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Espírito opaco: ministro da Transparência é o segundo de Temer a entrar na dança de Machado

Fabiano Silveira se enrola durante embate pesado sobre o fim da Controladoria Geral da União, mas conta com aval temporário do presidente interino.

Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Na grande coleção de áudios gravados pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado em sua epopeia para se livrar da Lava Jato, chegou a vez de Fabiano Silveira, recém-empossado ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, tomar a sua chapuletada. Antes de ser ministro, Fabiano era consultor jurídico do Senado, e inclusive integra o Conselho Nacional de Justiça na cota destinada à casa legislativa. Foi provavelmente sob essa condição que Silveira reuniu-se com Machado e o presidente do Senado, Renan Calheiros, para discutir estratégias para tirar o foco da Lava Jato de Machado.

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As conversas gravadas, divulgadas na noite deste domingo (29) pelo Fantástico, da Rede Globo, mostram Silveira criticando a condução da Lava Jato. É um áudio ruim, em grande parte inaudível, mas que traz Silveira abertamente dando uma força para Calheiros e seu apadrinhado Machado – por exemplo, instrui Machado a procurar o relator do seu inquérito sobre a Lava Jato para "prestar esclarecimentos". Outro detalhe interessante dos áudios é mostrar, novamente, que a Lava Jato não conseguiu levantar nenhum envolvimento de Renan com a corrupção na Petrobras: Fabiano teria entrado em contato com procuradores da operação e voltado com a resposta de que Calheiros seria "um gênio" e que não haveria "porra nenhuma" contra o presidente do Senado.

A reação veio a galope. O Globo, pra mostrar quem manda, já instruiu Temer a demitir o novo ministro, servidores do ministério impediram Fabiano de entrar no trabalho, o Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle cobrou a cabeça do ministro, e, para coroar, 200 servidores entregaram seus cargos em protesto. É o segundo ministro de Temer a entrar na dança de Machado, após Romero Jucá, que demonstrou que a articulação do impeachment se baseia na tentativa de barrar o progresso da Lava Jato. A diferença é que desta vez Temer optou por manter Silveira no cargo, absorvendo mais desgates.

Marcelo Nerling, professor de direito constitucional, administrativo e financeiro do Curso de Gestão de Políticas Públicas da USP, diz que "Fabiano foi ingênuo é desonesto com a República e que o cheiro dos seus atos não lhe agregará fortuna porque demonstrou falta de virtude para conduzir um órgão da envergadura que tem a CGU".

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O golpe no ministro e, por conseguinte, no vaciloso governo interino de Michel Temer, veio à reboque de uma grita maior e mais complexa, que foi a extinção da Controladoria Geral da União, transformada em Ministério da Transparência. Ela veio no meio de uma ceifada ampla de ministérios, feita para agradar a massa cheirosa que apoiou Temer – extinguiu, entre outros, os ministérios da Cultura, Comunicação, Direitos Humanos, Desenvolvimento Agrário.

Criada em 2003, a CGU era o órgão que cuidava do Sistema de Controle Interno e do Sistema de Correição – ou seja, era ela quem fiscalizava o executivo federal em busca de cagadas e maracutaias com o dinheiro público.

Os primeiros a chiarem foram os próprios servidores da CGU, que prometem protestos contra o fim da pasta. Em um documento distribuído internamente, eles criticam os custos de mudança nos logos da CGU e também o fim da sua vinculação à presidência – considerada inadequada "uma vez que atualmente este novo Ministério está na mesmo nível hierárquico dos demais Ministérios que continuam sujeitos às suas auditorias e demais Ações de Controle".

Explica-se: antes a CGU era um órgão vinculado diretamente à Presidência, apesar de seu chefe ter status de ministro. Agora, ela é um ministério como qualquer outro e pode carecer de peso político para se intrometer no balanço do orçamento alheio.

Para Nerling, a CGU "vinha se organizando e aprimorando os seus resultados nos últimos anos. Os indicadores eram positivos, incrementais, e a inteligência e expertise já de tempos incomodam [o poder]. Formar cultura institucional é difícil, leva tempo".

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"Uma reestruturação dessa magnitude é temerária, atingindo culturalmente e operacionalmente um órgão de controle do tamanho que chegamos a ter na CGU, ainda que não isento de críticas", explica.

Quem também se preocupa com a mudança é Paula Martins, diretora para a América do Sul da ONG Artigo 19, dedicada a defender o acesso à informação em todo o mundo. Além de ficar de olho nos outros ministérios, outra função da CGU era garantir o funcionamento da Lei de Acesso à Informação, que obriga o governo a tornar diversos documentos públicos – era ali que chegavam os recursos finais sobre a aplicação da lei.

"A realocação da CGU pode impactar essas funções e dificultar suas ações. O antigo posicionamento, como parte da Presidência, a colocava em uma posição interessante para monitoramento e diálogo com os outros órgãos. É difícil compreender a logística que se instalará, tendo em vista que seria uma relação entre órgãos similares, sem hierarquia" preocupa-se.

Além disso, existiam outros programas que podem sofrer cortes. "Na estrutura já instalada na CGU, tínhamos pessoal especializado que conhecia profundamente a Lei de Acesso à Informação e sua aplicação. Alguns projetos de promoção da lei, inclusive direcionados para além do executivo federal (monitorando a sua aplicação pelos municípios, por exemplo), estavam em andamento e não podem ser abandonados", completa Martins.

Administração pública é um bicho complicado, e no Brasil tende a ficar mais enredado ainda. Segundo Narlini, tentamos passar de um modelo "patrimonialista", ou seja, que atendia diretamente a quem estava no poder, para um modelo burocrático "à fórceps", com leis que vêm de antes da ditadura militar – no fim das contas, torce-se a burocracia e o Estado continua servindo aos seus mandatários acima de tudo.

"Cada um ou uma que chega, mais coronel que outro, já vai jogando tinta e formando camadas mais e mais pesadas, quem sabe, algum dia a casa cai. Penso que no Brasil, como de praxe, o provisório se torna definitivo e por isso existem instituições tão 'bolorentas' e cada vez mais, sem legitimidade, sem acreditação, seja interna ou externa", resume o professor.

A bagunça criada por Temer parece quase proposital, para minar o processo de transparência ainda nascente no país – só que, pior ainda, num governo "provisório". Narlini diz que o fim da CGU não é uma "manifestação oportuna" para quem quer sinalizar estabilidade econômica: "falta segurança jurídica, falta legitimidade institucional. Destruir o patrimônio imaterial e a cultura institucional não contribui para o aprimoramento democrático".

Agora, com o ministro que assume a ex-CGU enrodeado na audioteca de Machado, assomada com a fragilidade institucional do governo Temer – que é obrigado quase todos os dias a voltar atrás em sua improvisação governamental – talvez haja esperança para que a Controladoria volte a funcionar de maneira independente. Porém, isso não vai acontecer com Fabiano à frente da pasta.