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Entretenimento

Perguntei a um especialista se Thanos está certo

Spoiler: não é a toa que ele é o vilão.

Atenção: A reportagem abaixo contém alguns spoilers básicos de Vingadores: Guerra Infinita. Matéria publicada originalmente na VICE US.

Contra todas as expectativas, Guerra Infinita, o épico da Marvel com um zilhão de personagens, funciona efetivamente como um filme normal. A razão disso é que Thanos, o vilão no centro da trama, é um dos melhores supervilões de todos os tempos. OK, não é um título difícil de conquistar — você consegue ao menos lembrar o nome dos malvadões de Thor: O Mundo Sombrio ou de Homem de Ferro 3? De qualquer maneira, Thanos é sem dúvida um personagem memorável, especialmente porque, como é o caso de muitos vilões, suas motivações são totalmente razoáveis, próximas até do heroísmo. Ele apenas vai longe o suficiente para cruzar a barreira da insanidade completa.

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Especificamente, Thanos se preocupa com o fato de que o universo está superlotado, e que essa superlotação vai levar à escassez de recursos e à catástrofe. É um medo que rememora as teorias de Thomas Malthus, um pensador britânico do século 18 que acreditava que o crescimento populacional em todo o mundo levaria à escassez de comida. Seus cálculos não se provaram corretos, mas ainda há um bom tanto de pessoas que acreditam que um crescimento populacional fora de controle está causando os problemas ambientais. A forma mais drástica de encarar essa lógica é o argumento de que deveríamos parar de ter filhos para salvarmos o mundo.

Thanos vai um passo além de militar pelo crescimento populacional zero — ele junta seis pedras mágicas para conseguir acabar com metade da população do universo num estalar de dedos. Obviamente isso é ruim. Mas e no caso de uma forma mais branda de Thanosismo, onde ele estala os dedos e implementa uma política universal que permite os casais terem apenas um filho? Você agradeceria ele?

Para resolver essa treta, liguei para Lyman Stone, um economista e pesquisador especializado em questões populacionais que já escreveu sobre o assunto anteriormente pra Vox, entre outros veículos. Nossa conversa foi de Thanos às mudanças climáticas ao abuso que as pessoas que têm muitos filhos sofrem e voltamos ao Thanos. O papo foi assim:

VICE: Vamos começar com uma pergunta simples? Tem muita gente no mundo neste momento?
Lyman Stone: Não.

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Quando as pessoas falam a respeito de superpopulação, você precisa perguntar “por que? Qual é o problema com a quantidade de pessoas que temos?”, e você vai receber algumas respostas. Às vezes as pessoas dizem que não podemos alimentar a todos. Isso não é verdade. A produção calórica da agricultura moderna é mais que suficiente para alimentar a todos, em na maior parte do mundo está bem longe do que seria, em teoria, o máximo de produção possível, mesmo com a tecnologia atual.

Talvez as pessoas pensem que não temos água suficiente. Falta de água é um problema sério em muitas partes do mundo — mas a água é renovável. Você pode dessalinizar ela, pode coletar da atmosfera, ela cai do céu, literalmente. Mas chegamos à raiz do problema quando falamos em dessalinizar água para todos, que é a energia. Esse é o problema populacional fundamental — não é a comida, não é o espaço, a única questão real é a energia. E aí a pergunta é, por que não temos energia suficiente? Isso nos leva à questão dos combustíveis fósseis, aquecimento global — mas no fim das contas, há uma vasta quantia de energia disponível que pode ser gerada usando tecnologias relativamente simples, como energia eólica, hidrelétricas, biomassa, que é uma energia renovável uma vez que o sol segue bombeando energia na gente. A energia é uma área onde estamos fazendo avanços gigantescos, e o potencial é enorme.

Considerando isso, porque as pessoas — não só os vilões — estão preocupadas com a superpopulação?
Olhe para o cálculo que é feito para medir o aquecimento global — o aquecimento global é causado pelo quanto de carbono usamos para produzir um dólar de produção econômica, multiplicado pelos dólares da produção econômica de cada pessoa no mundo, multiplicado pelo total de pessoas. O problema é que, apesar de essa ser uma maneira eficiente de explicar o problema, ela faz com que algo que não tem um elemento de causalidade pareça ter. A questão é que, se você reduzir a poluição, teria menos emissão de carbono na atmosfera — e a resposta na verdade é não. Há muitas pesquisas sobre o tema, sobre o que acontece quando você reduz a população em uma sociedade. As emissões de carbono não caem nem perto do que deveriam. Você não desliga uma termelétrica porque a população caiu 5%, você ainda tem estradas, existem custos fixos que não mudam.

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Além disso, se você fizer os cálculos de verdade — mesmo que você assuma que as pessoas são o instrumento causal e que a economia responderia imediatamente à mudanças populacionais — você chega à conclusão de que não existe uma trajetória plausível populacional que faça tanta diferença. Uma queda na fertilidade não muda muito as projeções climáticas. Não influencia mito, especialmente no horizonte temporal que precisamos. Precisamos de uma mudança nas emissões de carbono ainda neste século para evitar um aquecimento global catastrófico. Os impactos da redução de fertilidade vão começar a se manifestar lá por 2075, e não serão tão grandes até 2200 — um pouco tarde demais. Ou seja, precisamos encontrar maneiras de usar menos carbono. Precisamos usar energias alternativas, renováveis. Precisamos encorajar alocações mais eficientes de pessoas vivendo em diferentes arranjos.

Todo mundo nesse campo de pesquisa sabe disso, mas os ativistas semi-educados, que tiram suas informações de papinho de bar, colocaram na cabeça que a família com quatro filhos no fim da rua é quem está causando o aquecimento global. E eles estão falando merda. O que causa o aquecimento global é o fato de que a sua usina elétrica local funciona com carvão no lugar de gás natural, ou com gás natural no lugar de energia hidrelétrica, ou é uma hidrelétrica quando poderia ser eólica ou solar.

Você vê isso acontecer muito, pessoas com famílias grandes sendo atacadas?
Isso realmente acontece. Escrevo muito a respeito de questões de família e fertilidade, e sempre aparecem termos pejorativos em torno da questão — “reprodutores” é uma expressão que as pessoas gostam de usar. Sente com uma família que tem cinco ou seis filhos e pergunte a eles como é a experiência de ir ao shopping, ao cinema. Os olhares que eles recebem, as coisas que falam. É um absurdo as pessoas acharem que tem algum tipo de permissão para agirem assim.

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Voltando a Guerra Infinita, você consegue imaginar um momento em que o mundo realmente fique superpopuloso? É uma preocupação realista?
Sim. Tem um lance chamado Escala Kardashev, que classifica as civilizações em quatro categorias. O tipo 0 é uma civilização que captura menos do que a quantidade total de energia que chega até o seu planeta. A energia de uma estrela chega ao seu planeta e você está usando toda ela? Se sim, você é do tipo 1. Uma civilização do tipo 2 captura toda a energia que sai dessa estrela — uma versão de ficção científica da Esfera de Dyson — e do tipo II captura a energia de toda a galáxia. Estamos no tipo menos-que-1, acho que estamos perto do tipo 0,45. Isso significa que podemos ter algo em torno do dobro do consumo de energia que temos sem nenhum tipo de problema. Se pudermos encontrar maneiras de usar menos energia, podemos crescer mais. Mas temos limites físicos. Sem entrar na hipótese de uma civilização multi-planetária — que é algo que deveríamos pensar a sério — não podemos sustentar mais do que duas ou três vezes a nossa população atual. A questão é saber se temos a capacidade social de fazer isso acontecer.

Em termos de planejamento?
Em termos de escolhas políticas que serão necessárias para sustentar essa quantidade de gente. Explorar toda a energia disponível, não gastar energia em coisas não-construtivas como explodir uns aos outros com armas nucleares. Você só consegue ter uma grande população se for pacífico e se a sua sociedade focar em eficiência e em evitar atividades que causem desperdício.

Será que gostaríamos de viver numa sociedade assim? A parte da paz parece ótima, mas o quão longe uma sociedade pode ir para desencorajar atividades que gerem desperdício? Você teria que consultar um painel governamental para saber se pode tirar férias? Sustentar uma população grande, com um bom padrão de vida, preservando as liberdades básicas é algo que precisaria de um avanço tecnológico substancial.

Isso é bem longe do que Thanos fala. Para deixar claro, você é um anti-Thanos, certo?
Certo. Eu sou avesso a soluções que envolvem a destruição da vida humana. Não considero isso “soluções”, na verdade. Não a toa ele é um vilão: as ideias em si são vilanescas.

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