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Comida

David Lynch Tem uma Filosofia pra Tomar Café

O David Lynch nos deu belas dicas para quem estiver a fim de mergulhar nesse tão lindo mundo do café bom.

Ilustração por Domitille Collardey. 

Como todo mundo, eu bebo café de quinta categoria. Também gosto do assim chamado jet-fuel coffee, que alguns vendedores de rua oferecem aqui nos EUA. Mas a verdade é que gosto mesmo do café gelado de lugares chiques.

Na maioria dos dias, é possível me encontrar parada num café chique contando as moedinhas, como se eu tivesse alguma espécie de vício que só se cura com aquele copo gelado de café específico. Estou falando do tipo de café que chamam de gourmet ou coisas do gênero, mas que sempre depois de tomar o primeiro gole, você pensa: “Gente, isso nem parece café!?”.

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Foi só quando bati meus olhos cafeinados no agente especial Dale Cooper do Twin Peaks que as coisas mudaram para mim e comecei a reconsiderar toda minha perspectiva sobre a arte de tomar café como um todo.

Por mais que eu adore a louca do tronco, inveje as pilhas de donuts na delegacia de Twin Peaks e fique acordada até tarde me perguntando quem caralhos matou a porra da Laura Palmer?!, nada me toca mais do que a abordagem do agente especial Dale Cooper sobre a arte de tomar café. Café no diner, na verdade. Se você for procurar a palavra “zen” no dicionário, certeza que vai ver uma mancha de café naquela página.

Foi sempre naquele primeiro gole de “extremamente excelente” que estou convencida de conter os segredos para a experiência mais transcendental que o café pode provocar, e que eu ainda não tenho a certeza de já ter provado. O que eles colocavam naquele filtro? Eu deveria me mudar para o estado de Washington? Tinha algum tipo de arsênico ou uma mistura de Fanta Uva lá dentro, Dale? Me conta o que é, cara.

Já que minha realidade não inclui as brilhantes dicas do agente especial Cooper, saí em busca de respostas sérias sobre como mudar minha forma de pensar sobre os grãos para todo o sempre. Num golpe de sorte – ou talvez numa resposta aos meus sinais de fumaça de café – o David Lynch generosamente decidiu me responder. Fora ter inventado o agente especial Dale Cooper e uma das melhores séries de televisão de todos os tempos, David criou sua própria linha de cafés, a David Lynch Signature Cup, e se tornou um mestre na arte filosófica de tomar café – quase 20 xícaras por dia, para ser mais específico.

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MUNCHIES: Olá, David. Você foi a primeira pessoa que me veio em mente porque o tópico café é bastante… avassalador. Você se lembra da primeira vez que tomou uma xícara de café?
David Lynch: Não me lembro da primeira vez, exatamente, mas gosto de pensar que amo café desde muito novo.

Quão novo?
Não tenho a certeza, mas era bem pequeno. Acho que tinha 3 anos.

Três?
Não sei bem, mas me lembro de sempre ter gostado muito do cheiro do café sendo tostado e moído.

OK, então, o que você considera uma “boa xícara”?
Para mim, é o sabor. Ele não deve ser amargo, e deve ser suave e rico em sabor. Adoro tomar expresso com leite, tipo um latte ou capuccino, mas o expresso deve ter uma espuma dourada. Pode ser tão bonito, Helen.

O que há dentro de uma xícara ruim?
Uma xícara ruim é ácida e amarga e há sempre um bom sabor escondido por ali, mas a acidez e o amargor acabam com isso. É muito frustrante se deparar com uma xícara ruim quando se está desesperado por café.

As empresas de café seguiram um longo caminho produzindo porcarias nos últimos 15 anos.
Sim, bom, eu acho que a Itália sempre produziu um ótimo café, mas os EUA certamente ainda estão na luta.

Ainda bem. Falando em empresas americanas, provei a David Lynch Signature Cup; o que fez você querer criar sua própria marca?
Bem, nem foi ideia minha, na verdade. Um dia, um amigo chegou e me disse “David, você toma tanto café que deveria ter sua própria marca”, uma coisa levou a outra e fiz teste cego com muitos, muitos cafés. Outro amigo meu disse, “Conheço um pessoal em Long Beach que tem o melhor gosto do mundo para café”, mas eu experimentei e era horrível, então continuei provando diferentes tipos de café e diferentes misturas, e continuei voltando para o mesmo café nos testes cegos.

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Você usa alguma terminologia específica para descrever cafés?
Sabe esses enólogos, eles têm milhares de palavras diferentes [risos]. No fim das contas, o que importa é o que você realmente gosta. Então, se as palavras saem e “ótimo sabor” é o que você está buscando; se ele é muito bom enquanto você o bebe e se continua bom depois que entrou em você, então o que é preciso ser dito é “ótimo café”.

É exatamente assim que gosto de descrever um “ótimo” café. Acho que é importante simplificar. Ninguém faz o café parecer mais incrível do que o agente especial Dale Cooper em Twin Peaks. Que tipo de café da sua linha você acha que ele escolheria?
O agente especial Dale Cooper bebe muito café de diner. Seria uma moagem caseira, então acho que ele gostaria muito da moagem caseira (House Roast) da minha linha, porque ele iria desfrutar do sabor que não é ácido nem amargo. E ele provavelmente pediria muitas xícaras.

Não o culpo. Eu mesma bebo muito café. O café inspira seu trabalho?
Sim. Sabe, quando estava no colegial, li um livro chamado The Art Spirit, de Robert Henri, e ele fala sobre o espírito da arte que se transformou em vida artística para mim. O café faz parte da vida artística. Não sei bem como isso funciona, mas faz você se sentir muito bem e ajuda no processo criativo. Anda lado a lado com a pintura, com certeza.

Em essência, o que está numa xícara de café para você?
Um bom amigo.

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Ouvi dizer que você costumava ser como Balzac e bebia umas 20 xícaras por dia. Como anda seu consumo hoje em dia?
Bom, acho que eu diria dez. É verdade que eu costumava beber 20. Mas elas eram menores e em xícaras de isopor. Agora, tomo meu café em xícaras maiores.

Se bebo mais de duas xícaras já fico trêmula. Você deve ser um ser humano evoluído pra conseguir beber tanto café assim.
[Risos] Eu gosto muito… Então vou bebendo. Meu truque é parar de beber por volta das 17h30.

Eu certamente posso me beneficiar desse truque. Como você gosta de tomar seu café?
Cappuccinos, na maioria das vezes, mas gosto de lattes, também. Acabei de comprar duas máquinas de expressos novas que são muito incríveis.

De que tipo?
As máquinas de expresso com duas caldeiras da La Marzocco. Todas as xícaras saem iguais depois que você programa a máquina. Elas são tão bonitas, Helen. O café é uma coisa tão estranha. Todas as coisas de que você precisa para fazê-lo – as pessoas encontram o que amam e o fazem à sua maneira. Muitas pessoas estão fazendo coisas ótimas com café hoje, mas você precisa encontrar o que funciona para você e instantaneamente ir para o céu.

É um bom conselho. Falando nisso: pra quem nunca provou uma gota, por onde começar?
Bem, se vocês ainda não provaram o David Lynch Signature Cup, temo que ficarão desapontados quando provarem qualquer outra coisa [risos]. É um belo mundo esse do café.

Concordo. Vou tomar uma xícara agora.  
Espero que você encontre uma excelente xícara de café.

Você também, David.

Tradução: Mariana Rezende