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Tentar ser um atleta perfeito não vale o esforço

O perfeccionismo está associado a diversos problemas psicológicos como ansiedade e depressão.
Asanka Brendan Ratnayake/Getty Images

Para quem mira sempre mais alto, perfeccionismo soa como coisa boa. Mas essa característica de personalidade, que combina o esforço em ser perfeito com dura autocrítica é na verdade associado com uma série de problemas psicológicos, incluindo aí ansiedade e depressão, sendo ainda considerado fator de risco para o suicídio.

Os possíveis danos são físicos e também emocionais, considerando que entre atletas em especial, a busca sem fim pela perfeição também pode ser associado a treinos excessiivos, lesões e recuperação prejudicada. Ironicamente, tudo isso pode fazer de atletas ainda menos competitivos, já que o perfeccionismo faz com que estes deixem de aprender com seus erros, visto que perdem tempo se culpando por tê-los cometido. Tudo isso ainda está ligado a emoções negativas no preparatório de competições, que distraem e afetam negativamente o desempenho.

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Sari Fine Sheppfird, psicóloga especializada em esportes e desempenho operando em Los Angeles vê tudo que foi mencionado até agora em seus clientes. Muitas vezes ela pede que estas pessoas com tendências perfeccionistas relatam seus altos e baixos, o que a levou a descobrir que na maioria dos casos em que seus pacientes falam de pontos baixos, eles estavam pirando antes mesmo de começarem a competir. Já em seus pontos mais altos, estes estariam “mais focados, pensando menos na consequência de seu desempenho, se julgando menos e praticando a autocrítica de forma construtiva”.



Problemas relacionados ao perfeccionismo preocupam ainda mais em atletas jovens, em estado essencial de desenvolvimento e mais propensos a sofrerem com esgotamento; a obssessão pela perfeição acaba por tornar este muito mais comum. Stella Metsovas é prova viva disso: aos nove anos de idade ela começou a nadar e logo se destacou no esporte, adorando todo o carinho recebido de seus treinadores e pais quando ganhou uma competição. Mas tinha o outro lado da moeda aí na forma das críticas pesadas que fazia a si mesma quando perdia.

“Ter essa cobrança tão alta por conta de meu nível atlético, minha habilidade natural como nadadora, simplesmente não batia com meu emocional, ainda mais tão jovem”, disse. Enquanto atleta de ponta, Metsovas contou com apoio de um psicólogo esportivo que percebeu sua tendência ao perfeccionismo e tentou trabalhar sua força emocional, o que na prática não foi nada fácil. As coisas chegaram ao ponto de que a atleta não conseguia se olhar no espelho “porque sentia-me um fracasso completo”, mesmo quando o fracasso significava perder uma prova por questão de milésimos.

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Então Metsovas fez o que muitos atletas jovens na mesma situação fazem: desistem. “O motivo de largar tudo não tem a nada a ver com meu desempenho físico”, afirma. “Foi mental. Eu só não aguentava mais”.

Isto faz parte de um padrão comportamental observado frequentemente em jovens atletas com fortes tendências perfeccionistas. Andrew Hill é um pesquisador especializado nesta área, atuando como professor de psicologia esportiva na Universidade York St. John no Reino Unido. Hill explica que atletas como estes tem grande tendência “a se recolherem e adotarem comportamentos em que evitam envolvimento de forma a protegerem sua autoestima. Você acaba adotando um certo padrão de pensamentos e emoções”. As emoções neste caso são preocupação, ansiedade e contemplação – ou, como dito por Hill, “pensamentos intrusivos que por vezes as pessoas podem ter como consequência de falharem em algo”.

Mas Hill destaca que o perfeccionismo não é uma coisa absoluta: “Não existe essa figura do perfeccionista, isso é algo que faz parte de todos nós em grau menor ou maior”.

E é por isso que Hill clama por uma abordagem em torno dos desdobramentos dos

diferentes tipos e níveis de perfeccionismo. Uma diferença essencial é entre o que se conhece como perfeccionismo descrito socialmente ou autoidentificado – em outras palavras, a pressão externa ou interna quanto aos objetivos de um indivíduo. Pesquisas recentes conduzidas por Hill revelam que o perfeccionismo vem crescendo entre universitários norte-americanos, canadenses e britânicos, especialmente o do tipo social, que tem maior associação à problemas de saúde mental como ansiedade e depressão.

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Pode ser complicado notar qualquer tipo de perfeccionismo em atletas, porém. “Por vezes o perfeccionismo pode ser encarado apenas como conscienciosidade”, disse Hill. “Pessoas conscienciosas e perfeccionistas podem ter o mesmo comportamento, mas para distinguir entre um e outro é preciso avaliar como as pessoas reagem quando algo não vai bem”. Uma reação negativa é aquela voz interna inescapável ouvida por Metsovas e tantos outros que já se viram às voltas com o problema.

A boa nova é que mudar esta mentalidade é mais simples do que parece. Shepphird explica, com base em sua experiência clínica, que o primeiro passo é ajudar seus clientes a identificarem se seu perfeccionismo é útil ou contraproducente. Então, “as pessoas conseguem implementar as mudanças de forma bastante rápida. E parte disso depende de sua disposição a fazerem estas mudanças”, diz. O essencial na psicologia do desempenho é a prática deliberada – como tentar superar algo rapidamente após um obstáculo inesperado.

Para Metsovas foram necessárias algumas décadas para chegar aonde chegou, com o seguinte pensamento: “Os erros são o que te fazem chegar ao sucesso”. Escritora de gastronomia aos 30, estressada ao escrever mais um livro, um amigo lhe recomendou tentar terapia equina para lidar com isso. Ela logo percebeu que o que melhorou sua técnica de cavalgada foi aprender com seus erros – o que se aplicou ainda à sua carreira e relacionamentos. Os cavalos gentis com quem lidava, diz, “sem querer me ajudavam a compreender as vozes em minha cabeça”.

Metsovas ainda nada uma ou duas vezes por semana e também se envolveu com crossfit, mas agora vê seus objetivos de desempenho e fitness, bem como os da vida em geral, de maneira diferente do passado, ainda adolescente e nadando três horas por dia. “Quando deixei de querer agradar os outros”, diz, “o lado saudável do meu perfeccionismo começou a despontar”.

Esta matéria foi originalmente publicada no TONIC US.

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