A última divisão das escolas de samba do Carnaval de SP

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A última divisão das escolas de samba do Carnaval de SP

Treze escolas do Grupo 4 apelam para vaquinhas para colocar a agremiação na avenida.

Bateria da Cabeções da Vila Prudente. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Esqueça os carros alegóricos faraônicos, as fantasias luxuosas e as celebridades seminuas desfilando no Sambódromo do Anhembi. No Grupo 4 da UESP (União das Escolas de Samba de São Paulo), a sexta e última divisão do Carnaval paulistano, a festa é bem mais modesta, mas ainda assim levada a sério. Enquanto os orçamentos dos desfiles do Grupo Especial ultrapassam facilmente os R$ 2 milhões, a "Série F" faz milagre com cerca de R$ 50 mil para entrar avenida – no caso a Rua Alvinópolis, na Vila Esperança, bairro onde a última divisão se apresenta neste sábado (25).

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André Luís, presidente da Cabeções da Vila Prudente. Foto: Felipe Larozza/ VICE

"A gente tira leite de pedra", resume André Luís Jesus Reis, presidente da Cabeções de Vila Prudente. Nas escolas que fazem parte da última divisão, a falta de verba é regra sem exceção. Tem presidente que coloca dinheiro do próprio bolso, diretor que sai passando o chapéu pelo comércio do bairro e escola que faz rifa para arrecadar alguns trocados. A cota da UESP para o Grupo 4, composto por 13 escolas, é de R$ 18 mil parcelados em sete vezes. Quem estreia não tem direito a nada. A situação é bem diferente do Grupo Especial, repleto de patrocínios milionários.

Apesar das dificuldades financeiras, Carla exibe orgulhosa uma parte da fantasia da ala das Baianas na sede da Primeira da Aclimação. Foto: Felipe Larozza/ VICE

"Estou devendo cinco aluguéis e, se não conseguir pagar depois do Carnaval, vou ter que entregar meu carro", conta Vilza Carla Borges de Azevedo, diretora geral da Primeira da Aclimação. A escola fundada em 1980 já desfilou no Grupo Especial em 1994, mas entrou em declínio. Foi parar na última divisão e perdeu até a sede na Aclimação. Hoje o barracão improvisado fica nos Campos Elíseos, debaixo de um viaduto, em frente à Favela do Moinho.

"Percebi as humilhações que a gente passa para colocar uma escola na avenida. Mas a gente apela porque ama o que faz. Não só pelo prazer de ganhar, mas para continuar a viver do samba e pelo samba" — Vilza Carla Borges de Azevedo, diretora geral da Primeira da Aclimação

Carla fez uma rifa de um engradado de cerveja para arrecadar verba. Mas, dos 100 números, só vendeu 50. "Tenho que vender pelo menos mais 20 para pagar o engradado. Só falta eu ter que pagar do meu bolso!", protesta, com bom humor. Apesar da falta de dinheiro, a diretora demonstra orgulho pelas fantasias espalhadas pela quadra. O enredo deste ano é "Sou mascarado, esfarrapado e folião. Vem pro baile da Aclimação".

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Montagem do carro alegórico da escola de samba Primeira da Aclimação. Foto: Felipe Larozza/ VICE

"Percebi as humilhações que a gente passa para colocar uma escola na avenida. Mas a gente apela porque ama o que faz. Não só pelo prazer de ganhar, mas para continuar a viver do samba e pelo samba", defende. Enquanto isso, quatro homens trabalhavam freneticamente para transformar o carro alegórico do ano passado, repleto de entulho, pó e ferrugem, na alegoria deste ano. "Estamos fazendo um Carnaval para sermos campeões", confia o presidente Namur Scaldaferri, compositor de sete enredos vencedores pela Vai-Vai.

 "A verba é muito reduzida, então é criatividade pura. O pessoal recebe muita doação e trabalha bastante na questão da reciclagem", conta Kaxitu Ricardo Campos, presidente da UESP. O Grupo 4 das escolas de samba de São Paulo desfila no mesmo dia que as escolas do Grupo Especial, que conta com cobertura detalhada da imprensa nacional e internacional. Ainda assim, os dois eventos recebem igualmente cerca de 30 mil pessoas por dia. Só que no sambódromo o ingresso vai de R$ 90 a R$ 550, enquanto o desfile do Grupo 4 é aberto ao público.

Preparação das fantasias na quadra da Cabeções da Vila Prudente. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Apesar das dificuldades financeiras, a festa é levada a sério entre as escolas que sonham com um acesso ao Grupo 3. A última divisão, de onde sairão duas escolas pro Grupo 3, é avaliada com rigor semelhante ao do Grupo Especial, com jurados atentos a todos os quesitos e punições na pontuação de quem não cumprir o regulamento ou ultrapassar os 40 minutos de desfile. Há uma quantidade mínima exigida para componentes (300), para a ala da bateria (40) e até para a ala das baianas (12).

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Uma das agremiações que estreia na última divisão do Carnaval paulistano este ano, a Isso Memo sequer tem uma quadra para chamar de sua. A escola fundada em 2007 surgiu como time de várzea no Parque Peruche e recebeu o convite para desfilar no Grupo 4 há apenas quatro meses do Carnaval.  "Pedi para o nosso carnavalesco um enredo para sacudir a UESP e ele disse: 'William Shakespeare'. Eu perguntei: 'O que é isso? É um pintor?'", lembra Cláudio Scabin, o Lipão, taxista e presidente da Isso Memo, às gargalhadas.

Lipão, presidente da escola de samba Isso Memo. Foto: Felipe Larozza/ VICE

A escola ensaia o enredo "Shakespeare Apaixonado! Do gênio da teatralidade seus 400 anos de saudade!" em um terreno a céu aberto no Peruche, de propriedade da Prefeitura. Na semana passada, crianças do bairro colocaram fogo em uma construção dentro do terreno e incendiaram alguns materiais. Por pouco o fogo não se alastrou e atingiu o local onde todos os instrumentos da bateria da escola estão guardados.

"Eu estou apavorado com o meu carro alegórico. E vai dinheiro nesse negócio hein? Não quero mais nem atender telefone. Acabei de saber que falta cola para terminar a ala das crianças!" — Cláudio Scabin, presidente da Isso Memo

"Eu estou apavorado com o meu carro alegórico. E vai dinheiro nesse negócio hein? Não quero mais nem atender telefone. Acabei de saber que falta cola para terminar a ala das crianças!", conta Lipão. "O Peruche é um bairro de classe baixa pra média, não tem empresas. Nosso apoio é padaria, é bar. O jeito é passar o chapéu no comércio. Fora a nossa própria contribuição."

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Na sede da confecção do "tio" até o gato ajuda a Isso Memo. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Como não tem uma sede própria, as reuniões da diretoria da Isso Memo acontecem no escritório de contabilidade do tesoureiro da escola. Já as camisas e fantasias são produzidas em costureiras do bairro e na confecção do tio de Lipão, mais especializada em camisetas de reggae e rock. "O que não temos em luxo vamos compensar em organização. Quem sabe, se tudo der certo, no nosso primeiro ano já vamos ser contemplados com o Grupo 3. Seria uma utopia se tornando realidade", sonha Lipão.

Na Cabeções de Vila Prudente, as dificuldades também são imensas. A escola fundada em 1968 está de volta ao Grupo 4 após um período pleiteando a vaga e desfila com o enredo "Bahia de todos os santos por todos os cantos". Serão 11 alas e mais de 580 componentes. "O que a gente mais faz é tirar dinheiro do próprio bolso", afirma André Luís Jesus Reis, o presidente da Cabeções. "Eu banco uma parte, o (vice-presidente) Paulinho banca outra parte, buscamos ajuda na comunidade… Essa é a nossa luta."

"O que a gente mais faz é tirar dinheiro do próprio bolso" — André Luís Jesus Reis, presidente da Cabeções de Vila Prudente

Em termos de estrutura, ao menos, a Cabeções está relativamente bem servida. A quadra da escola fica debaixo de um viaduto na Vila Prudente, toda decorada com fitas verdes e rosas, com espaço de sobra para a bateria ensaiar – e para os ajustes finais nas fantasias. Já o carro alegórico estava do outro lado do viaduto, ainda puro ferro e sucata, em um terreno baldio repleto de entulho, a menos de uma semana do desfile.

André relembra o passado da Cabeções enquanto sonha com um futuro melhor para a escola. Foto: Felipe Larozza/ VICE

André explica que a escola reaproveita muitas fantasias de um ano para o outro e recebe doações de algumas escolas parceiras, o que ajuda a diminuir os custos. Mas a maior parte da verba vem da vaquinha da própria diretoria. Tudo pelo sonho de reerguer a Cabeções. Vale a pena? O presidente nem titubeia. "Vale. Quando você vê o trabalho na avenida, você vê que valeu a pena. Vê a escola bonita, a alegria da comunidade… A luta é árdua, massacrante. Mas a recompensa é maior."

@felipeseffrin

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