Como o bregafunk deixou de ser um ritmo pra virar um movimento cultural
MC Cego Abusado. Foto: Igor Marques

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Como o bregafunk deixou de ser um ritmo pra virar um movimento cultural

A história do movimento musical que domina as periferias da capital de Pernambuco há uma década.

Esta é a segunda parte da série sobre a história do bregafunk. Leia aqui a primeira parte.


Multi-instrumentista autodidata, aos 24 anos Daniel Silva já havia tocado em bandas bem populares da cena brega de Pernambuco, como Vício Louco, Swing do Pará e Tsunami. Também dava os primeiros passos no ofício da produção musical, tendo certo sucesso ao produzir “Ingratidão” (2009), uma versão da Banda Vida Louca para “Halo”, de Beyoncé. Mas ainda não era o suficiente para poder viver apenas da música. Por pressão da mãe, em 2011 ele foi trabalhar como locutor em um supermercado da rede Hiper Bompreço. O problema é que ele não sabia pronunciar corretamente o nome dos produtos em inglês, sendo demitido apenas um mês depois de contratado.

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Desempregado e ocioso em casa, Daniel recebeu o convite de um amigo que trabalhava em um estúdio para concluir a gravação de duas músicas, sendo uma do MC Ninja e outra da dupla Metal e Cego, artistas que estavam pavimentando o caminho emergente do bregafunk. Metal e Cego saíram daquelas sessões com “Hidromassagem” e, satisfeitos com a boa repercussão da música, alguns meses depois procuraram Daniel novamente para gravar um outro trabalho: “Posição da Rã”. Nem os MCs nem o produtor imaginavam, mas aquela seria a música que mudaria suas vidas — e impulsionaria também toda música periférica de Pernambuco. “Posição da Rã” ultrapassou os limites do estado e simbolizou uma nova fase do bregafunk: a da transformação estética e da maturação do movimento.

“Foi a música de maior repercussão na carreira de Metal e Cego”, afirma categoricamente o MC Cego Abusado, há quatro anos em carreira solo. “Foi gravada por Aviões do Forró e várias outras bandas. Reginho [cantor pernambucano do viral “Minha Mulher Não Deixa, Não”] também levou pro Domingo Legal e o Gugu fez um concurso nacional da posição da rã. Eu ficava em casa doido: ‘Meu Deus do céu, a música tá na TV! Agora vamo ganhar o dinheiro, menino!’”. E o dinheiro veio. Especialmente por ter despertado a atenção dos medalhões do forró eletrônico, que logo buscaram Cego e outros MCs do Recife para fechar parcerias. “Várias bandas vieram atrás e eu comecei a mostrar outras músicas que eu tinha também com Metal. Cheguei a botar música em Cavaleiros do Forró, Forró do Muído, Forró Pegado, Pedrinho Pegação… Wesley Safadão gravou música minha também. O meu primeiro carro foi através dessa música. Foi onde a minha vida começou’”, enfatiza Cego.

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Além do impacto comercial, “Posição da Rã” destacou-se por apresentar uma configuração sonora diferente das músicas até então gravadas pelos MCs. Era o bregafunk definindo sua cara, delineando seus contornos, preparando o terreno para então expandir com uma musicalidade mais característica.

As batidas foram consideravelmente aceleradas e incrementadas com doses generosas de peso, bem como um balanço mais “tropical”, rompendo de vez os simulacros tamborzão carioca de outrora. Foi essa sonoridade que tornou-se a marca de Daniel Silva, aquele locutor demitido do Hiper Bompreço. Devido ao sucesso com a música de Metal e Cego, ele iniciou sua carreira profissional de produtor musical. Sob o nome de Dany Bala — um apelido dado pelo MC Shevchenko, afinal, o “Daniel do estúdio” só soltava bala — ele virou uma das principais referências do bregafunk.

“Não existia um ritmo como o de ‘Posição da Rã’. Tinha o bregafunk que a turma tava fazendo, só que era bem diferente. Eu entrei trocando o tipo de bumbo, o tipo de caixa, os chimbais dobrados. Fiz mais suingado. Mudei um pouco a levada, coloquei uns graves”, enumera Dany Bala. Ele conta que chegou nessa sonoridade sem ter uma influência direta, mas sim de modo intuitivo e prático. “Não foi nem por referência, costumo dizer que foi acidental. Daí rolou e fui tentando reproduzir nas demais músicas. Hoje a gente até procura inspiração, mas na época foi uma coisa acidental mesmo”, afirma.

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Dany Bala. Foto: Igor Marques

Bala indica que neste momento o brega distanciou-se do funk carioca e abriu uma conexão com ritmos caribenhos como o ragga e o reggaeton — por vezes ele até prefere chamar a batida de “raggafunk”, em vez de bregafunk. “Se a gente for comparar, o bregafunk é mais puxado para o reggaeton. Até antes era mais parecido com o funk, com um BPM [batidas por minuto] um pouco mais lento. O BPM de funk é 130. ‘Posição da Rã’, eu fiz em 150 BPM, coisa que o pessoal do funk tá fazendo agora no Rio”, analisa.

“Dany Bala renovou a batida do bregafunk e foi quando a galera veio dando o nome bregafunk mesmo”, reconhece o MC Leozinho, pioneiro na transição dos MCs do baile funk para o brega. “Bala foi um cara que procurou inovar, foi ele quem atualizou o brega. Mudou a batida demais, ficou estilo um reggaeton. Eu brinco até que tinha que ter outro nome, porque virou uma outra coisa”.

A velocidade que Bala imprimiu em seu som — do 130 para o 150 BPM — foi notável e caiu nas graças do público. A partir daí o ritmo só foi ficando mais rápido e frenético entre as produções cantadas pelos MCs. Hits de 2012 como “Quer Não é Carai” (do MC Troia e Metal), “Fio Dental” (Sheldon e Boco), “Duelo de Gaia” (Tocha e Dadá), “Mundo da Putaria” (Trio Ternura, Dadá Boladão e MC Japão) e “Sou Favela” (Shevchenko e Elloco) tinham um pique hiperacelerado e vertiginoso não muito distante dos beats do gabber europeu, por exemplo. Em 2013, sons como “Chama Ela” (MC Leozinho) e “Guerra de Casal” (Os Abusados) intensificaram esse esquema, com um pique sempre mais veloz.

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Há nove anos vivendo do brega, o músico e produtor Duca do Baixo trabalhava como assistente no GE Estúdio, do produtor Giovanne Lima, nessa época. Ele recorda bem a fase dos altos BPM e o situa como o momento de consolidação do bregafunk enquanto gênero musical. “Já não tinha mais nada a ver com a ideia de funk misturado com música romântica, que foi a origem do chamado bregafunk. Essas músicas de agora já estavam em 170 ou 180 BPM, porque já era uma música 100% dos MCs. Quando se definiu o que era os MCs e o bregafunk, os pirraia já chegavam no estúdio com essa ideia, sempre cantando mais ligeiro. Aconteceu gradativamente, mas aí o bregafunk deu um pulo pro beat de 190, 195 BPM quando o MC Jorginho começou a gravar com o Trio Ternura e fez sucesso dentro das favelas todas com ‘Novinha Quer Tomar Gagau’ [em 2011]”.

Em 2012 o MC Tocha cantava em dupla com Dadá Boladão e estava fazendo barulho com “Duelo de Gaia”, outra faixa marcada pelo ritmo acelerado. Ele também reconhece o momento de escalada dos BPM, mas o situa em uma cronologia um pouco diferente. “O brega foi acelerando acho que por volta de 2012 e mais ainda em 2013. Foi o ano que o brega já foi pra frente, pra cima. Acho que em 2014 o brega já tava com o beat em 190”, atesta.

O período entre 2011 e 2015 representou não apenas o momento da maturação musical do bregafunk, mas também do seu universo imagético através dos videoclipes e DVDs de shows produzidos por duas produtoras locais: a Jozart Produções e a Pro Rec — a primeira foi desativada, mas outra ainda ativa e cada vez mais forte, produzindo artistas de outros estados nordestinos.

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Os vídeos eram pautados pela estética da ostentação: carrões, celulares da moda, bebidas importadas, suítes de luxo em moteis, relógios chamativos, roupas extravagantes… tudo construído no perfil de uma gramática visual pop, acionando tanto uma dimensão regional como uma perspectiva global. Metal e Cego tiveram até gravaram o clipe de “Ladrão de Novinha” (2012) em Buenos Aires, patrocinado pela marca de roupas Maraka Surf. “O clipe teve um impacto muito grande em todo movimento. O que Kondzilla foi pro funk, Jozart e Pro Rec foram pro brega. Foram os caras que jogaram uma imagem”, sintetiza o MC Elloco, que elenca “Novinha, Tá Querendo o Que?” (2011), de Metal e Cego como o primeiro clipe de destaque da cena dos MCs pernambucanos.

Outros meios importantes na propagação do bregafunk foram as hospedagens de músicas no 4Shared e o Blog dos Bregueiros, que está no ar desde 2012 e disponibiliza download de CDs, últimos lançamentos e calendário de shows. Mas a internet não foi a única ferramenta de propagação. Um elemento fundamental dessa história são os carrinhos de CD pirata, que atravessavam a cidade tocando as músicas dos MCs quase que ininterruptamente, fosse na periferia ou em bairros nobres, na orla da praia, em mercados populares ou em restaurantes. Ocupando o espaço público e a paisagem sonora, os carrinhos de CD constituíram um veículo central para a permeabilidade do bregafunk entre as classes média e alta. Era praticamente impossível viver no Recife e não conhecer pelo menos um ou dois hits do brega — e os MCs sabiam bem disso.

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“A divulgação era por Orkut, Fotolog, 4Shared, rádio comunitária e carrocinhas de CD. Nóis fazia o CD e passava dando. Eu mesmo levava. Ia no centro de cidade e chegava no camelódromo: ‘Olha aí parceiro, saiu CD novo’”, narra o MC Leozinho. O MC Cego conta que até “investiu” no setor: “Eu sempre fui um cara de fazer estratégia, tipo um marketing. Quando ‘Posição da Rã’ estourou e eu vi que a minha vida começou a andar, que comecei a ganhar um dinheiro, comprei umas cinco carrocinhas de CD e botei os meninos lá. Eu falei: ‘Olha, eu não quero nada. Vou botar vocês pra vocês ganharem um dinheiro, o que vocês venderem é de vocês. Agora todo dia eu quero ver Metal e Cego tocando. Quem não tiver Metal e Cego vai perder a óia’. Aí foi carga, só dava essa música na cabeça. Você podia até dizer que não gostava, mas se perguntasse como é o começo da música você sabia cantar”, relata.

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MC Tocha. Foto: Igor Marques

Com um mercado estruturado em Pernambuco e expandindo-se por todo Nordeste através de regravações e parcerias com bandas de forró, foi questão de tempo até o bregafunk ser pautado nacionalmente. No dia 1º de dezembro de 2013, Regina Casé recebeu Shevchenko e Elloco no programa “Esquenta” e anunciou: “A gente apostou que em 2014 o bregafunk, que é o novo som das periferias do Recife, vem que vem com tudo”. Doze dias depois, Fátima Bernardes recebeu no “Encontro” três representantes do brega recifense: o MC Sheldon, a cantora Michelle Mello e a drag queen Jurema Fox. Apesar de estarem representadas aí vertentes diferentes da música brega do Recife, Fátima fez uma introdução específica sobre o bregafunk, descrito como “um fenômeno no Nordeste”. No mesmo ano, em outubro, o Fantástico apresentava as “variações do funk carioca”: o eletrofunk paranaense e o bregafunk, representado por MC Leozinho e Sheldon e Boco.

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Conforme o mercado ficava mais competitivo, os MCs passaram a compor letras cada vez mais chamativas, fazendo a temática da putaria tornar-se a tônica. Com a sexualização do discurso, os MCs ancoram suas performances num ideal de um homem másculo, racializado e sedutor. Um bad boy periférico, escamoso, que “vai pegar geral” e vive entre “mulheres nacionais e bebida importada” — como narra a letra de “Novinha, Tá Querendo o Que?”, de Metal e Cego.

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Duca do Baixo. Foto: Igor Marques

Essa música, inclusive, foi uma das responsáveis por popularizar a expressão “novinha” em Pernambuco, tornando-a recorrente no bregafunk. Mas se hoje o termo é um eco do imaginário da ninfeta, das relações entre homens mais velhos e mulheres mais novas, naquela fase do bregafunk ele era muitas vezes usado claramente para designar mulheres menores de idade. A música “Vem Novinha Tomar Toddynho” (2011), dos MCs Sheldon e Boco, foi uma das que mais causou polêmica nesse sentido, com os versos “Se eu mato eu vou preso/ Se eu roubo eu vou preso/ Mas se é pra pegar novinha eu vou preso satisfeito (…) As de 14 eu tô fora/ As de 15 é muito nova/ 16 já tá na hora/ 17 eu vou agora”. Outra que também provocou discussões foi “Big Brother”, de Shevchenko e Elloco, que, em alusão ao caso de estupro ocorrido no BBB 12, cantava: “Se dormir vai tomar dormindo/ Em menos de 10 segundos tu acorda sorrindo”.

Não demorou até a polícia ir atrás dos MCs. No fim de 2011, Sheldon e o seu DJ, o GG, foram detidos portando 50g e dois papelotes de maconha, respectivamente — fato que Sheldon respondeu declarando que entraria “numa clínica de reabilitação para não cair de novo na tentação da maconha”. No ano seguinte, o mesmo MC enfrentou mais problemas. Primeiro, foi intimado a depor sobre uma música supostamente sua da época do funk proibidão que, de acordo com o Ministério Público, fazia apologia ao crime ao citar chefes do tráfico da comunidade do Papelão, no centro do Recife. Sheldon negou ter escrito a música e negou também que a voz da gravação era sua. Os problemas continuaram: meses depois, ele foi detido com um amigo portando um “galho” de maconha. No carro do amigo havia também um revólver não registrado — e, claro, a imprensa noticiou tudo com o sensacionalismo esperado: “É a segunda vez que o nome Sheldon e maconha andam juntos com a polícia”, exclamava o apresentador do programa policial Ronda Geral.

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Bem mais séria foi a treta envolvendo o MC Vertinho. Em setembro de 2012, circulou o vídeo de um show em que o MC chamava uma fã para subir ao palco, oferecia uísque a ela, lambia seu corpo e simulava sexo oral com a garrafa da bebida. Vertinho diz que não sabia, mas o fato é que a menina era menor de idade — 12 anos. Após um monte de polêmica nos jornais, em 2015 o MC foi preso em processo de estupro de vulnerável.

Solto três dias depois, a prisão de Vertinho teve pouco impacto em sua carreira — na verdade, segundo seu empresário, só fez a agenda de shows aumentar. Mas foi um alarme para cena. Ficou claro que era o momento de buscar outros temas, pois estava nascendo um estigma análogo àquele que anos antes definiu a imagem do funk como uma cultura violenta — e, portanto, financeiramente inviável. Dois meses após a prisão do MC, uma reportagem publicada no Diário de Pernambuco apresentava a visão “revista” do movimento pelos próprios MCs. Cego, por exemplo, buscava afastar-se do termo “novinha” que ele havia popularizado: “Meu negócio agora é romance (…) Escrevo sobre saudade, romance, a mulher amada. É uma nova fase”, dizia, citando “Bateu a Saudade” e “Chorei Demais”, duas músicas antigas. Já Vertinho anunciava sua adesão à vertente ostentação: “Corrente de ouro, camisa Dudalina de botão, estilo New York… Isso dá reconhecimento, ajuda a Zona Sul a nos respeitar”.

“O brega tava só putaria, putaria e putaria. Até que chegou um tempo que a polícia bateu em cima do movimento da gente”, pontua Shevchenko, da dupla com Elloco. “Foi quando nóis entrou com a ostentação e graças a Deus foi onde mudou o nosso movimento. Mudou pra melhor. Virou sucesso justamente porque falava do que a gente tinha e do queria ter um dia. Era a música dos sonhos”, define. A dupla até criou (e ainda mantém) uma marca de roupas e acessórios, a 24 por 48, definida como “uma mistura de ostentação e estilo de jogador”, sempre presente em seus clipes e letras.

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Apesar do contexto local envolvendo a prisão de Vertinho, a tentativa de “limpar” a putaria buscando versos mais puxados para a ostentação não está dissociada do contexto social e cultural brasileiro. No período entre 2011 e 2012, o crescimento médio da renda real no Brasil subiu 5,8% acima da inflação, de acordo com o IBGE. No Nordeste, essa taxa foi ainda maior, registrando 8,1%. Em paralelo, crescia o fenômeno dos rolezinhos e o funk ostentação de São Paulo vivia o seu ápice. A Kondzilla dava os primeiros passos na produção de videoclipes e músicas como “Plaquê de 100” (MC Guimê), “Como é Bom Ser Vida Loka” do (MC Rodolfinho) e “Ela é Top” (MC Bola) estavam estouradas em todo o país, com o Guimê chegando a estampar a capa da Veja. Em 2015, o MC Boy do Charmes, um dos principais expoentes do funk da Baixada Santista, fez a ponte entre a ostentação paulista e pernambucana ao gravar “Só Disande”, com Shevchenko e Elloco, e “Hoje é Nós”, com Tocha e Dadá, que até virou clipe.

Mas a ostentação não foi a única vertente explorada pelos MCs. Se a putaria estava em crise, deram uma suavizada aqui e ali e passaram a cantar uma temática denominada por eles como “sensualidade”, bem como letras destinadas a passinhos e coreografias. Um bom exemplo é o MC Sheldon com “Fio Dental” e “Estilo Panicat”, esta última com um refrão emblemático: “O meu corpo tá mexendo sozinho”.

Letras novas pedem uma musicalidade diferente. Daí é acionado um processo de transformação sonora que determina o modo de criação musical até o presente momento. “Eu trabalho como se tivesse vendo as meninas dançando. Não faço mais música pensando em beat ou em letra. O cara colocou a voz guia e eu já tô pensando nelas dançando, fazendo o passinho”, afirma Dany Bala. “Se você for parar pra escutar a música, muitas vezes não a letra não tem nem nexo. O que fala mais alto é o ritmo e o que tá valendo é a coisa ficar dançante. Tanto é que a gente vê o sucesso desses canais de YouTube de dança, que ensinam passinhos de música”, completa o produtor.

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MC Troia. Foto: Igor Marques

Duca do Baixo foi um dos responsáveis por trazer uma nova proposta musical neste momento. No fim de 2014, o produtor, que até havia trabalhado com Dany Bala, deixou o serviço de assistente de Giovanne Lima no GE Estúdio para abrir o seu próprio estúdio. A mudança lhe deu a chance de fazer algo que ele buscava há um bom tempo: desacelerar as músicas dos MCs. “Eu dizia a Giovanne: ‘Bota esse bagulho mais lento, os pirraia não tão conseguindo cantar, tá muito feio!’ Tinha música que o cara nem entendia. Na hora de gravar o guia, eu diminuia a batida de 190 pra mais ou menos 170 bpm. Aí na hora de fazer a bateria ele se arretava, ia lá e botava pra 190. Eu notava que a turma tava precisando de uma batida mais lenta e não tinha, então quando abri meu estúdio iniciei nesse beat pra se diferenciar no mercado”, detalha Duca.

Influenciado pelo som do batidão de João Pessoa e pelo reggaeton, Duca do Baixo produziu “Subidinha”, parceria do MC Cego Abusado com o cantor paraibano Gil Bala. “A partir de mim, quando produzi essa música, foi que o bregafunk ficou mais lento e ficou nesse ritmo do 160 BPM, variando até 170 que rola ainda hoje. A partir disso cada um foi fazendo sua própria batida numa versão mais lenta”, garante. Em 2015, nessa mesma levada, ele emplacou ainda hits como “Dale Tua Ideia Pero Áudio” (de Selo e Alata e Maneirinho com o youtuber Kuki Pobizinho), “Que Brabinha Boy” (Danilo Cometa, Léo da Lagoa e MC Matheus) e Novinha Vai no Chão (Dread e GG) — esta última regravada por Wesley Safadão no seu DVD em Brasília.

Os hibridismos com a música caribenha e ritmos de outras cenas periféricas do Nordeste só foi conquistando mais espaço. Sob influência de nomes como Polentinha do Arrocha e Rei da Cacimbinha, Troia tornou-se o MC mais estourado do ano de 2016 com músicas como “Balança, Balança”, marcadas pelo suingue e as cornetas do arrocha — resultado bem distante do som característico que catapultou o nome do bregafunk entre 2011 e 2014. Essa abertura musical torna praticamente impossível a tarefa de definir o estilo. Quando peço aos MCs para arriscarem uma definição, eles invariavelmente apontam que “o bregafunk é uma mistura”.

Nesse quesito, os produtores musicais são mais assertivos, indicando que o movimento incorporou tamanha variedade de influências que o bregafunk nem existe mais como um estilo definido. “O bregafunk deixou de ser um ritmo e se tornou um movimento cultural, que é o segmento dos MCs. Mas musicalmente não se grava mais bregafunk”, indica Duca do Baixo. Na mesma linha, Dany Bala celebra a liberdade criativa proporcionada pelo fluxo contínuo e permanente de novas informações musicais. “O bregafunk não é uma coisa que a gente pode descrever, não tem como anotar. O movimento nos dá essa liberdade. Ele é mutante e vai estar sempre mudando”, sentencia.

Esta é a segunda parte de uma série de três reportagens da VICE sobre o movimento bregafunk do Recife. Na parte três, falamos do futuro do bregafunk no Brasil.

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