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Saúde

Como é a vida quando você está constantemente aterrorizado com a morte

Tanatofobia é o medo da única coisa na vida que é inevitável: a morte.
Imagem via Shutterstock.

Matéria originalmente publicada na VICE Canadá.

É sábado à noite, as luzes são suaves, a música está alta e o restaurante está lotado. Estou passando pela multidão com uma bandeja de martinis, os copos cheios até a borda com líquido rosa. A bandeja escorrega das minhas mãos e cai no chão. Os vidros finos dos copos de martini se espatifam em milhares de cacos. Perco o equilíbrio e caio, de cara, na pilha de vidro suja de morango. Um caco entra no meu pescoço, corta minha jugular, e o sangue espirra pelos meus dedos e escorre pelo chão.

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Rio comigo mesma, e o pensamento sai da minha mente. Hipóteses extremas sempre passam pela minha mente quando estou fazendo algo que envolve objetos afiados, pesados ou elevados. Para alguém com tanatofobia, ou seja, ansiedade extrema com a morte, a mente é um lugar selvagem para se estar.

Não é surpresa que se preocupar com a morte seja relativamente comum, por isso a tanatofobia não é uma condição reconhecida oficialmente pela medicina. Mas para muitas pessoas, pensar sobre a morte é mais que apenas uma curiosidade. É um set constante de cenas de terror que te deixam com medo de comer uma uva sem ter imagens de engasgamento rodando em looping pela sua mente.

Desde que me lembro, sempre tive medo da morte, apesar de nunca ter sido diagnosticada com tanatofobia. Não apenas o processo da morte, mas parar de existir. Quer eu esteja a sete palmos no chão, jogada no mar ou comida no jantar de domingo no antigo estilo amazônico, eu terei sumido para sempre, e esse não é um pensamento fácil de confrontar.

Katie Miotła, 29 anos, é uma jovem mãe que mora na área de Toronto e sofre de tanatofobia. Miotła diz que sua ansiedade não é sobre sua própria morte, mas a morte da mãe. Ela descobriu sua ansiedade com a morte depois que a mãe foi parar no hospital várias vezes por razões desconhecidas. “A primeira vez que ela foi para o hospital, fui visitá-la imediatamente” ela diz. “Lembro de estar parada ao lado da cama dela, sentindo náuseas, meu rosto branco, e mais tarde acordei numa cama de hospital.” Miotła desmaiou devido a uma sobrecarga de stress desencadeada pelo pensamento da morte da mãe. “Alguns meses depois, minha mãe e eu estávamos nos preparando para uma viagem quando ela desceu as escadas e disse que precisava ir ao hospital. Comecei a suar e a ficar tonta de novo”, ela diz. “Era a mesma coisa que senti no hospital.” Foi nesse momento que Miotła percebeu que sua mãe era o gatilho para sua ansiedade com a morte.

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Os medos existem num espectro e afetam as pessoas de maneira diferente dependendo de fatores subjacentes. Alguns especialistas argumentam que ansiedade com a morte geralmente vem com outros transtornos de saúde mental, como transtorno de stress pós-traumático, depressão e transtorno de ansiedade geral. Um estudo recente também mostrou que mulheres de 20 e poucos anos têm mais chances de experimentar ansiedade com a morte, com um segundo pico na faixa dos 50.

"Apesar de não haver uma resposta para saciar minha curiosidade, há um alívio em entender como meu medo se desenvolveu."

Para Andrew Gentile, dono da Toronto Hypnotherapy, tratar clientes com ansiedade com a morte é parte do dia a dia no trabalho. Usando hipnoterapia, Gentile diz que guia seus clientes por um “passeio de tapete mágico” de 45 minutos para livrá-los de seus medos mais profundos. Ele diminui a iluminação do consultório, deixando luz suficiente para ver o rosto do cliente. O paciente se deita, coberto por um cobertor. Ele assiste o cliente respirar, monitorando as subidas e descidas do peito até o momento certo. O maxilar pende quando o relaxamento se estabelece, os olhos se movem da direita para a esquerda sob as pálpebras. Ele espera o corpo começar a se mover um pouco, sinalizando um sono profundo, antes de levar o paciente para uma jornada pelo reino da imaginação.

“Faço eles imaginarem um lugar lindo para criar um tom de segurança e calma em seu sistema”, diz Gentile. “Quando eles sentem que estão num lugar bom, podemos abordar memórias difíceis.”

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A filosofia de Gentile é que fobias e ansiedade geralmente são resultado de uma entre três coisas: trauma vivido, dogma religioso ou medo do desconhecido. Gentile personaliza sua abordagem com os clientes avaliando a fonte do problema. “Medos são aprendidos e podem ser rastreados”, ele diz. Em sessões de hipnoterapia, ele consegue levar seus clientes para onde tudo começou e reenquadrar a interpretação da infância do evento que mais tarde se manifestou num grande medo ou ansiedade.

Como alguém que cresceu num ambiente não-religioso e extremamente curioso, minha ansiedade com a morte veio de não ter uma teoria disponível para o que vem depois da morte. Apesar de não haver uma resposta para saciar minha curiosidade, há um alívio em entender como meu medo se desenvolveu. Para alguém cuja ansiedade se baseia no medo do desconhecido, resolução exige uma abordagem diferente das que são usadas para trauma com experiências vividas ou dogma religioso.

“Você não pode ter ansiedade com o passado. Você pode ter trauma, arrependimento e vergonha que podem levar a depressão, mas ansiedade é só com o futuro”, diz Gentile. O futuro é sempre desconhecido, e muitas pessoas associam o desconhecido com perigo ou não ter controle, ele diz. A mente subconsciente está sempre tentando nos proteger do perigo, então imaginamos um cenário do pior que poderia acontecer.

Felizmente para mim, minha ansiedade com a morte não é debilitante. Fora alguns pensamentos assustadores, isso não afeta minha vida. Ainda como uvas normalmente e dirijo com confiança pelo trânsito de Toronto, no Canadá, como uma piloto da Nascar enquanto passo meu rímel. Pessoas como Miotła, que já desmaiou duas vezes por causa de sua ansiedade com a morte, não têm tanta sorte.

No resto da minha vida, é improvável que eu tenha as respostas para a morte que estou procurando. Gentile sugere ter um escape criativo como outra maneira de neutralizar a ansiedade e impedir gatilhos. Pessoalmente, consigo lidar com meus pensamentos ansiosos sobre a morte agressivamente riscando coisas da minha lista de conquistas — atualmente estou escrevendo meu primeiro livro. E se nada mais der certo, YOLO?

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