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Como um encontro com um neonazi bêbado me fez repensar meu pacifismo

Brigar ou não brigar?

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Canadá .

Sou um pacifista. Acredito que os meios da guerra, não importa as razões por trás dela ou quão nobres sejam os objetivos de uma intervenção, são péssimos demais para justificar qualquer fim. O mal da guerra, a violência que ela desencadeia, e o que essa violência faz com as vítimas e perpetradores é tão monstruoso que todas as pessoas e líderes deveriam se opor a ela, ponto.

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Mas há uma dúvida que mina minha crença: nunca estive numa briga de verdade. O mais perto que cheguei foi aos 19 anos, entrando numa discussão bêbada com um amigo que culminou numa luta de boxe no quintal onde aprendi que, independentemente do que estiver cobrindo os punhos, ser socado na cabeça seis vezes dói pra caralho. Fora isso (e testemunhar algumas brigas de bar particularmente brutais), violência é algo que sempre tento evitar. Por mais que eu acredite em pacifismo, não posso deixar de imaginar se isso não é apenas um reflexo de ser um moleque covarde que não sabe brigar. Meu pacifismo é só um disfarce para o fato de eu ser bundão?

Algum tempo atrás, eu estava andando na rua depois da saideira nos arredores de Toronto com uma amiga judia. Estávamos indo de uma parte recém-gentrificada da cidade para outra, por uma avenida pacífica cheia de cartazes eleitorais de um ou outro partido progressista canadense. De repente a calma foi quebrada, juro por deus, por um skinhead literalmente marchando pela avenida. Ele tinha todas as características de um skinhead: cabeça raspada, bermuda cargo, fazendo o sieg heil enquanto gritava coisas racistas como "Fora Judeus", "Fora do meu país" e "Vote Harper" [antigo primeiro-ministro canadense]. (Sabe, coisas clássicas racistas.) Aparentemente, sutileza não é a principal preocupação de um neonazi bêbado.

Fiquei puto. "Foda-se esse cara, nossa cidade não é assim", pensei comigo mesmo. Fiquei particularmente ultrajado pela minha amiga. "Ela não merece sentir esse tipo de perigo, não aqui e não em 2015". Aí, mostrando nenhuma consideração pela segurança da dita amiga, gritei com ele do outro lado da rua. Eu gostaria de dizer que foi algo inteligente, como "Ei, nazi! Kristallnot dessa vez", mas em vez disso o que saiu foi um gaguejo. "Ei… cara, corta essa. Peraí, né, isso não é legal, essa coisa nazista."

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Foi o suficiente. No meu próprio ultraje bêbado, eu tinha esquecido que nazistas são criaturas violentas que adoram oportunidades de chutar a cabeça de um socialista metido a besta. Ele atravessou a rua e me desafiou imediatamente para lutar com ele — e não de um jeito educado. Era um cara grande e assustador. Tipo se o Kevin James tivesse estrelado Tolerância Zero. Eu estava prestes a entrar numa briga com aquela besta. (Mas admito que minha reação teria sido a mesma se ele fosse esse tipo elusivo de skinhead magrelo neonazi de poltrona.) Então recuei: "Ei, cara, não quero briga. Sem encrenca, OK".

Aí o nazi disse "você é só um putinho", antes de sair marchando noite adentro.

Só um putinho.

Claro, ninguém aconselharia a dar muita bola para a opinião de um skinhead, mas essa declaração ficou ecoando na minha cabeça. Logo depois, senti que tinha fracassado em algum tipo de teste social. Eu devia ter brigado com ele, porra. Quer dizer, não é exatamente esse tipo de pessoa com quem você tem que lutar, um nazista? A gente aprende isso na escola, não? Tenho certeza que algum professor de história disse "se vir um nazista na rua, você deve brigar com ele, porque nunca sabe se esse é o nazista que vai foder com a história toda".

Visões do que eu podia ter feito continuavam passando pela minha cabeça. Eu podia ter olhado nos olhos dele e dado uma cabeçada surpresa, como um tio me ensinou uma vez. Ou um chute no saco, ódio não protege ninguém de um bom chute no saco. Melhor ainda, eu devia ter aguentado a porrada. Uma surra recebida por defender a tolerância? Quando saísse do hospital, eu, provavelmente, teria me sentido ótimo. Apanhar em nome da justiça de um skinhead deve ser como votar um milhão de vezes.

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No dia seguinte, parei de desejar uma surra por justiça, mas ainda estava perturbado pelo encontro. O que eu poderia ter feito para afetar a mente daquele cara, como poderia ter desafiado seu ódio? Eu só tinha molhado o dedo do pé no oceano revolto do que é a capacidade do homem para a violência, e tinha odiado. O valor que eu dava para a paz agora me parecia ingênuo, nascido de privilégio e segurança. Dos homens comprometidos com a violência, até O Ato de Matar; eles não estavam interessados em discutir um problema. Esse encontro tinha me feito sentir como o Tommy Lee Jones no final de Onde os Fracos não Têm Vez.

Mas agora percebo que estava cometendo o mesmo erro de muitos que defendem guerras justas. Os defensores da guerra dizem que só estão sendo realistas. Mas essas reivindicações de realismo geralmente são só uma simplificação dos eventos e ignoram o contexto da situação. Isso não é ser realistas, é ser simplista. Eles dizem que estão oferecendo um julgamento sóbrio, mas muitas vezes isso envolve não abordar as razões históricas maiores por trás de uma crise e as alternativas políticas que não estão sendo tentadas. Como toda incursão no Oriente Médio mostra, esses "realistas" não têm ideia do que vem depois da violência. Seu realismo é tão idealista quanto o pacifismo; só nos disseram que uma ideia é para adultos sérios e que a outra só é boa para letra de música hippie.

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Na minha cabeça, eu tinha transformado meu encontro com o Edward Norton gordo numa batalha entre o bem e o mal, uma batalha que eu tinha perdido. Quem estava escrevendo esses pensamentos, David Frum? O contexto daquele cenário era que, claro, eu não devia ter brigado com aquele cara. Ele estava sendo um idiota bêbado passando vergonha às três da matina. Não era como uma discussão desconfortável que de repente transformou o cara no Chris Hedges. Além do mais, só posso imaginar a ressaca moral que você sente depois de ter saído marchando no meio da rua na vista de todo mundo.

O Ocidente está em guerra permanente há quase 15 anos sem um final no horizonte. A natureza dessa guerra também está mudando, se tornando mais dependente de ataques com drones e forças especiais, o que a torna cada vez mais difícil de notar e resistir. Essa guerra conveniente se tornou ortodoxa até para os mais de esquerda, enquanto não dá provas de que rende algo além de morte de crianças inocentes, mais gente nos odiando e mais guerras que se autoperpetuam. A esquerda deveria defender paz total e relações exteriores baseadas em diplomacia, empatia e refúgio. E se isso me torna um putinho, bom, tudo que posso dizer é:

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Tradução: Marina Schnoor

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