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Explorando a filosofia por trás das mulheres que cagam em supermercados

Se Foucault estava certo, esta não é a coisa mais racional a se fazer.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Holanda.

Chega um ponto em que temos que admitir que algo virou tendência. Algumas semanas atrás, quando o vídeo de uma mulher cagando num supermercado apareceu na internet, atingimos o ponto da tendência com outras pessoas defecando em demais estabelecimentos comerciais. O vídeo mostra uma mulher agachando atrás de caixas de cerveja, usando o chão encerado como privada.

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Não é um traço incomum da modernidade classificar qualquer comportamento desviado da norma como "louco", banido para as margens da sociedade. Mas neste caso, como jornalista, senti que tinha o dever moral de investigar isso. Joguei "pessoas cagando em supermercados" no Google e 10 vídeos apareceram. Em oito deles, os perpetradores eram mulheres — uma maioria digna de exploração. Mas percebi também que como elas são mulheres anônimas capturadas em filmagens granuladas, era impossível rastreá-las. Então apliquei uma abordagem filosófica, me colocando no lugar das cagonas para analisar sistematicamente suas motivações hipotéticas…

Uma mulher caga num supermercado Albert Heijn em Hoofddorp, na Holanda.

Às vezes não dá pra segurar
A explicação mais simples para os cagões de supermercado parece ser que a pessoa não conseguiu se segurar. Não acredito muito nisso. Supermercados têm banheiros. E no vídeo acima, de uma garota largando um barro num supermercado de uma das maiores cadeias da Holanda, ela mostra o resultado para a amiga no final. Se você estivesse tão desesperada assim para agachar no corredor de hortifrúti, você não ia querer mostrar o "presentinho" para sua amiga.

Vingança pessoal
O cocô é um símbolo forte de vingança. É um símbolo institucionalizado de ódio — como quando a banda The Levellers mandou um cocô de cachorro para um jornalista da NME. A Shitexpress.com até entrega merda para alguém que você odeia por um preço. Então talvez essas mulheres estejam muito putas com alguma coisa. Talvez a pizza congelada da sadia tenha vindo com pouco queijo na cobertura. Ou elas pagaram 12 paus no pacote de rolinho de salsicha vencido, ou a salada de frango delas veio com um cabelo. Mas isso gera outra pergunta — por que usar essa forma particular de vingança? Reclamar no Facebook da Sadia provavelmente rende umas pizzas grátis. Mas talvez nada seja mais doce que a Vingança de Montezuma.

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Agachando atrás das caixas de Jupiler.

Uma declaração política
Na nossa sociedade capitalista, as cadeias de supermercado substituíram o leiteiro e o açougueiro. O CEO da Ahold ganha quase quatro milhões de euros por ano, enquanto um estoquista de 19 anos recebe 5,96 euros por hora [cerca de R$25]. Karl Marx previu que o proletariado iria se revoltar se houvesse consciência de classe suficiente. Essa teoria é brilhante porque isso não pode ser fingido: que a revolução não tenha acontecido ainda não significa que ela nunca irá acontecer, apenas demonstra que ainda não existe consciência de classe suficiente para que ela aconteça. Então isso pode muito bem ser o começo.

Uma pegadinha
Talvez eu esteja pensando demais nisso, tentando enfiar um valor simbólico ou político na história. E se isso for apenas uma piada, uma pegadinha inocente para ver a reação dos empregados dos supermercados? Se você tiver sorte, um cliente pode pisar no troço no caminho para o corredor de laticínios — imagine o caos! Mas se você se desse todo esse trabalho só para ser idiota, você ficaria para ver o resultado, certo? Porém, todas as mulheres do vídeo dão o fora depois do trabalho feito.

Um dever feminista
Como a maioria das culpadas são mulheres, o feminismo não pode ser excluído como motivo. Mas como deixar um tolete no meio da seção de bolachas é uma declaração sobre igualdade de gêneros? O supermercado é o verdadeiro símbolo do patriarcado? É um lugar onde os papéis de gênero são forjados com jornaizinhos de oferta e comerciais de TV voltados para público feminino? A Simone de Beauvoir queria dizer: "Não se nasce mulher, se torna mulher no supermercado"?

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Falta de disciplina
É possível imaginar uma coisa assim: preciso cagar, foda-se, não vou procurar o banheiro, ninguém está vendo mesmo, vou fazer aqui. Isso implica uma total falta de empatia com os empregados que vão ter que limpar a merda, mas também uma renúncia completa das normas sociais. Seres humanos não se transformam em bestas no momento em que ficam sozinhos. Por causa da vigilância constante, ou a ideia da possibilidade de vigilância constante — como o Panóptico, as pessoas são disciplinadas. Não, se Foucault estava certo, esse não pode ser o motivo.

Uma escolha racional
Você pode estender o pragmatismo ao infinito, pode concordar que um cocô no chão de um supermercado não é tão diferente de uma lata estourada de feijão cozido. Mas é um negócio sujo e alguém vai precisar limpar. Com uma lata de feijão todo mundo sai perdendo — com uma cagada, pelo menos uma pessoa sai do supermercado feliz e aliviada.

Um experimento social
A realidade social é feita de milhões de pequenas regras, como "respeite os idosos" e "não cague no supermercado". Para revelar as letras miúdas das nossas trocas sociais, o sociólogo Harold Garfinkel pensou nos chamados "experimentos de ruptura", no qual as regras sociais eram quebradas para pesquisar a reação das pessoas. Então é possível que as cagonas de supermercado estejam a serviço da ciência social.

Direitos humanos
Podemos considerar que supermercados sem banheiros estão violando os direitos humanos — especialmente depois que a ONU aceitou a resolução 64/292 de "O direito humano à água e saneamento". Ter que seguir um empregado menor de idade até o banheiro dos funcionários pode ser uma experiência humilhante, indigna de um ser humano. Então, pensando de maneira um pouco criativa, você pode concluir que é melhor se agachar discretamente entre a seção de rações e a de produtos de limpeza. Se não acha um bicicletário, você prende sua bicicleta numa árvore, certo?

Sonambulismo
Sonambulismo faz as pessoas fazerem coisas normais em lugares anormais. Já ouvimos histórias de gente mijando na geladeira às duas da manhã ou acordando dentro de uma caixa. Mas se vestir e entrar num supermercado porque você está sonhando que está no banheiro é um pouco improvável. Além disso, dá pra ver nos vídeos, as mulheres conferem os arredores antes de se agachar, ou mostram o cocô para a amiga, o que derruba essa hipótese.

Conclusão
Está claro que há toda uma variedade de hipóteses alternativas de por que as mulheres cagam em supermercados. Por exemplo: necessidade de atenção, economizar com água e papel higiênico, perder uma aposta. As possibilidades são infinitas. Mas essa matéria deve ser vista como uma primeira tentativa de explicar esse tipo peculiar de comportamento humano que não podemos mais ignorar.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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