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Opinião

A violência contra Elaine mostra que nem na dor a mulher é respeitada no Brasil

A empresária foi quase morta por Vinicius Batista após passarem oito meses conversando pela internet.
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Vinícius Batista Serra foi preso em flagrante após torturar Elaine durante 4 horas. Foto: Reprodução

A violência contra Elaine Caparróz é um daqueles milhares de casos que deixam nós, mulheres, com medo simplesmente de existir. A empresária de 55 anos passou oito meses interagindo nas redes sociais com o advogado Vinícius Batista Serra, de 27 anos, até se sentir confortável o suficiente para sair com ele pela primeira vez ao vivo na noite do último sábado (16) na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Comprou queijos e vinho para recebê-lo, achando que finalmente teria encontrado alguém legal para ter um relacionamento. Elaine acordou no meio da madrugada, na sua própria casa, sendo espancada por Vinícius. Foram quatro horas de tortura, pedindo para que o homem parasse. Só foi salva porque os vizinhos ouviram os chamados de socorro e chamaram a polícia. Vinícius foi preso em flagrante, Elaine foi para UTI com o rosto desfigurado, fraturas graves e traumas no pulmão e nos rins.

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Ele foi indiciado por tentativa de feminicídio e disse que teve um "surto" que o levou a agredir Elaine. Ele também deu um nome falso na portaria do prédio de Elaine.

Assim que a notícia saiu, começou a segunda tortura de Elaine. Seu rosto desfigurado foi estampado em todos os veículos em contraponto às fotos dela nas redes sociais, sorridente e bonita. Sua vida foi esmiuçada até o último osso. Em menos de 24 horas, já sabiam dos seus hobbies, que é mãe do jovem lutador Rayron Gracie e qualquer outro detalhe bom para culpá-la pela própria tentativa de homicídio. Por ter conhecido Vinícius na internet, surge mais uma causa para colocar na conta de Elaine: ela foi imprudente ao chamar o advogado para vir até sua casa.

O caso de Elaine é um chamariz de audiência e cliques, assim como muitas outras histórias de mulheres vítimas de homens que entraram nas suas vidas. O cárcere privado e o assassinato de Eloá Pimentel, a estudante de 15 anos morta em 2008 pelo ex-namorado Lindemberg Fernandes, que foi acompanhado pelo Brasil inteiro por meio da imprensa e, inclusive, seu desfecho trágico. Eloá, assim como as milhares e milhares de mulheres e garotas assassinadas ou agredidas, viraram bodes expiatórios para pautas que falam de tudo, menos da violência contra a mulher.

As fotos de Elaine no hospital ainda estão sendo compartilhadas nas redes sociais, num surto de morbidez e curiosidade de ver exatamente como a violência contra a mulher se manifesta. É uma espécie de pornografia que não é banida nas redes sociais. Nisso, começam as acusações. No caso de Elaine, ressaltaram sua “imprudência” de sair com alguém que conheceu na internet. Ela sequer saiu da UTI ainda.

Elaine já é considerada culpada por não saber quem estava colocando dentro de casa. Afinal, a mulher que deve saber com quem se relaciona, não é mesmo? Um sexto sentido que nunca foi ensinado a nós mulheres, da mesma forma que o respeito à mulher e a igualdade de gênero nunca foi ensinada aos homens. São os homens, afinal de contas, que agridem, abusam, estupram e matam.

Casos de feminicídio, assim como o de violência sexual, não são cometidos por homens estranhos que se escondem às sombras prontos para atacar mulheres indefesas que ousaram estar fora de casa na madrugada. Na verdade, são cometidos na sua grande maioria por homensque são parte da vida dessas mulheres. São maridos, namorados, amigos, colegas de trabalho e familiares. Homens que pagam impostos, beijam suas filhas, respeitam o sinal vermelho e dizem ser decentes, inclusive. O risco que nós mulheres corremos não é nossa imprudência, mas sim viver ao lado de homens.

Elaine não foi agredida porque postava fotos de biquíni nas redes sociais ou porque quis conhecer um cara que parecia legal após oito meses de conversa. Assim como as mais de 200 mulheres vítimas de feminicídio em 2019 não foram culpadas pela violência que sofreram. Os culpados são os que cometem a violência. E não se vê foto deles estampada nas redes sociais como as de Elaine.

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