melhores discos nacionais de 2018

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Noisey

Os 24 lançamentos da música brasileira que importaram em 2018

Uma seleção de momentos da música brasileira durante o ano pra tentar rabiscar um quadro do inconsciente coletivo pop do país.

Como bem disse o colega de trabalho ali na outra rede, lista de melhores sons de fim de ano não é (ou não deveria ser) sobre consensos: o que todo mundo ouviu e curtiu, todo mundo já ouviu e curtiu, ué. Esse tipo de lista é só pra azeitar a relação entre quem tá listando e quem tá lendo, ou seja, um sequestro emocional que depende do sistema da identificação narcisística de conteúdo, que sei lá, pra mim, é uma forma de fascismo. Fora que nessas a lista acaba virando o monolito lá do 2001 : existe por que existe, por que tá ali, só resta discutir se você concorda ou não, se a pedra é igual a você ou não (em caso de não, o ideal é derrubar o monumento ASAP). 2018 foi um ano repleto desse esquema aí, politicamente falando, então a ideia aqui é evitar essa armadilha aí e partir pra uma outra visão. Essa lista a gente curou na visão de tentar sacar algo sobre o Brasil, o mundo e as pessoas que neles vivem. Como a indústria musical captou (ou deixou de captar, às vezes) a profusão de sentimentos e hábitos de quem integra essa roda de bronha estética que é a circulação de bens imateriais do cosmos pop. Por isso que o título ali em cima não tem "melhores", mas sim "que importam". Pegamos esses 24 momentos da música brasileira durante o ano pra traçar um quadro do país, entender mesmo que meio por cima como a estética desses sons/discos/artistas reverberaram no inconsciente coletivo, além de, né, 1. fazer humildes sugestões de cardápio para quem também está interessado em saber por que diabos cá estamos hoje e agora colocando uma coisa aqui e ali que possa ter passado despercebida da maioria dos radares do hype; 2. tentativas de ir mais profundamente (mesmo que de forma breve, num paragrafinho) nas características constitutivas do que é o Popular, do que é o Sucesso (para o bem e para o mal).

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2018 foi pior do que prevíamos, mas, como sempre, é lógico que deu para tirar uma chinfra e é sempre bom lembrar que: tanto faz o motorista, a roda segue rodando, e cada vez mais rápido. Então cuidado pra não vomitar com o enjoo, mas segue atento que o destino da viagem é um só, e é pra lá que vamos (à exceção de quem for pra prancha durante o percurso por ser filha da puta).

A lista:

Wesley Safadão e Aldair Playboy ft. Kevinho - "Amor Falso"

Para o G1, Aldair contou o seguinte sobre o gesto que virou sua marca registrada:

"Na Paraíba a gente faz esse sinal do chifre para fazer piada com o cara que é corno. E na época em que a gente começou a fazer shows, isso virou uma brincadeira entre a nossa equipe. No fim, para a gente, acabou virando o 'sinalzinho da amizade'. Aí eu comecei a falar isso no palco e nas músicas."

Entre os sons que mais tocaram Brasil, "Amor Falso" é provavelmente o que melhor resume o misto de dor de cotovelo, despeito e recalque da subjetividade masculina. A Amanda falou mais especificamente sobre esse coquetel molotov de frustração de macho, mas destaco aqui algo específico. Aldair, ao lado de outros dois titãs da música popular contemporânea, sintetiza de forma simples e clara o espírito do corno brasileiro. "Parabéns pra você / Que me fez entender / Que minha paixão não é você / Obrigado / Por demonstrar esse amor falso". Eu não consigo suprimir a leitura de que esse eu lírico está desabafando não só sobre uma mulher que trai — no clipe, a personagem namora Aldair, Safadão e Kevinho ao mesmo tempo sem que um saiba do outro —, ele reverbera também um discurso político. Somos, individualmente, vítimas de um esquema gestado e gerido no subterrâneo, que acreditamos numa mentira, que essa relação de confiança era fake news. A letra por si só sequer deixa claro que o agente dessa enganação é ALGUÉM, então é inevitável ouvir essa música e não imaginar esses versos sendo acompanhados de uma imagem de olho com a bandeira do Brasil chorando e um "fora PT, Lula tá preso" e um parente mais velho te mandando isso no WhatsApp. Querendo ou não, "Amor Falso" estourou não só porque Aldair Playboy iria inevitavelmente virar um popstar essa ano, ou pela capacidade de conexão estética do bregafunk com o Brasil urbano de-volta-à-classe-D, mas também por codificar de forma muito simples e lírica o clima político pós-chifre brasileiro, que foi o tom dominante de praticamente tudo que aconteceu por aqui em 2018. (Eduardo Roberto)

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BK' - Gigantes

Muita gente fala que Castelos e Ruínas foi um divisor de águas — e eu concordo, mas não pelos motivos que vejo por aí. Pra mim foi um disco que apelava fortemente pra quem curte raps, já pra quem não tem raps como gênero preferido aparentemente não batia. Talvez uma questão de produção enterrada (essas coisas técnias “chatas” de gravação, mix e master que ninguém coloca nome mas geral percebe na audição sem perceber), mas pouco importa, o tanto de fãs ativados evidenciava que o BK’ chegava com caneta e personalidade, bem MC mesmo, mirando na linguagem hip hop como um todo. Gigantes tem um salto qualitativo na produção e atira na mesma direção com mais tiros na mosca. O que acontece ali em “Julius”, quando BK’ diz “guerra! guerra!” e “tudo que eu faço é guerra! Tudo o que vivo é guerra! E o guerra soa como “qué (quer) errá (errar)” é a epítome do que destaquei até aqui. Essa sagaz preocupação com a linguagem tá nos dois clipes mais recentes do disco também, “Deus do Furdunço” e “Julius”, que parecem clipes e não portfólios de videomakers com olhos nos próximos frilinhas.

Denov, Naio - “Monza Drift”

O verão 2018 foi de quebradinha, chei de onça, dando drift de Monza. Naquele período ali entre réveillon e Carnaval (que foi quando chegou MC Loma), só deu Denov na trilha sonora das festinhas da rapaziada descolada. E muito provavelmente esse nem foi o trap mais popular do ano — esse prêmio talvez esteja nas mãos da Recayd Mob com "Plaqtudum" —, mas ele acabou aqui nessa lista por ter sido o Raffa Moreira - "Bro" de 2018. Explico: tem sempre aquilo de que o universo do rap e suas variações serem meio insulares. Não basta curtir superficialmente e acabou, para realmente captar o papo, você tem que mergulhar na tal da "vivência" e saber decodificar símbolos, aforismos, indiretas, referências e etc, e logicamente o trap pega essa linguagem e eleva à enésima potência. Mas de vez em quando alguém consegue trabalhar essa lógica para democratizar o idioma, tanto no conteúdo quanto na forma, e "Monza Drift" realiza essa vocação pop do trap. Emprestando um pouco da ostentação, mas sem exagerar na dose, Denov envelopa o bragadoccio num filme do jovem comum urbano, citando "Sukiya", GTA, e "nude no direct" (aqui o som dá aquela reverenciada no emo, que se percebe também no melancólico riff de guitarra cheio de chorus que recheia a produção). Enfim, trap millennial com refrão chiclete é sim irresistivelmente pop, ainda mais quando o som é algo que ecoa a cultura da sua própria cena, e não é só um formato enlatado importado e recondicionado para o mercado local, como a maioria do trap por aí. (Eduardo Roberto)

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Diomedes Chinaski - Comunista Rico

A perspectiva mais tentadora em se analisar a mixtape de Diomedes Chinaski é a do “rap nordestino”, especialmente no momento em que o Nordeste ganha um peso tremendo para o equilíbrio político nacional no pós-2018 de Bolsonaro. É certo que as perguntas sobre “Sulicídio” persistem na imprensa, a faixa título remete a um verso de “Aquela Fé” de Don L, e que “nenhuma lágrima a mais” dialoga com a ponte aérea Grande Recife-Fortaleza que foi “Coração no Gelo”. Mas Comunista Rico é também um registro do primeiro passo de mais um “nordestino em êxodo”, que precisa partir para fora de seu chão para superar as condições desiguais de acesso aos meios de produção da sua arte. Esse desenraizamento traz um segundo processo — quem vem buscar um tratado crítico em direção ao sonhado “ fully automated luxury communism ” (e que o encontra, tangencialmente, na faixa-título e em “Câncer”) acaba se deparando com uma miríade de reflexões sobre os relacionamentos afetivos (especificamente héteros, claro) do mundo pós-Tinder. Do funk-putaria “Ménage” à ode ao contatinho “Call Communication”, passando pelas ansiedades mal-disfarçadas com a liberação sexual feminina de “Diabinha” e o sonho romântico em busca da atemporalidade de “Outro Dia”, Diomedes trai o auto-repúdio biggieano da “Intro” (“meu nariz é largo demais pra ser sex symbol”) para se enxergar como humano, demasiado humano. A vida não é doce, baby. (Amauri Gonzo)

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Djonga - O Menino que Queria ser Deus

Toda vez que escuto O menino que queria ser Deus, eu me sinto invencível. Pro Djonga, todo verso é uma punchline que foi extraída de sua vivência como um moleque preto de favela, e agora também com a experiência adquirida depois de Heresia. Se o primeiro disco foi uma ação quase que desesperada pro rapper mineiro mostrar a que veio, o segundo mostra a confiança na mensagem: nós, pretos, somos invencíveis. E se sentir invencível em tempos como o que vivemos é mais do que necessário. Com o fascismo saindo da bolha reaça dos bares da Vila Madalena, dezenas de mulheres e homens negros foram presos e mortos pelo racismo sistêmico, o assassinato brutal de Marielle Franco e etc quase foram capazes de exaurir nossas forças. Em tempos sombrios, é preciso estar bem consigo mesmo, saber o quanto você é foda e aquilombar-se -- e o disco do Djonga se encaixa perfeitamente nessa proposta. "Atípico", "Ufa" e "Estouro" representam também esse clima, que o rapper cria para puxar o bonde d retomada da voz negra enquanto protesto, deixando geral desarmado e com arrepio em todo o corpo do começo ao fim . Das armas e escudos que colecionamos nessa vida, O menino que queria ser Deus é essencial pra guerra. (Julia Reis)

FBC - S.C.A.

Em 2018, Minas Gerais está pegando fogo: além do funk de BH e do estouro de uma galera do rap como Clara Lima e Sidoka, com a fila puxada por, é claro, Djonga, tivemos também de surpresa neste final de ano o disco de estreia do FBC. Fabrício me disse que sua maior inspiração é de fato Djonga mas, quando escuto S.C.A., muitas diferenças entre os dois me saltam aos ouvidos. FBC pode ser menos dedo na cara e voz gritada que seu amigo e contemporâneo, mas a profundidade dos assuntos tratados no disco compensa a falta de urgência do rapper em faixas como “Superstar” e “17 Anos”, em que ele fala de, entre outras coisas, racismo, dinheiro, drogas e, principalmente, sucesso. S.C.A. é um grito de vitória guardado há muito tempo, é o reflexo perfeito das conquistas silenciosas e, agora, muito claras do rap mineiro. (Amanda Cavalcanti)

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Filipe Ret - Audaz

Se foram as críticas pós-sucesso, maturidade artítistica ou planejamento que resultaram em Audaz, não me importa agora, o grande lance é se tratar dum baita disco, o mais redondo do Ret até aqui. Tão juntos o carisma de “Neurótico de Guerra”, a influência inteligente do funk das antigas, as frases fáceis perto de autoajuda, o melodista, a sensualidade, a personalidade do Ret artista muito bem resolvida em som. Ret em Audaz trouxe um “Rio da mente”. Nos tempos recentes, isso de imprimir uma realidade onírica dialética ultralocalizada que soa universal só vinha sendo realizada musical e liricamente com potência pela rapaziada do Nordeste (“Coração no Gelo” do Chave Mestra de Diomedes com Gallo; os próprios Diomedes, Gallo; o Don L). Ret chegou. Em 2018, qual a melhor tradução em gíria carioca pra swag? (André Maleronka)

Iza - Dona de Mim

IZA colocou seu primeiro álbum na rua este ano, na sequência de já ter conquistado milhões de views com seus hits "Pesadão" e "Ginga", que acompanham Falcão do Rappa e Rincon Sapiência como colaborações. As parcerias continuam no primeiro álbum e não foram poucas: Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Gloria Groove, Thiaguinho e Ruxell. O álbum vem com sons r&b (não muito chavoso), com um peso do pop para tocar nas rádios. O último single "Dona de Mim", além de ter um clipe incrível, é uma ode à todos os requisitos que o público, majoritariamente mulher e LGBTQ+ consumidores de pop clamam: empoderamento, força e atitude. IZA fala sobre sexo, amizades e romances sem deixar o batidão de lado. IZA é a diva pop preta que o Brasil estava precisando. (Bruno Costa)

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Luiza Lian - Azul Moderno

A Luiza já tinha se mostrado muito disposta a correr riscos em seu disco do ano passado, Oyá Tempo, que chamou minha atenção pela narrativa bem construída, bonitas letras e, principalmente, o som moderno dos beats e modificações vocais que o produtor Charles Tixier trouxe ao disco — modernidade essa que, ao meu ver, anda um pouco perdida na cena indie. Azul Moderno, o terceiro rebento de Luiza, volta acompanhado das batidas que tanto gostei no segundo, mas em um formato mais desconstruído. Gravado por Luiza e Tim Bernardes inicialmente, ele foi mais tarde modificado por Charles e, no meio dos violões e guitarras, traz synths, efeitos e distorções que remetem novamente ao paradoxo temporal explorado por Oyá: por baixo dos sons contemporâneos e tecnologicamente mediados, Luiza canta sobre antigos mitos, entidades tradicionais e momentos congelados no tempo. Pra fechar, a homônima faixa “Azul Moderno”, uma das baladas mais bonitas do ano. (Amanda Cavalcanti)

Marcelo D2 - Amar É para os Fortes

No disco audiovisual do D2, o filme é joia e as músicas são joia. Veterano, elevou dum jeito gostoso o nível pras próximas partidas do jogo, e é disso que a gente gosta. Sabe o mais legal? Por um lado mais de negócios, vamos chamar assim, ele provavelmente não precisava fazer isso — tô falando tanto do esforço audiovisual, quanto de fazer gostoso e de aumentar a nota de corte. Por outro, assistindo e ouvindo fica absolutamente óbvio que ele precisava sim fazer isso, precisava muito. Uma necessidade artística, de expressão dele, de realização. Existem grandes baratos nas artes, mas esse é o maior deles.

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MC Kevin o Chris - “Baile da Gaiola”/“Finalidade na Penha”

No agora longínquo ano de 2014, testemunhei o finado DJ Rashad tocando na pista da Trackers aqui em São Paulo. Lotado, um calor inimaginável, e a lenda de Chicago (ao lado do Machinedrum) tocando MUITO alto e com os graves no TALO o tal do footwork que, no resumo do resumo do resumo, é pegar uma batida club de TR-808 e acelerar o BPM pra caralho. Chicago, à época do surgimento do gênero, era uma dos lugares mais violentos dos EUA e, claro, especialmente perigosa para quem é pobre e preto, e o footwork podia ser interpretado como uma forma de sublimação dançante do caos sociológico da cidade. Ouvir (e ver) o Rashad esmerilhando em energia total os beats'n'chops do footwork foi uma doidera: lembro de não conseguir aguentar até o final do set, o som alto o calor e o escuro me deixaram ansioso, como se eu estivesse vendo um galpão de fábrica abandonado sendo implodido — a destruição que abre lugar pro novo, pro futuro. Jumpcut pra 2018. O Rio de Janeiro derreteu, a institucionalidade do Estado lá foi totalmente para as cucuias, só sobrou o povo, seus problemas e suas soluções. E desde as intervenções militares nos preparativos para Copa do Mundo/Olímpiadas (que na prática foram políticas higienistas para isolar a pobreza das comunidades da imagem de paraíso tropical que desde sempre tentam justapor ao Rio), esse mesmo povo tem traduzido os seus anseios em música, nesse caso especificamente, em funk. E, meio como resposta à ascensão do funk paulista ao pop, os cariocas mais uma vez foram a vanguarda de uma reforma estética do gênero, que é fluido por natureza por ser um espelho do que se sonha nas periferias urbanas do Brasil. O 150 BPM é uma revolução. O ritmo sujo, nascido na Nova Holanda, pega o gancho da volta da putaria puxada por São Paulo mas rejeita a aspiração de playlist no Spotify de "Bum Bum Tam Tam" — a coisa aqui é mais abraçar sonoramente a bagunça do baile em toda sua potência, no que ele tem de alegria, de sacanagem, de corrupção, de trabalho informal, de vácuo institucional, de "se vira, porra". Tanto que foi no Baile da Gaiola, na Penha, que o ritmo ganhou musculatura e começou a tocar nos quatro cantos do Rio, e ao longo do ano foi tomando outras praças. É na rua que o 150 BPM imagina e respira, um Spring Brakers sônico. Kevin O Chris produz e canta com todo o potencial musical do gênero, que não nega quer estar no pódio do pop em 2019, mas ao mesmo tempo dá indícios (como a harmonização digital do refrão "na quadra, ela arrasta" em "Finalidade") de que também está ligado no que é moderno, que quer estar no Brasil Top 50 do Spotify ao mesmo tempo que quer também lançar um EPzinho pela Warp. O 150 BPM é uma promessa de futuro, mais uma, eu sei, mas é uma profecia que não nega suas contradições e, ainda por cima, tenta dar frescor e mais abertura (o 150 nasceu mais progressista, mais inclusivo) para o funk, que logicamente não passou incólume pela onda conservadora brasileira. (Eduardo Roberto)

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MC Loma e as Gêmeas Lacração - “Envolvimento” (DJ DG)

Para entender os fenômenos da música pop muitas vezes olhamos apenas para as estruturas do mercado — as máfias do Spotify, os conluios entre produtoras, as tendências das paradas de sucesso e afins. É um vício analítico que nos impede de ver os pontos fora da curva, como a MC Loma e “Envolvimento”, produzida de forma independente e no improviso, de modo mais amador que o próprio amadorismo. Pouco importa se “Envolvimento” apresenta ou não inovações formais. A música é um cristal da felicidade, captando um estado puro e concentrado de alegria — não à toa foi a música espontânea do Carnaval. Concebida nas bordas de qualquer mercado, “Envolvimento” foi, ironicamente, a responsável por pautar a cena bregafunk de Pernambuco em nível nacional. Se hoje produtores pernambucanos como DG, Batidão Stronda e Danny Bala e MCs como Bruninho estão fazendo carreira em São Paulo, muito se deve àquelas três adolescentes e sua brincadeira de fazer música. (GG Albuquerque)

MC Rebecca, MC TH - “Cai de Boca” (DJ JP)

Dentre todos aqueles funks que você rebola a raba com a mão na consciência, MC Rebecca chegou com moral na cena do 150 BPM, com um manual justo e maravilhoso de como cair no bucetão com classe, e de bônus, ainda pegou o lugar de “Chupa Xoxota”, do MC 2K, e virou o mais novo hino das lésbicas e bissexuais desse brasilzão. Além disso, em uma cena majoritariamente masculina, essa música chegou na putaria acelerada quase como um serviço público. A Ludmilla, compositora desse hit podre de chique, cometeu zero defeitos ao dar de presente essa música pra Rebecca, que junto com o DJ Zebrinha, chegou em uma batida mais limpa de 150 BPM e uma melodia que faz o povo correr pra dançar na pista. (Julia Reis)

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MC Rick - “Cobiçadas do Twitter” (DJs PH da Serra e TG da Inestan)

MC Rick é um cáustico zombeteiro dos bens culturais da classe média dita culta e civilizada. Depois de “Cabelo que Voa/Senta no Pau Inteligente” (em que tira uma onda com a cultura nerd) e “Menina da Zona Sul” (uma chacota com a PUC Minas, UFMG, UniBH, ENEM e outros), o mineiro de apenas 17 anos soltou a nervosa “Cobiçadas do Twitter” — espécie de resposta ao racismo e elitismo daquele discurso do “maldita inclusão digital”. Na música, a mãe de uma mina de classe média descobre que sua filha anda saindo escondida com Rick e seu bonde de funkeiros. O MC então recomenda que a mina mostre à ela as suas músicas no YouTube, para comprovar que eles não são bandidos, mas sim “artistas, muito bem de vida”. Se a letra parece mais uma reivindicação do funk por legitimidade, a voz maliciosa e por vezes raivosa de Rick multiplica as suas possibilidades. A música torna-se uma fina ironia contra o próprio estatuto social da Arte e o mito do artista (esse ser autossuficiente, isolado do mundo em uma torre de marfim, acima do bem e do mal) bem como às relações escorregadias entre arte, crime, luta e periferia (“artista faz arte, eu faço arma”, diria Mano Brown). Quando lembramos que Bolsonaro foi o candidato mais popular entre as classes altas e mais escolarizadas, o escárnio e deboche contra a arte institucional — e seu respectivo ideal de “bom gosto” — fazem desse moleque do Morro do Papagaio um dos artistas mais radicais e violentos do Brasil contemporâneo. (GG Albuquerque)

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MC Rita e Kekel - “Amor de Verdade” (DJ RD da NH)

Por volta de fevereiro, a KondZilla Records encerrou os trabalhos com o paulistano Mano DJ e selou o baiano/carioca RD da NH como seu principal produtor musical. A troca de comando no estúdio revelou um novo direcionamento estético: depois de conquistar as periferias do Brasil, a produtora e maior canal do YouTube brasileiro agora buscava se firmar como potência da música pop global — ou da “urban music”, nas palavras do próprio Kond. Os beats secos e graves que consagraram MC Bin Laden e foram a trilha sonora dos fluxos davam lugar a uma sonoridade mais melodiosa, com letras mais redondinhas e temáticas mais conciliadoras. “Amor de Verdade” circula em áudios e vídeos amadores desde 2016, mas sintetiza as ambições — estéticas e comerciais — do funk paulista de 2018. Em meio à certa ressaca da putaria, Kekel e Rita formam par numa canção de amor e desencontros, incorporando diversos clichês performáticos do imaginário pop e reconfigurando o som do batidão. Mas fica uma dúvida: para adentrar o circuito oficial do mainstream (TV, rádio, grandes festivais), o funk terá que se “desfunkizar”? (GG Albuquerque)

Nego Gallo – “O Bagui Virou”

Pros desavisados, o cearense Nego Gallo é mais lembrado como o yin do yang Don L no Costa a Costa — o que é um problema deles, certamente. Para além de versos preciosos em “Aquela Fé”, “Gasolina e Fósforo” e “Coração no Gelo”, Carlin é a alma das ruas de Fortaleza. Gigante no palco e no som, cumpre com sua mixtape de estreia solo, Veterano, que sai na boca de 2019, as profecias de um revivido “Pessoal do Ceará” a bagunçar as presunções da sulistada. O “Bagui Virou” é o primeiro single desse rolê, um trap ensolarado que trai um pouco a vibe jamaicana do vindouro disco, mas que soa como carta de intenções — ou voz de assalto. Gallo torce o autotune na direção do sotaque, e em duas linhas você já não lembra mais como era a voz dele sem efeito — e enquanto você processa isso, ele rima solto debochando dos bico que não enxergam a transformação alquímica em curso. Taí um homem que não nasceu pra cativo. (Amauri Gonzo)

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Pabllo Vittar - Não Para Não

Mais um ano em que Pabllo Vittar segue indo longe demais. Não Para Não chegou nas plataformas digitais em 4 de outubro deste ano. Veio junto um recorde: todas as músicas emplacadas na playlist top 50 do Spotfy Brasil, se garantindo como o disco brasileiro mais ouvido em 24 horas na plataforma, após o lançamento. Não Para Não permanece com a mesma sonoridade do álbum debut Vai Passar Mal, porém, com uma produção muito mais robusta. É nítida a qualidade técnica dos sons e o quanto Pabllo e sua equipe se preocuparam em trazer batidas mais regionais para seu disco. É uma viagem pop pelo arrocha, forró e brega. Também pelo funk e samba, presentes em "Trago Seu Amor De Volta", com participação de Dilsinho e "Vai Embora" feat. Ludmilla, respectivamente. O single "Problema Seu", carro-chefe do álbum, vem na mesma batida do som que Pabllo nos ofereceu nos hits anteriores (a exemplo de "Vai Passar Mal"), mas com uma pegada mais eletrônica. "Disk Me" é o arrocha sofrência cheio de falsetes que não deixa a desejar, escolha certa como lançamento. Não Para Não é uma entrega da bagagem sonora de Pabllo, maranhense radicada em Uberlândia, que soube misturar esse tudão de Brasil em um bom álbum pop. (Bruno Costa)

Poesia Acústica #5 - “Teu Popô Remix”

O sofrimento da versão original de “Teu Popô” não era o bastante. O hit do carnaval de Hodari, que estourou no R&B chavoso com uma mistura MPB, R&B e funk norte-americano em partes iguais, ganhou uma repaginada nas mãos da famigerada série Poesia Acústica da Pineapple Storm. E sim, eu mesma já fiz uma matéria falando mal do rap acústico depois de sete horas seguidas ouvindo, entre outros sons, o Poesia Acústica. Mas nesse eles realmente chegaram, partindo do som já ótimo do Hodari e acrescentando algumas das melhores vozes do rap/R&B brasileiro nos últimos anos: Don L, Luccas Carlos, MC Chris. A trilha sonora perfeita para o fim de noite em que você, já bêbado e suado, encara o objeto de sua afeição tomando coragem de chamá-lo para aquele último drink. (Amanda Cavalcanti)

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Raffa Moreira - “10K”/“Devia Ter Feito Isso Antes”/“Allah, Assalamaleiko, Amen”/“Sério”

Se você está do lado certo da história, sempre soube que o Raffa Moreira era uma estrela (ou melhor, um trapstar). Mas nesse 2018 ele resolveu provar até pra quem mais duvidava que ele é um artista que merece todo o reconhecimento que alguns de seus contemporâneos ganharam fazendo muito menos. Além da genialidade de ter se aproveitado de seu status de meme para angariar ainda mais atenção pro seu som, Raffa também embarcou numa parceria com o produtor Celo pra lançar, entre algumas outras, quatro das músicas que melhor definiram o som que ele vem fazendo desde o começo da década. O mais atraente no Raffa é a honestidade: por mais que frases como “Depois do Froid e o calote eu aprendi / Dinheiro primeiro, depois rimo” e “Subo nas coisas porque eu posso / Faço dinheiro porque eu posso” sejam quase cômicas, sua convicção e (mesmo que meio esquisito) carisma são inegáveis e irresistíveis. O 2017 de Raffa fez sol, seu 2018 choveu diamante. (Amanda Cavalcanti)

Recayd Mob - “Plaqtudum”

Trap do ano. "Plaqtudum" foi o primeiro single da Recayd Mob depois do lançamento da mixtape Calzone Tapes, Vol. 2. Seguindo uma brisa já utilizada pela mob, "Plaqtudum" traz um refrão enjoadíssimo de Jé Santiago e carrega várias referências ao funk brasileiro nos versos de Derek e Dfideliz. Hoje o som já conta com mais de 18 milhões de visualizações no YouTube e é obrigatório em qualquer rolê de rap. Foi Plaqtudum! (Rap Falando)

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Rincon Sapiência - “Placo”

Eu não sou muito fã do disco que lançou o Rincon à fama que ele tem hoje,

Galanga Livre, do ano passado, mas os shows que assisti sempre tiveram a melhor energia possível. Curtição demais, carisma demais e sempre rolava um “Bum Bum Tam Tam” no final. O rapper conseguiu canalizar toda essa potência em “Placo”, um híbrido de rap e funk alto astral demais que traz mais pro mainstream os tambores da rua que estão, como ele mesmo diz, movendo gente e gerando mais emprego que o presidente. Um exemplo perfeito da forma que reflete seu conteúdo, falando da batalha de muitos MCs por grana enquanto incorpora um dos sons que mais enriquece negros no Brasil. (Amanda Cavalcanti)

Solveris - Vida Clássica

Como eu disse na estreia do álbum, Vida Clássica é aquele tipo álbum que rouba seu coração e realmente te faz pensar: "Sabrina, tô besta!". Regado a muito amor e versatilidade, o álbum é o primeiro do grupo do Solveris, que em dez faixas fazem uma salada clássica de R&B, soul e jazz regada a muito amor e swing. Não é a toa que são apelidados de "Black Eyed Peas de Vila Velha". (Rap Falando)

Teto Preto – Pedra Preta

Confesso que quando recebi a missão de resenhar o primeiro álbum do Teto Preto, meu impulso foi de apenas colar este tuíte. Mas eu estava errado — pra começar, Pedra Preta é bem pouco techno. O Teto Preto talvez seja a mais refinada destilação estética do ethos que formou a geração das ex-festas de rua de São Paulo – esse hedonismo apocalíptico que agora é colocado à teste pelo verniz político da “resistência” que lhe serviu de discurso base e que agora tem que encarar cruamente a violência (a linguagem mais antiga do Brasil) emergida dos rincões da soja e do subconsciente apavorado das classes médias. Se os cirandeiros da pedra tentam superar a ironia e a curadoria de timelines do Tumblr que basearam a estética da cena até então, cabe ao Teto Preto organizar essa nova narrativa. Encontrando em ações das vanguardas paulistas — mais notadamente a Lira Paulistana, com cacofonias do cinema marginal – a sua justificativa conceitual, o grupo vai do eletrorock da Boca do Lixo (“Gasolina Aditivada”) ao bossa-house de sofisticada compleição (“Pedra Preta”), com “Dívidas” à rocktronica dos Chemical Brothers — como diria o editor deste sítio, “Tetê Espindola encontra The Knife”. Quando parece chegar à sua síntese, na insubmissão masoquista de “Bate Mais”, o Teto Preto também parece atingir seu limite: o Brasil de 2019 faz de qualquer bad de keta um gif dos Teletubbies. (Amauri Gonzo)

WC no Beat - 18K

Quando penso em 18K, a primeira coisa que lembro é de, durante uma viagem pro Rio, passar na frente de uma loja Vivara e ficar discutindo com uns amigos se realmente existia uma bolsa da marca Vivara, como o Lan diz em “Sheik”. A segunda é de estar levemente alcoolizada cantando “Menage à Trois” com esses mesmos amigos e vibrar na parte em que o BK’ diz que as minas com quem ele estava não eram duas, eram três: uma de cada estilo, tipo as Panteras. Porque, no fim, 18K é isso: curtição, alto astral, amigos e transas quando der (se der, porque a gente sabe que o millennial não anda transando muito). Além de ser uma consolidação em forma de álbum da união do trap e do funk que a gente previu bem no começo do ano, nos proporcionar ouvir MC Pocahontas e Rincon Sapiência na mesma faixa e autotunar a voz do MC Don Juan, é o disco perfeito pra você colocar quando quiser ficar com o humor lá pra cima. Tá ruim? Tá nada! (Amanda Cavalcanti)

Mais sobre o quão foda foi 2018 na série Retrospectreta 2018.

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