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Vice Blog

Todas as provas que encontramos do suposto envolvimento do pai de Donald Trump com a KKK

Arquivos vasculhados pela VICE mostram que o pai do pré-candidato republicano Donald Trump discriminava negros em seus negócios e, ao que tudo indica, vestiu o capuz de klansman.
Foto da primeira página do New York Herald Tribune, 31 de maio de 1927.

Mês passado, numa entrevista com o pré-candidato republicano à presidência dos EUA Donald Trump, o apresentador da CNN perguntou se ele repudiava o endosso do líder da Ku Klux Klan e celebridade do nacionalismo branco David Duke. Trump se recusou a comentar. "Não sei nada sobre David Duke", ele disse. Momentos depois, acrescentou: "Não sei nada sobre supremacistas brancos".

Trump voltou atrás em seus comentários e culpou o " fone ruim" por sua hesitação em condenar a KKK. A questão já foi arquivada entre as muitas outras declarações voláteis de Trump sobre raça e etnias na eleição atual – uma lista que inclui começar a campanha presidencial chamando os mexicanos de estupradores, pedir que os muçulmanos fossem proibidos de entrar nos EUA e dizer que um manifestante do Black Lives Matter que foi a um de seus comícios deveria "ter levado a pior".

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Mas o caso de David Duke relembra outra notícia recente: uma história que sugere que o pai de Trump, o falecido titã imobiliário de Nova York Fred Trump, usou a túnica e o capuz de um klansman.

Versões dessa história emergiram setembro passado, quando o Boing Boing encontrou um artigo antigo do New YorkTimes de maio de 1927 que listava Fred Trump entre os presos num comício da KKK no bairro de Jamaica, em Queens, Nova York, quando "mil klansmen e 100 policiais se enfrentaram nas ruas". O pai de Donald Trump tinha 21 anos em 1927 e morou a maior parte da vida no Queens.

Como o Boing Boing apontou, o Times lista o nome de Fred Trump como um dos sete indivíduos presos no comício e diz que ele foi solto sem receber acusações, o que pode significar que ele era apenas um espectador inocente preso erroneamente na sequência de um evento caótico.

Algumas semanas depois do Boing Boing desenterrar esse furo de 88 anos atrás, o New York Times perguntou a Donald Trump sobre a possibilidade de seu pai ter sido preso num evento da KKK. Donald negou tudo. Disse ao entrevistador Jason Horowitz que "isso nunca aconteceu" quatro vezes. Quando Horowitz perguntou se o pai dele tinha morado na Devonshire Road 175-24 – o endereço listado para o Fred Trump preso no comício de 1927 – Donald disse que a acusação era "totalmente falsa".

"Morávamos na Wareham", ele disse a Horowitz. "A Devonshire – sei que tem uma estrada 'Devonshire', mas não acho que meu pai tenha morado lá." Trump continuou negando tudo no relato do Times sobre o comício de 1927. "Isso não deveria ter sido escrito porque nunca aconteceu, número um. E número dois, ninguém foi formalmente acusado."

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Matéria do Long Island Daily Press , 22 de janeiro de 1936.

Registros biográficos confirmam que a família Trump morou em Wareham Place no Queens nos anos 40, quando Donald era garoto. Mas segundo pelo menos um artigo de jornal arquivado, Fred Trump também morou na Devonshire Road 175-24: segundo um anúncio de casamento de 22 de janeiro de 1936 do Long Island Daily Press, Fred Trump morava naquele endereço, e o nome da noiva era "Mary MacLeod", o nome de solteira da mãe de Trump.

No entanto, três outros artigos de jornal encontrados pela VICE contêm registros da prisão de Fred Trump no comício da KKK em maio de 1927 no Queens, o que parece confirmar o artigo do Times sobre os eventos daquele dia. Apesar das notícias não confirmarem se Fred Trump era mesmo um membro da KKK, elas sugerem que o comício – e as prisões subsequentes – aconteceram e envolveram o pai de Donald Trump, contrariando as negativas do candidato. Um quinto artigo menciona sete presos sem dar nomes e afirma que todos os indivíduos presos usavam trajes da KKK.

Artigo do Daily Star de 1º de junho de 1927.

Um relato de 1º de junho de 1927 de um comício da KKK no dia 31 de maio, num jornal do Brooklyn que não existe mais chamado Daily Star, especifica que Fred Trump "teve a acusação de se recusar a dispersar retirada". O artigo menciona sete prisões e afirma que quatro presos deveriam se apresentar no tribunal e que dois estavam sob condicional. Fred Trump foi o único a não ser acusado formalmente.

Artigo do Queens County Evening News de 2 de junho de 1927.

A reação da KKK à suposta brutalidade policial no comício era assunto de outro artigo, publicado pelo Queens County Evening News, em 2 de junho de 1927. A matéria fala sobre como a KKK estava distribuindo panfletos sobre o grupo ter sido "atacado" pela "Polícia Católica Romana de Nova York" no comício. O artigo menciona Fred Trump como "liberado" e dá o endereço de Devonshire Road junto dos nomes e endereços dos outros seis presos.

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Artigo do Richmond Hill Record de 3 de junho de 1927.

Outro artigo de um jornal local extinto, o Richmong Hill Record, publicado em 3 de junho de 1927, lista Fred Trump como um dos "klans presos" e também menciona o endereço de Devonshire Road.

Matéria do Long Island Daily Press de 2 de junho de 1927.

Outra matéria sobre o comício, publicada pelo Long Island Daily Press em 2 de junho de 1927, menciona os sete presos sem citar nomes e diz que todos usavam o traje da Klan. O artigo foca nas ações da polícia no comício e critica as autoridades por atacarem brutalmente os simpatizantes da KKK que tinham se reunido na parada do Memorial Day.

Apesar do Long Island Press não mencionar Fred Trump especificamente, o número de presos citados é consistente com os outros relatos do incidente. A matéria se refere a todos os presos como "manifestantes de túnica".

Segundo Rory McVeigh, presidente do departamento de sociologia da Universidade de Notre Dame, nos EUA, a versão da KKK ativa no Queens durante os anos 20 não participava necessariamente das atividades estereotípicas do grupo, como queimar cruzes e linchamentos.

"A KKK que se tornou muito popular no começo dos anos 20 defendia a supremacia branca, como a Klan original", McVeigh disse a VICE por e-mail. "Mas a esse respeito, isso não era muito diferente de muitos outros norte-americanos brancos do período." Em Nova York, acrescentou McVeigh, "a oposição da organização à imigração e católicos tinha um grande apelo para a maioria das pessoas que se juntavam ao grupo".

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Nenhum dos artigos prova que Fred Trump era um membro da KKK e, como o Boing Boing disse, ele podia ser apenas um espectador do comício. Mas enquanto Donald Trump está correto ao dizer que o pai nunca foi acusado naquele incidente de 1927, as outras declarações do candidato – que Fred Trump nunca morou na Devonshire Road 175-24 e, mais importante, que o envolvimento dele com a KKK "nunca aconteceu" – não parecem ser verdade.

A campanha de Trump não respondeu aos nossos pedidos para comentar a história.

Nas décadas seguintes ao comício de 1927, depois que Fred Trump já tinha começado a se tornar um desenvolvedor imobiliário rico e proprietário das casas de milhares de nova-iorquinos, ele enfrentou acusações de racismo, algumas relativamente discretas e informais. Nos anos 50, um de seus inquilinos, o ícone do folk Woody Guthrie, escreveu numa letra para uma música nunca lançada que Fred Trump tinha desenhado uma "linha de cor" em seu bairro no Brooklyn. "I suppose / Old Man Trump knows / Just how much / Racial Hate / He stirred up" ["Suponho que / O velho Trump saiba / Quanto / Ódio racial / Ele levantou"], continua a letra. Segundo a biógrafa de Trump Gwenda Blair, Fred Trump, que tinha ligações com a Administração Federal de Moradia nos anos 50, provavelmente lucrou com práticas racistas que o governo endossava na época.

Acusações formais de preconceito racial contra a imobiliária de Fred Trump se materializaram em 1973, por volta da época em que Donald estava tomando o controle da empresa. Num processo daquele ano, o Departamento de Justiça alegava que a Trump Management Corporation tinha violado a legislação de moradia Fair Housing Act de 1968 ao negar sistematicamente aluguel para pessoas "por causa de raça e cor". Fred Trump, testemunhando como presidente da companhia, disse que " não estava familiarizado" com o Fair Housing Act e que não tinha mudado as práticas de negócio depois que a lei federal entrou em vigor.

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Em 1975, os Trumps fizeram acordo com o governo para resolver o processo sem admissão de culpa. Segundo uma história do New York Times de 11 de junho de 1975, a Trump Management Corporation "prometia não discriminar negros, porto-riquenhos e outras minorias". Mas, em 1978, o Departamento de Justiça abriu outro processo de discriminação contra a companhia: alegava que os Trumps não estavam cumprindo o acordo original de 1975.

Uma matéria de 1979 do Village Voice contava a ascensão do império imobiliáriode Trump incluindo alegações de discriminação racial. Segundo o Voice, quando havia vagas nos prédios de Trump, os formulários de aluguel eram secretamente marcados com a raça dos candidatos, e os porteiros eram treinados para desencorajar pessoas negras que quisessem alugar um apartamento. Às vezes, a imobiliária mandava os corretores não alugarem para pessoas negras. Em 1983, a Divisão Estadual de Moradia de Nova York investigou dois residenciais "Trump Village" e descobriu que a ocupação deles era 95% branca.

Nos anos seguintes, enquanto Donald Trump se tornava uma celebridade de tabloides, ele ganhou uma reputação por agitar o público com questões raciais. Em 1989 ele foi criticado nacionalmente por um anúncio de página inteira em vários jornais de Nova York que alertava sobre "bandos de criminosos selvagens" à solta e pedia a volta da pena de morte, numa referência velada ao Caso dos Cinco do Central Park. Mais recentemente, na esteira da corrida presidencial, ele reacendeu as conspirações de direita sobre o local de nascimento de Barack Obama e mandou uma equipe de investigadores ao Havaí a fim de descobrir as verdadeiras origens do presidente.

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Sendo assim, o fato de que raça se tornou uma parte central da campanha de 2016 de Trump não deveria ser uma surpresa. Apesar da insistência do próprio Trump de que ele é "a pessoas menos racista que você já conheceu", gente abertamente racista como Duke está muito feliz com a " insurgência" que Donald teria desencadeado. Trump pode rejeitar seus endossos, mas isso não quer dizer que eles o rejeitam.

Tom O'Donnell fez a pesquisa de arquivo para esta matéria.

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Tradução: Marina Schnoor

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