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Sexo

Relacionamento de Buffy e Faith me ensinou sobre o desejo lésbico

“Buffy: A Caça-vampiros” me mostrou que casais homoafetivos podem ser bagunçados, complicados e reais pra cacete.

O metabolismo está diretamente ligado à libido? Isso é o que Faith, a caça-vampiros de Boston vestida de couro que chega na terceira temporada de Buffy: A Caça-Vampiros, acredita. Depois de uma sessão de horas metendo estacas afiadas em seus vampiros inimigos no episódio “Faith, Hope & Trick,” da terceira temporada, Faith diz rouca e ofegante para Buffy: “Deus, eu poderia comer um cavalo, não é maluco como caçadas sempre deixam você com fome e tesão?”

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Eu não cacei muitos vampiros durante o verão de 2003. Em vez disso, comi bagels com pilhas de queijo derretido e encharcados com molho de salada. Todos os dias eu devorava um desses bagels sozinha no meu quarto escuro, com as cortinas fechadas até o meio da tarde, enquanto assistia a reprises de Buffy. Assumir meus desejos homossexuais não era uma opção naquela época, não só porque a bissexualidade era considerada uma coisa que rolava entre garotas só em festas e lesbianismo era claramente estranho, mas todos os crushes que tive em garotas beiravam a obsessão. E um dia, naquele verão, Faith confirmou isso.

Seus olhos eram grandes e atentos, suas covinhas profundas, suas sobrancelhas depravadamente arqueadas. E aquela voz, apesar do sotaque pesado e forçado, ressoava nas horas certas. Além disso Faith não se importava com merda nenhuma. Claramente, existia uma história por trás disso – Faith era muito problemática em se conectar verdadeiramente com as pessoas – mas a primeira coisa que vi, e invejei, foi sua rusticidade. A cativante Willow, além de viver um romance lésbico explícito na série, sempre tinha algo com que eu me identificasse e achasse atraente: uma garota nerd que falava como se tivesse bebido muito leite. Faith, por outro lado, era muito sexy – e era isso que eu gostava nela.

Escondendo suas fraquezas com tops, pinta de durona, bijuterias de metal e maquiagens soturnas, Faith chega na terceira temporada fazendo o que quer. Convidada para ser uma caça-vampiros depois que a substituta de Buffy, Kendra, morre, Faith vai pra cidade de Sunnydale, que calhou de estar localizada sobre uma fenda mística de onde transbordavam vampiros. Ela compartilha dos poderes e deveres de Buffy, mas também representa liberdade e subversão. Faith é imperfeita mas excitante, ajudando nossa heroína a se perder – pela primeira vez – em matar aulas, roubar facas e fugir da polícia.

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Mas não demora muito até que a história de trauma e violência de Faith comece a ressurgir através de seu comportamento imprudente. Apesar de Faith e Buffy trabalharem juntas por conhecerem os poderes secretos uma da outra, a imprudência exagerada de Faith em relação à morte a isola. Ela se recusa a lidar com a própria escuridão que há dentro dela, em vez disso se tranca em seu quarto de hotel e assiste TV. Em muitas coisas, Faith era muito parecida comigo na adolescência – exceto a parte dos bagels.

O que deixava Faith tão pra baixo? Na época eu estava convicta de que era porque a Buffy tinha a abandonado. Não discuta comigo sobre o subtexto entre Faith e Buffy – ou como eu gostava de chamá-las: Fuffy.

Fanáticos por Buffy e escritores de fan-fic teriam descrito Fuffy como um relacionamento sexual canônico da série, dando a entender que se encaixaria nos parâmetros do storyline original dos criadores, mesmo que nunca tenhamos visto na tela. Mesmo que Faith tenha flertado com Giles e dormido com Xander, e que Buffy tenha saído com o militar Riley, Fuffy parecia – para meu eu adolescente – profundamente real.

O episódio “Bad Girls” da terceira temporada é o pico de Fuffy. Faith aparece na escola de Buffy e, com a boca sensualmente aberta, desenha um coração na névoa que assoprou na janela de sua sala de aula. Ela convida sua nova companheira pra sair pra se divertirem. E é o que fazem: caçam juntas, comem juntas e dançam techno juntas. Depois disso, porém, Faith e Buffy começam a entrar em conflito: Buffy não aceita o desejo de matar e a imoralidade de Faith, e a crescente distância entre elas pode ser facilmente interpretada como um término. E a maior prova rola no final da terceira temporada, quando Buffy ataca Faith com um faca enorme – Buffy faz isso com todos os seus grandes amores (a segunda temporada termina com ela matando seu ex-namorado, Angel).

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Eu registrava as pistas que encontrava da existência de Fuffy em um site de fan-fic, assistindo e re-assistindo minhas fitas VHS de Buffy enquanto fazia anotações à mão pra postar no site. Fazer isso me motivava. Eu desvendei todas as pistas da existência de Fuffy. Como a cena em que Faith desafia Buffy a uma luta no episódio na quarta temporada, “This Year’s Girl.” “Então, vamos para outro round, e ver quem fica por cima,” Faith flerta sarcasticamente.

Em retrospecto, posso ver que tornei meu próprio anseio de estar em um relacionamento mega intenso entre dois indivíduos contra um mundo que recusa a nos entender, em algo quantificável. Eu gravei o momento em que Scooby Gang perguntou à Buffy se ela tinha um namorado secreto no episódio “Revelations” da terceira temporada. Faith disse sarcasticamente, andando devagar e passando o braço pelos ombros de Buffy, “somos apenas boas amigas”.

No verão de 2003, uma lei que proibia as autoridades locais do Reino Unido, de onde venho, de promoverem a homossexualidade tinha acabado de ser revogada. As únicas lésbicas que eu tinha ouvido falar eram a P!nk e a comediante britânica Jo Brand – e elas nem eram lésbicas. Claro, Madonna beijou a Britney e a Christina no MVA da MTV naquele ano num abraço lésbico simulado e algumas músicas de KT Tunstall ressoavam comigo, mas na verdade não havia nada na cultura pop com que eu me identificasse sexualmente – até o sorriso diabólico de Faith irradiar na minha TV.

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Antes de Faith, minha puberdade tinha sido moldada pela objetificação dos garotos: eles inclusive me classificavam como transável ou não transável. Eu queria um caminho de saída, um jeito de enxergar desejo através de interpretação exclusivamente feminina. Então ver Faith desejando Buffy era ver a minha própria coragem em ação.

Não importava que Buffy acreditava que Faith poderia voltar pras trevas, ou que Faith tinha caído fora assim que o prefeito, um personagem com o jeito do Trump, aparecesse oferecendo dinheiro e mordomias. Pra mim, o poder de Fuffy veio do conhecimento de que mulheres podiam objetificar outras mulheres e tratá-las como os amantes ao redor do mundo tratam (mal). Eu vi como relacionamentos homoafetivos eram tão complicados, bagunçados e reais quanto os casais heterossexuais que a gente normalmente vê na TV e em filmes; e essa descoberta pavimentou uma estrada para lugares melhores que eu nunca soube que existiam.

Em um mundo ideal, eu teria aprendido sobre minha sexualidade com mulheres gays ao meu redor. Mas minha realidade era uma vida social que consistia em festas dentro de casa, MSN e noites sentadas em bancos de praças vendo caras ficarem chapados e virarem garrafas de vodka barata. Todas as mulheres que eu conhecia que agora são lésbicas assumidas, inclusive eu, tinham medo de viver abertamente naquela época.

Me esconder com Fuffy foi um adiamento bem-vindo. Uma vez que terminei de ver todas as temporadas de Buffy – e ver o arrependimento de Faith no final – seguia a atriz Eliza Dushku, que interpretava Faith, em todos os canais, sites de trivia (você sabia que ela foi criada como Mormon?) e todos os filmes nos quais ela foi deliciosamente rotulada como a garota queer durona: Bring It On, Soul Survivors, Wrong Turn, e The New Guy. Eu inclusive assisti o remake de Quantum Leap, Tru Calling!

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E logo encontrei bad girls reais que fizeram Faith parecer unidimensional – bad girls que vieram até mim, que viraram minhas amigas e minhas piores ex-namoradas. Eu me arrastava por bares sujos e baladas gays sozinha e fumava um cigarro atrás do outro até que alguém falasse comigo, e eu as beijava como agradecimento.

Olhando em retrospecto, existem problemas com o casal Fuffy. É meio desconfortável pra mim, agora, que um homem (o criador de Buffy, Joss Whedon) estava construindo minhas fantasias românticas, mesmo que ele tenha insistido numa entrevista de 2009 que as teorias de fãs de Fuffy inicialmente o deixaram bravo, já que subtexto lésbico não era intencional. E denuncias feitas contra Whedon por sua ex-mulher em 2017 azedou o relacionamento de alguns fãs com a série. Mas eu serei eternamente grata a Fuffy por me mostrar que existiam outras pessoas como eu, outras que tinham os mesmos poderes e vulnerabilidades que eu.

Naquele longo verão de 2003, Faith saciou uma jovem mulher esfomeada e morta de sede sexual.

Artigo originalmente publicado na VICE US.

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