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Nando Moura, o metaleiro que ninguém conhecia, exceto milhões

Ele não gosta da pecha de ‘youtuber’, se define como professor de violão, headbanger, conservador liberal e explicou por que, entre outros vídeos, postou “A PUTA VERMELHA CAIU #TCHAUQUERIDA”.

The Unforgiven

Na primeira vez que falamos ao telefone, Nando Moura concordou em conversar comigo para esta matéria com a única condição de gravar a entrevista na íntegra para garantir que eu não colocaria palavras em sua boca. Dito e feito: poucas horas depois da entrevista, já tinha subido um vídeo com todo nosso papo no seu canal de YouTube — o que no jornalismo configuraria dar um furo, e ele, no caso, conseguiu furar a própria entrevista. Por isso mesmo, na matéria que se segue você terá acesso ao vídeo do Nando.

"Tenho certeza, cara, que a mídia distorce absolutamente tudo"

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Pouco depois da proeza do auto furo, as visualizações do vídeo passavam das dezenas de milhares e os comentários iam de trocadilhos do nome deste magazine com o honorável time carioca que quase sempre chega lá, xingamentos a mim, xingamentos ao próprio Nando, além dum sem fim de piadas internas indecifráveis para quem não é iniciado naquele universo. E que universo é esse? O caótico cenário de opiniões políticas e posições pessoais extremadas da internet, no qual a verdade é um mito, e os views são a lei.

"As pessoas têm mania de distorcer o que eu, o Bolsanaro, dizemos, por isso quero ter a entrevista completa", disse, primeiro naquela ligação, e repetiu na conversa por skype. A comparação com o deputado carioca do PSC, a quem entrevistou no final de fevereiro em um vídeo que beira as 800 mil visualizações, ajuda a entender o posicionamento político de Nando, apesar de ele ressaltar que não concorda com 100% do discurso do ex-militar. "Eu prefiro o Ronaldo Caiado (DEM – GO), mas se o Bolsonaro decidiu carregar esse fardo, eu vou votar em quem?", questiona. E o fardo, no caso, é uma luta constante contra tudo aquilo que representa o mal para ele.

Metaleiro de cabelão e fã de cultura pop, o próprio Nando seria a encarnação do mal em décadas passadas. A literatura impura dos gibis nos anos 50 e 60, o exagero do rock nos anos 70, o demoníaco RPG nos 80, os videogames que transformariam todas as crianças dos 90 em assassinos em potencial — os ingredientes contraculturais se somam, mas resultam num cara que grita a todo pulmão contra mudanças sociais e culturais. Criado há cerca de quatro anos, o canal de Youtube de Nando surgiu com postagens pontuais sobre sua banda, Pandora 101, mas houve uma guinada no final de 2014 para uma plataforma na qual usa um misto de lógica e agressão adolescente para defender essa agenda conservadora. Hoje com mais de 500 mil seguidores, os vídeos de Nando já foram vistos quase 87 milhões de vezes.

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Fora do palanque virtual, no entanto, Nando parece ser outra pessoa. Educado e calmo, é o raro caso do sujeito a quem o adjetivo polido não cai mal, apesar de falar palavrão para caralho. Nascido em São Paulo, filho de uma família nordestina, Nando ganha a vida como professor de violão e guitarra, além de fazer algumas produções musicais e trilhas para videogames (para infelicidade dos seus seguidores, prefere não revelar o nome de nenhum dos jogos). Trabalha das nove da manhã às nove da noite. Lê todos os dias, estima 40 ou 50 livros ao ano. Dorme só quatro horas. Uma rotina quase benedi-tina.

O volume de leitura, explica, ajuda a construir seu discurso e retórica. "Vejo como as objeções são refutadas, como os argumentos são desconstruídos, procuro falhas para confrontá-las com a realidade, porque qualquer retórica que não esteja apoiada na realidade está fadada ao fracasso", diz, e cita Platão, Aristóteles, São Tomé Tomás de Aquino, Santo Agostino, Olavo de Carvalho e Padre Paulo Ricardo como filósofos que admira. Sugiro que sua oratória lembra a de um padre, ele refuta. "Estudei em colégio adventista, mas lá eu era conhecido como maior queimador de bíblias", brinca. Nando acredita no divino: "Minha religião é Cristo, que tento colocar acima de todas as coisas. Mas eu era o maior capiroto na escola, já falei que o Dr. Pirrola e o Maestro Boquete têm mais chance de ir pro céu que eu".

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"Minha vida é o próprio Cristo"

Dr. Pirrola e Maestro Boquete se referem, respectivamente, a Pirula e Maestro Bogs, duas outras figuras conhecidas do YouTube. O primeiro, biólogo que discute ciência e religião, o segundo, músico e ateu militante. Por um motivo ou outro, ambos caíram na desgraça de Nando Moura, o que lhes rendeu as alcunhas carinhosas. Como diz ter sido atentado na adolescência, ele aproveita o know-how da época para infernizar a vida dos adversários: os imita com vozinha irritante, ridiculariza seus pontos de vista, faz ataques pessoais, enfim, age não muito diferente de um valentão da escola. A última vítima é a carioca JoutJout — talvez por sua defesa a causas feministas, talvez por estrelar propaganda da Vivo na semana em que a empresa divulgou limite de dados no seu pacote de internet a partir de 2017. Em um vídeo do dia 15 de abril, Nando aparece de vestido, exagera a rouquidão da menina até parecer o vocalista do Napalm Death e ensina a fazer um "ovo abortista".

Apesar de batalha vídeo a vídeo com os colegas de site, Nando rejeita a pecha de youtuber. "Eu tava de saco cheio de ver tanta merda, desgraça e putaria e comecei a responder perguntas de alunos meus com os vídeos. Não sou youtuber, sou um professor de música que faz vídeos durante alguns minutos do dia", diz. "E é muito legal ver as pessoas que estão com você, mas não [os] considero fãs. São companheiros de batalha". O exército tem nome: Mophóbics, que se definem como pessoas que compartilham muitas ou todas as ideias defendidas por Nando. Já deu ruim: meses atrás, um deles parou Pirulo na rua e começou a xingá-lo. A história fez que repercutiria, mas assentou. Nando inclusive postou uma reprimida — a seu modo — ao incidente, criticando a violência do ato. Depois, tudo degringolou num diz que me diz paranoico difícil de acompanhar.

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"Não me considero youtuber"

"Como muitos alunos me mandavam perguntas, os respondia através dos vídeos"

Mirror Mirror

É fácil pintar Nando Moura como músico frustado. Ele próprio brinca com o clichê constantemente nos vídeos, às vezes numa boa, às vezes ressentido. É a história clássica do moleque que sonhava em ser rockstar. Fã de Whitesnake, Iron Maiden, Kiss, Pantera, Death e outros nomes do metal, ele montou o Pandora101 com o irmão Gugo em 1999, aos 17 anos. Mais velho, ficou com a guitarra e o vocal. Gugo, com o baixo. A banda tem quatro discos e alguns singles e faz um power metal à Blind Guardian — a identidade visual segue na mesma linha, a fantasia mediaval europeia. A carreira longa, po-rém, não se reflete em sucesso de público, pelo menos no quesito apresenta-ções ao vivo. Os shows são raros ("dois ou três ao ano"), segundo Nando, porque o Brasil não valoriza a música de qualidade. "Cita cinco bandas que conseguem ter uma agenda regular de shows e viver de música no Brasil, sem ser Angra, Sepultura e Krisium", diz.

O circuito musical a que se refere, claro, é do metal, mas é óbvio que seu conceito de sucesso sequer considera uma carreira forte no underground. Já datado, o "artista igual pedreiro" deve ser a maior abominação do mundo aos olhos do cara. "Eu vou fazer um show com R$ 30 mil reais de equipamento e o cara quer me pagar R$ 300 de cachê? E eu ainda tenho uma raiva de pós-show", fala. Virtuoso e técnico em excesso, Nando não reconhece a importância dos passos intermediários na construção da carreira — ou na satisfação de ter alcance limitado mesmo com música boa. Em 2014, criticou alguns fãs de black metal que bateram nos caras do Test, banda de grindcore paulista que se apresenta onde dá em cima de uma kombi. Lembro do fato e pergunto se não vale a pena ser mais autosuficiente. "Porra de banda que toca na escola comendo cachorro quente. Esse tipo de coisa não faço, nem saio de casa. Gravo aqui e se quiser ouvir ouça, tocar em cantina de escola não me interessa", afirma.

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Na realidade, ele não parece gostar tanto de discutir os pormenores da carreira musical quanto outros temas, como fica bem claro quando, ao contar que não sabe bem se suas músicas estão disponíveis para streaming, diz que "minha vontade é não fazer porra nenhuma, gravar e por no YouTube e que se foda. Minha vontade é não fazer nada nesse cenário que se forma ai".

"Aqui é a maior empáfia do mundo, os caras acham que R$ 300 reais é um grande dinheiro, não paga nem a condução para chegar no lugar. Não sei como mudar. Fora do Brasil, conseguiria me apresentar em vários lugares, aqui tenho até dó dos meninos que tão começando banda." Alguns de seus alunos, porém, despertam outro tipo de resposta emocional de Nando. De bruto, passa a um professor coruja que, tudo indica, é dono de uma metodologia de ensino extremamente efetiva.

"Talvez sem perceber, ele segue uma linha meio construtivista do Jean Piaget", diz Giuliano Capeletto, personal trainer que estudou com Nando durante dez anos. "Ele aciona os alunos por meio dos próprios gostos deles. Mesmo que o Nando goste mais de heavy metal, se o aluno preferir sertanejo, ele ensina sertanejo, se preferir de música progressiva, vai por essa linha", conta Giuliano, que conheceu a música muito antes do sucesso virtual de Nando, dequem se tornou um amigo próximo e foi padrinho de seu casamento. Outros alunos que chegaram ao Nando graças ao Youtube e, por sua vez, se surpreenderam com a calma e a paciência do professor na hora de ensinar.

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Dois deles com quem conversei relataram ter estudado música com diversas outras escolas e professores sem, no entanto, ter se sentido tão à vontade quanto com Nando. O engenheiro mecânico Vinicius Bueno chegou a ele por meio de um vídeo em que destrincha, de maneira didática mas informal, o arpeggio aplicado ao sweep, uma técnica característica do metal. No vídeo (acima) em questão, ele estimula os estudantes a não desistirem: "Quando desistem da arte, seja desenho, música, literatura, você desiste de você mesmo, continue tentando", fala. Vinicius encara a música com um hobbie, e conta que o ambiente descontraído que encontrou nas aulas é o exatamente o que procurava. "Às vezes tocamos juntos, então paramos e conversamos sobre diversos assuntos, acabamos virando amigos", diz.

"Às vezes, os alunos chegam aqui achando que eu sou um monstro. Eu falo: pode errar à vontade. O único lugar que não me irrito é dando aula", ele me conta. Outro aluno, Alan Brito, que trabalha no setor administrativo de um hospital, define uma percepção clara para quem já assistiu diversas das gravações feitas por Nando. "Mesmo em um vídeo, quando o assunto é música [ou quadrinhos e filmes], ele parece mais tranquilo e feliz, mais semelhante ao Nando que conheço pessoalmente", afirma.

Fear of the Dark

No começo de fevereiro, Nando postou o vídeo "O único "GAME que NUNCA enjoa de jogar!!!". Ao redor de uma mesa repleta de livros, planilhas, fichas, cartas e dados, ele fala entusiasmado sobre a magia do RPG e como o jogo dá a possibilidade de exercitar a imaginação e desenvolver o apreço pela leitura e habilidades cognitivas. A descrição é apaixonada — sem dúvida, ele passou momentos felizes da juventude imerso nos mundos de fantasia. Por isso, quando diz que "essa mesa costumava ficar repleta dos meus amigos, que hoje viraram todos esquerdistas", é difícil não sentir um dedo de tristeza.

"Não sou amigo de bandido"

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Nando não mantém amizades "com quem é conivente com o governo mais corrupto da história", ele explica, quando pergunto sobre esse passado. "Meus amigos são minha esposa, família, alunos e cachorros, só", afirma. (Além de Gugo, tocam no Pandora101 o baterista Claudio Stabile, cunhado de Nando, e o guitarrista Marcello Pacheco, ex-aluno.)

Ele me conta um causo. Semanas atrás, na ocasião da morte do ex-executivo da Vale, Roger Agnelli, na queda de um avião em São Paulo, Nando almoçava com algumas pessoas quando um "petista" falou que bom seria se o juiz Sérgio Moro tivesse morrido no acidente. "Eu sai da mesa para não matar o cara. Quer dizer, claro que não ia fazer isso, mas fiquei puto", diz. Eu disse que a posição parecia muito parecida com a daqueles que defendem a morte de Dilma e Lula na internet constantemente, e ele me explicou por que não:

"Tem que entender a indignação do povo brasileiro. O ódio do brasileiro é justificado pela realidade. A Dilma cometeu crime de altíssima traição contra o país, e se fosse seguir a lei, a pena é a morte. O ódio dos petistas é diferente, suplanta a realidade e a distorce de forma que só se vê o viés político."

"Acho que há uma má interpretação sua a respeito do que é ser de direita", ele continua. "É uma posição libertadora, que liberta o homem do Estado Absoluto. Eu sou conservador liberal. Conversador na medida que é necessário conservar aquilo de bom que a sociedade conquistou, direito de pluralidade de religiões e ideias, de empreender sem que o governo taxe uma porrada de impostos, direito de democracia." Provoco sobre a questão de liberdade e igualdade para homossexuais, ele diz que o quê cada um faz na sua individualidade é problema seu. "Mas temos que tratar os desiguais como desiguais. A partir do momento que a força da lei iguala um casal homossexual com um heterossexual, eles têm direito de adotar um filho. Até que se apresentem estudo irrefutáveis que têm a mesma condição de criar uma criança de uma família hétero, eu me oponho."

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"Então não acredito que seja justo casais heterossexuais estarem no mesmo padrão de igualdade que casais homo, a maior forma de desigualdade é tratar de forma igual todos os seres humanos. Precisa ser tratado de forma diferencial segundo sua desigualdade", afirma. A lógica do argumento vem de Aristóteles e é uma das bases das cotas sociais, justo um dos calcanhares de Aquiles do discurso conservador. Menciono o fato. Ele discorda de novo. Para Nando, o fato de nascer pobre ou negro não influencia em capacidade cognitiva e inteligência — cita Machado de Assis para provar seu ponto. Falo em discrepância de oportunidades, ao que ele responde: "Oportunidades devem ser conquistadas. O ser humano vem a um mundo de conquistas, ou eu chego no Rock in Rio e peço cotas para minha banda porque toco há milhões de anos?". Não vamos além.

Naquela segunda-feira, um dia depois de a Câmara aprovar a abertura de processo de impeachment contra Dilma Roussef na maior louvação coletiva familiar da história, mando uma mensagem perguntando a Nando se isso significava vitória.

(Momentos após o sim do deputado pernambucano do PSDB Bruno Araújo, que definiu a votação, Nando subiu um vídeo intitulado "A PUTA VERMELHA CAIU #TCHAUQUERIDA".)

Fazia mais de uma semana que havíamos falado pela última vez, e ele respondeu mais rápido que o usual: "A vida é uma luta constante. Só existe vitória na morte".

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Ah! E, aos que assistiram a entrevista (no topo da matéria) e, muito gentis, se solidarizaram com minha saúde, agradeço. Felizmente, sobrevivi.

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