber da EA pelas vezes em que apareceram no jogo sem serem consultados. Os juízes só entenderam que o valor deveria ser um pouco menor: em torno de 5.000 reais para cada edição com a imagem irregular.

Nas últimas duas semanas, quatro jogadores garantiram o direito a receber da EA pelas vezes em que apareceram no jogo sem serem consultados

Dois goleiros puxaram a fila: Vanderlei, campeão paulista pelo Santos no ultimo domingo, e Magrão, ídolo do Sport e campeão da Copa do Brasil de 2008 pelo clube. Ambos pediram 220 mil reais e levaram para casa 55 mil reais. Vieram mais duas decisões, na semana passada. O chileno Fierro, ex-volante do Flamengo, obteve 40 mil reais (o pedido era de 200 mil reais). Ygor, volante com passagem por Goiás, Fluminense e Inter, hoje no Náutico, embolsou 50 mil dos 200 mil requisitados.

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A EA, que não tem mais escritório no Brasil desde 2013, se defende por meio de seus advogados. Segundo a empresa, não houve uso indevido da imagem, "pois trata-se de meras representações gráficas". Diz também que há um autorização da FifPRO (Federação Internacional dos Atletas Profissionais) que vale para todos os atletas.

Ficha de Vanderlei na versão mobile do jogo. Crédito: Reprodução/ EA

O jogo segue em disputa. As demais 46 ações continuam correndo na primeira instância paulista. Os dois maiores montantes são os do centroavante Wellington Paulista e do ex-goleiro gremista Galatto, herói da Batalha dos Aflitos, que reinvindicam 360 mil reais. Até Maxi Biancucci, ex-meia de Bahia e Flamengo e primo da estrela da EA Lionel Messi, pede sua parte, avaliada em 160 mil reais.

Uma decisão como a tomada nos processos de Vanderlei, Magrão, Fierro e Ygor ainda pode ser contestada. Depois do despacho do juiz de primeira instância, ela vai para uma turma recursal, que vai definir se acata o recurso da empresa de jogos ou não. Se não aceitar, eles podem recorrer a tribunais superiores até chegar ao STF.

As primeiras reações, no entanto, já começam a ser vistas nos bastidores. Na última edição do Fifa, a de 2016, a EA Sports disparou o jogo com nomes genéricos que só foram acrescentados na primeira atualização, já com o game instalado no console de preferência do comprador. Com tantos ataques, melhor se trancar na defesa.