Senior couple walking together on public transport station, with rolling suitcases and bag
Foto por Klaus Vedfelt via Getty Images.
Saúde

Se seus pais estão ignorando os riscos do coronavírus, você não é o único

“Eles literalmente só tomaram um comprimido de vitamina C e disseram que iam ficar bem. Estou realmente preocupado com os dois.”
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Na quarta-feira (11), a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou oficialmente o COVID-19 uma pandemia. Agora são mais de 154 mil casos confirmados em 118 países, com mais de mil casos confirmados nos EUA (um número que provavelmente vai subir com o crescimento dos esforços de exames). O CDC disse que contágio pode continuar até 2021. A coisa está oficialmente ficando feia. Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, disse que a situação provavelmente vai piorar.

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Dados da OMS indicam que as pessoas acima de 60 anos têm mais risco de desenvolver casos graves de COVID-19, com pessoas acima de 80 experimentando taxas mais altas de morte. Por isso o CDC recomendou que pessoas mais velhas (bom, todo mundo) fiquem longe de multidões e – essa é importante – evitem viagens não-essenciais.

Não que você saberia disso pelas selfies no cruzeiro que sua tia Odete e o resto da população acima de 50 dos EUA andam postando. Parece que não caiu a ficha sobre os conselhos da OMS e CDC para os boomers dos EUA, com os filhos deles dizendo que os velhos não acreditam que a doença é tão séria quanto dizem, ou acham que ter 60 e poucos anos não os coloca realmente em risco. E nem todas as viagens que eles insistem em fazer são para destinos glamourosos que eles veriam uma vez na vida. “Meu pai tem uma conferência em Indiana e ele ainda quer ir”, disse Dan Samorodnitsky, que mora em Minneapolis. “Ele vai arriscar a vida por West Lafayette.”

Muitos outros boomers (e pessoas ligeiramente mais velhas) insistem em fazer suas viagens de férias programadas e seguir com a vida normalmente, o que leva a uma inversão de papéis com os filhos adultos, que estão implorando pra eles cancelarem viagens e tomarem outras precauções. O Twitter está cheio de histórias de pessoas mais jovens com pais que simplesmente não vão considerar adiar seus passeios – e foda-se a pandemia.

Essa é a primeira vez que muitos jovens adultos na faixa dos 20 e 30 anos encaram conscientemente a mortalidade dos pais, ou o fato de que seus parentes mais velhos podem e vão ignorar conselhos sobre o que é melhor pra saúde deles.

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“Meus pais saíram de um cruzeiro sexta passada e embarcaram em outro”, disse Elayne Juten, 32 anos, engenheira de software do Getty Images de Madison, Wisconsin, cujos pais moram a cerca de 45 minutos de Orlando. “Eles dizem que o cruzeiro foi 'um roubo' no sentido de preço… e é isso.”

“Meus pais têm um cruzeiro fluvial na Europa planejado pro mês que vem, a não ser que ele seja cancelado”, disse Misha McGettigan, uma mulher de 22 anos de Detroit. “Sei que diabetes deixa as pessoas mais suscetíveis a complicações com COVID-19 e meu pai tem diabetes, então fico preocupada. É um cruzeiro num rio na Alemanha, que está com o número de casos subindo agora.”

“Meu avô, que colocou um marcapasso quádruplo dois anos atrás, e minha avó, que tem problemas com batimentos irregulares a arritmia, estão indo para Pawleys Island com minha mãe e minhas irmãs universitárias”, disse Sam Broady de Knoxville. “Eles acham que essa é a hora certa antes do vírus chegar.”

O que está chocando os filhos Gen X e millennials dessas pessoas é que elas deveriam ter mais noção. Esses não são os mesmos adultos que surtavam com o bem-estar dos filhos? Que se preocupavam com sequestros e MRSA? Era de se achar que Samorodnitsky, por exemplo – editor sênior do grupo de mídia científica Massive Science – conseguisse convencer os pais a acalmar o facho por um tempo.

“Meu trabalho me dá menos autoridade do que você imagina”, ele disse. A mãe e o pai, dois imigrantes, simplesmente acham que nada pode ser pior do que as coisas que eles viram crescendo na Ucrânia.

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O mesmo vale para a mãe de McGettigan, que é até enfermeira: “A razão que ela dá para eles ainda irem é que gripe é mais perigosa e mata mais pessoas anualmente”. O COVID-19 até agora matou 3,5% dos infectados, segundo as últimas estatísticas. Mesmo que essa taxa ainda não esteja estabilizada o suficiente para os cientistas entenderem exatamente quão mortal é essa nova cepa, humanos não têm a “imunidade de grupo” pra isso que temos para cepas de gripe endêmicas, porque é algo novo. Isso significa que o COVID-19 tem um potencial maior de matar pessoas enquanto se infiltra na população, se permitirmos que ele faça isso.

E enquanto a OMS afirma que a taxa de mortalidade geral possa ser menor, o número de pessoas que morreram também é determinado por “acesso e qualidade dos serviços de saúde”. Como um exemplo demonstrativo, os serviços de saúde da Itália ficaram sobrecarregados, obrigando médicos a escolher quem recebe um respirador que pode salvar sua vida, porque o vírus infectou muitas pessoas muito rápido, e elas estão com sintomas graves: as primeiras estimativas dizem que cada infectado com COVID-19 parece ter infectado duas ou três pessoas, enquanto esse número é de 1,3 pessoas para cada paciente com gripe.

“Meus pais literalmente só tomaram um comprimido de vitamina C e disseram que iam ficar bem. Estou realmente preocupado com os dois.”

E se os jovens não conseguirem convencer os pais? Bom, boa sorte pro resto das pessoas! “Meus sogros – que têm 60 e poucos anos, e um com tosse crônica – insistem em viajar da Filadélfia para a Flórida no final do mês, apesar de minha esposa implorar pra eles não irem”, disse Evan Grossman, 43 anos, da Filadélfia. “Eles literalmente gritaram com ela hoje, dizendo pra ela parar de assistir as notícias porque ela estava 'deixando todo mundo louco'.” Grossman disse que os sogros pedem para a esposa “se acalmar” quando ela diz que está preocupada.

“Cheguei em casa e ela estava chorando”, ele disse. “Ela está além de frustrada, mas no final, o que você vai fazer? Eles são adultos e vão fazer o que quiserem.”

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Chris Durst, 23 anos, tem uma história similar: os pais são de Long Island, mas têm uma casa na Flórida. Eles viajaram pra lá cerca de uma semana atrás, voltaram no final de semana, e já estão planejando voltar no final de março.

“Eles literalmente só tomaram um comprimido de vitamina C e disseram que iam ficar bem. Estou realmente preocupado com os dois”, disse Durst. “Meu pai já tem problemas respiratórios, e nenhum deles está particularmente em forma. Não dá pra acreditar.”

Enquanto as taxas de infecção crescem exponencialmente, o que leva pessoas adultas a ignorar conselhos de oficiais de saúde e pegar um voo/navio/ônibus interestadual para a Flórida com vários outros idosos? (Sério.) É ignorância dos fatos? Uma escolha intencional de ignorá-los?

“Acho que é um pouco dos dois”, disse Durst. “Parece que eles estão vendo isso como só uma temporada de gripe ruim, não uma pandemia global.”

“Os números podem enganar muitas pessoas”, ele acrescentou. “Especialmente meus pais, algo como uma taxa de morte de 2%, 4% não parece tão ruim assim pra eles.”

“Acho que eles sabem do risco mas… não ligam?”, disse Juten, dos pais decidiram fazer dois cruzeiros. “Acho que eles pensam que não estão em risco porque não são tão velhos. Mas eles não estão levando em conta os amigos mais velhos que moram na comunidade de aposentados deles na Flórida, que o vírus poderia matar facilmente.” Ela e as irmãs estão pressionando os pais para cancelar, sem sucesso.

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“Quando eles ligaram pra cancelar, a agência de turismo disse que muitas pessoas estavam ligando e ganhando upgrades grátis.”

Sem conseguir fazer os pais levarem a situação a sério, millennials preocupados estão se voltando para grupos de chat e redes sociais para perguntar como fazer os pais mudarem de ideia. O problema é que ninguém tem certeza. Broady especulou que mais casos perto de casa, ou o governo declarando estado de emergência, poderiam convencer os pais dele. (Ele acrescentou que o avós estocaram comida e sabonete para diminuir as viagens ao mercado, e têm três meses de remédios receitados em casa.)

Juten acha que seria preciso alguém próximo dos pais ficar seriamente doente, “O que é horrível”.

Isso não quer dizer que não vale a pena tentar convencer seus velhos a cancelar seus planos de viagem se você está preocupado. “Ontem, perguntei pros meus pais pro que eles ainda embarcariam no cruzeiro no final de semana; daí eles cancelaram”, disse Nick Blanks, 29 anos, de Somerville, Massachusetts.

Mas decidir não viajar pode colocar seus pais na minoria: “Quando eles ligaram pra cancelar, a agência de turismo disse que muitas pessoas estavam ligando e ganhando upgrades grátis”, disse Blanks.

“Tem muito papo de 'Olha, eu não vou ficar doente!'”, Durst disse sobre os pais que insistem em ir e voltar da Flórida. “Além disso: 'Se eu ficar doente, provavelmente vou ter só sintomas leves!' Mas alguém tem que ser parte dessas estatísticas de mortalidade.”

“Você já conheceu um fumante de uma carteira por dia que achava que podia ter câncer de pulmão?”, perguntou Grossman, cujos sogros vão voltar pra Filadélfia em breve. “Todo mundo é imune… até não ser mais.”

Fatos que podem fazer a diferença? O grupo “não-imune” já inclui Tom Hanks e a esposa de Justin Trudeau. A NBA suspendeu a temporada e o torneio de basquete Big Ten foi cancelado. O Museu Metropolitano de Arte vai fechar, e bandas como Pearl Jam e Who adiaram suas turnês. Enquanto fica cada vez mais claro que instituições importantes estão levando a situação a sério, talvez os pais comecem a ceder.

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