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A Circuncisão Feminina É Cada Vez mais Popular na Malásia

Em 2009, o Comitê Fatwa do Conselho Nacional de Assuntos Religiosos Islâmicos da Malásia determinou que a circuncisão feminina era obrigatória para todas as mulheres muçulmanas, a menos que esse procedimento lhes fosse prejudicial.

Encontro Syahiera Atika num shopping. Nos domingos, ela roda os megashoppings de Kuala Lumpur como muitas outras mulheres de sua idade, mas está ansiosa para afirmar que é diferente delas. Syahiera é uma encarnação moderna da cultura malaia: ela fica feliz em abraçar o capitalismo, mas também segue estritamente a interpretação local do Islã. E, como ela, orgulhosa, me informa, isso significa que ela é circuncidada.

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"Sou circuncidada, porque isso é exigido no Islã", ela diz. A palavra malaia que ela usa é wajib, que significa qualquer dever religioso comandado por Alá. Syahiera sabe como a circuncisão feminina é vista no Ocidente, mas rejeita a noção de que isso seja desumano. "Da maneira como fazemos aqui, não acho que isso seja prejudicial", ela defende. "Isso protege as garotas do sexo antes do casamento, já que diminui o impulso sexual. Mas não sei se isso sempre funciona." Ela ri desse pensamento.

Circuncisão feminina envolve remover cirurgicamente parte ou todo o clitóris da mulher, o que é classificado como Mutilação Genital Feminina (MGF) pela Organização Mundial de Saúde. A MGF não tem nenhum benefício médico, e a OMS atesta que isso "reflete uma desigualdade profundamente enraizada entre os sexos e constitui uma forma extrema de discriminação contra as mulheres". Em 2012, a Assembleia Geral da ONU aprovou por unanimidade uma resolução considerando a prática uma "violação dos direitos humanos" e conclamou às nações que proibissem isso.

Apesar da crueldade da MGF, a maioria das mulheres muçulmanas na Malásia é, como Syahiera, circuncidada. Um estudo de 2012 conduzido pela Dra. Maznah Dahlui, professora do Departamento de Medicina Social e Preventiva da University of Malaya, concluiu que 93% das mulheres muçulmanas pesquisadas são circuncidadas. Dahlui também descobriu que o procedimento hoje, na maioria das vezes, é realizado por profissionais de saúde treinados em clínicas particulares, e não mais pelas praticantes tradicionais de circuncisão chamadas Ma Bidans.

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Dahlui insiste que a versão malaia da circuncisão feminina é menos invasiva que a de outros tipos praticados no mundo: isso envolve uma picada de agulha no capuz do clitóris e é realizado em garotas de um a seis anos. No entanto, como descobri, procedimentos mais invasivos também são usados regularmente.

A obstetra e ginecologista Dra. Mighilia, da clínica particular Global Ikhwan, localizada em Rawang, norte de Kuala Lumpur, admite que realiza uma versão mais drástica com agulha ou tesoura. "Pego uma tesoura e corto o topo do clitóris, mas só um pouco", ela disse. "Só um milímetro."

A mutilação genital não é proibida na Malásia, embora os hospitais públicos não possam fazer a cirurgia. Em 2009, o Comitê Fatwa do Conselho Nacional de Assuntos Religiosos Islâmicos da Malásia determinou que a circuncisão feminina era obrigatória para todas as mulheres muçulmanas, a menos que esse procedimento lhes fosse prejudicial.

Mas isso não quer dizer que todas as malaias apoiam a prática. Syarifatul Adibah, oficial sênior do Irmãs do Islã, um grupo local de defesa dos direitos das mulheres, insiste que a sunat (circuncisão em malaio) não é mencionada no Corão. Ela aponta que a popularidade disso vem de uma interpretação cada vez mais conservadora do Islã.

"Antes, isso era uma prática cultural, mas agora, por causa da islamização, as pessoas simplesmente relacionam tudo ao Islã", ela criticou. "E, quando você liga algo à religião, as pessoas tendem a seguir isso cegamente."

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De acordo com Adibah, a MGF se tornou mais socialmente aceita em 2012, quando o Ministério da Saúde anunciou que estava desenvolvendo diretrizes para reclassificar o procedimento como médico. Para ela, isso levou as pessoas a pensarem que a mutilação é algo benéfico. "Se você surge com diretrizes e torna isso um procedimento médico, significa que você está de acordo com isso, apesar de não haver benefício médico algum", ela afirmou. O Ministério da Saúde não respondeu aos pedidos de comentários.

Mas a "medicalização" da mutilação não é algo exclusivo da Malásia – a prática foi identificada recentemente como uma nova "tendência preocupante" por UNFPA, UNICEF, Confederação Internacional de Parteiras e Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia.

Mas alguns malaios acham que essas organizações internacionais não deveriam se meter em seu modo de vida. "O problema é que o Ocidente é muito crítico", apontou Abdul Khan Rashid, professor do Penang Medical College. "Quem são vocês para nos dizerem o que praticar e o que não praticar? Hoje, muitas mulheres fazem isso em clínicas particulares, em condições seguras, mas, se você tornar isso ilegal, a prática vai passar para o submundo."

Porém, os profissionais da saúde malaios defendem a prática julgando outras nações. "Somos contra o que acontece em países como o Sudão", disse a Dra. Ariza Mohamed, obstetra e ginecologista do Hospital KPJ Ampang Puteri, em Kuala Lumpur. "É muito diferente do que fazemos na Malásia", ela acrescentou. "E há uma grande diferença entre circuncisão e mutilação genital feminina."

Fotos por Thomas Cristofoletti.

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Tradução: Marina Schnoor