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Música

Fazendo o que o Diabo Gosta

Colamos na Passeata Raul Seixas, cantamos clássicos e bebemos gorós misturados na Panela do Diabo

Há 24 anos, um dia antes de lançar seu então último disco em vida, Raul Seixas foi encontrado morto em casa. Ícone do rock and roll brazilis, esse cabeludo doidão deixou um legado de fãs, devotos fervorosos que reverberaram suas canções numa passeata que aconteceu ontem (21/08) no centro da cidade de São Paulo. Sem polícia, sem gás lacrimogêneo, sem integrantes de seita fazendo transmissão ao vivo. Foi um rolê dos loucos, pra alegria da comunidade roqueira, bêbada e saudosista.

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Xepah, Edy Star e Paulo Abraão num abraço frateno.

Lá, trombei com dois experts que há alguns bons anos frequentam a Passeata Raul Seixas, que rola anualmente desde os anos 1990 em São Paulo: os geógrafos Paulo Abraão (fundador da LSDiscos) e Xepah. Eles logo me levaram pra conhecer a grande estrela presente no lugar: Edy Star. Com algumas unhas pintadas de preto, ele estava abraçado com umas minas e com um copinho na mão. Quando descobriu de onde eu era, logo mandou um recado: “A VICE é muito moderna pra mim. Eu leio aqueles textos lá, mas só até a metade. Vai ter que dobrar a tiragem da revista com a minha foto, hein”. Edy gravou o disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 com Raul e outros dois fodões da música brasileira, Miriam Batucada e Sérgio Sampaio (o cara que queria botar o bloco na rua). Até começamos a trocar ideia, mas tinha muita gente querendo tirar foto com ele, então, resolvi deixar os fãs curtirem aquela entidade à vontade.

“Raul era popular. Aqui tem todo tipo de gente”, o Paulo falou. Cabeludos, hippies, motoqueiros, tatuados, tiozões, jovens, crianças, covers e ébrios de todos os estilos andaram do Teatro Municipal até a Praça da Sé fazendo o que o diabo gosta: jogando fumaça pro alto com seus devidos gorós na mão (calma, menos as crianças).

Às 18h, a passeata começou a andar. A maioria da galera já estava bêbada, empunhando latas de breja, garrafas de vinho, vodca da pior qualidade e garrafas pet com goró de cor duvidosa dentro. Os hinos do Raul eram entoados com emoção e saudade. Assim que chegamos na Sé, nosso parça Xepah pegou o violão de um dos malucos beleza e começou a tocar “Loteria da Babilônia”. Uma aglomeração humana se fez em volta dele, cantando ora com as mãos no peito, ora com as mãos paro o alto. Era só emoção.

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Não é pela aparência que a Panela do Diabo vai te conquistar, é pela tradição.

De repente, o Paulo me cutucou. Como profetizou Raul: “Enquanto Freud explica as coisas, o diabo fica dando toque”. O ápice da noite estava ali, aquela lenda: a Panela do Diabo. Taí um ritual colaborativo que deixaria qualquer organizador de coletivo/seita de queixo caído: numa panela, a galera vai jogando todo tipo de bebida alcoólica. Restos de cerveja quente, pinga, vinho barato. Cada um dá sua contribuição porque metamorfose ambulante pouca é bobagem.

Não resisti àquela bebida rosa alaranjada com consistência de vômito e, como muitos ali, botei a boca na panela e dei umas goladas corajosas.

Um barbudo empolgadão e gente boa vestindo (obviamente) uma camiseta do Raul deu muitos, muitos goles. Vacinado, cowboy fora da lei. Do meu lado, um moleque reconheceu o indivíduo: “Esse é meu professor de história!”. Que encontro maravilhoso.

Também conheci o Penna Seixas, cover do Raul que estava lá com seu filho, um molequinho muito daora que mostrou seu RG pra gente. O nome dele? Ah vá. Raul Seixas.

A festa não terminou cedo. Nossos trutas geógrafos ficaram decepcionados por não conseguirem fazer eu e a Aline, fotógrafa e videomaker da VICE, beber mais. A Panela do Diabo rodava de mão em mão, as pessoas ficavam cada vez mais bêbadas e nostálgicas. Em tom de confissão, o Xepah me falou que estava tão louco que nem se imaginava indo embora. Nem me despedi. Deixei a sociedade alternativa ali e fui pra casa tomar banho de chapéu.

Siga a Débora Lopes no Twitter: @deboralopes