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Desastre em Mariana

O morador que perdeu as economias da vida - pela segunda vez - no desastre de Bento Rodrigues

Depois de perder suas economias por conta do plano Collor, o comerciante José Barbosa dos Santos perdeu sua poupança de 25 anos com o estouro das barragens em Minas Gerais.
José Barbosa dos Santos
Seu José Barbosa dos Santos relata suas perdas materiais e financeiras. Foto: Susan Ritschel/Ava Notícias
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Seu José Barbosa dos Santos relata suas perdas materiais e financeiras. Foto: Susan Ritschel/Ava Notícias

O pequeno comerciante José Barbosa dos Santos, 68, conta que deixou de confiar em bancos quando teve sua poupança bloqueada pelo plano Collor, lançado em março de 1990. Desde então, tudo o que conseguia economizar, guardava atrás do guarda-roupa de sua casa, em Bento Rodrigues. Na última quinta-feira (5), a lama que vazou das barragens da mineradora Samarco que se romperam destruiu a casa, e, junto, o armário com os R$ 60.000 acumulados.

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Criado para combater a hiperinflação de 1.782% no ano anterior, o plano Collor previa, entre outras medidas, o confisco das poupanças por 18 meses, permitindo, no período, o saque máximo de 50.000 Cruzados Novos, equivalente as R$ 9.000 atualmente. José diz que o valor cobria as depesas de um mês, e que o resto acabou perdido em meio às medidas do então presidente Fernando Collor de Mello.

"Até aquele plano, a poupança rendia muito na época. Em um mês você tinha 1.000 "contos", eu não lembro qual era a moeda em 1990, e no mês, já era 2.000", relembra animado, sem levar em conta que a inflação se aproximava dos 100% ao mês.

Pau-de-arara, eucalipto e garimpo
Barbosa chegou em Bento Rodrigues em 1970, vindo de Governador Valadares, a cerca de 300 km, "junto com mais 40 pessoas em cima de um caminhão sem toldo, sem nada" - conhecido como pau-de-arara. Havia sido recrutado por uma empresa de reflorestamento de eucalipto.

Na hora do almoço do primeiro dia de trabalho já não tinha mais sapato, o salto fora arrancado. No fim do primeiro mês, com o primeiro salário, se animou e resolveu ficar. E ficou até hoje. Passou 13 anos na função, quando a empresa diminuiu o serviço e ele foi demitido. "Aí eu comecei a garimpar um pouco de ouro, aqui em Bento Rodrigues, mesmo, de forma manual, para pagar as contas", conta. "Fui construindo a vida mais ou menos, até abrir um 'comercinho'".

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Ao fundo, casa do filho e comércio de seu José. Foto: GB

Quando as barragens de Fundão e Santarém se romperam, lançando milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração de ferro por dezenas de quilômetros, Barbosa tinha quatro imóveis. Trabalhava no mercado, onde no segundo andar morava um dos filhos, quando a mulher, em casa, a 300 metros, soube da tragédia e correu para fugirem a pé para um local seguro no alto do morro.

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"A minha mulher tinha arrumado a casa do jeito que ela queria. Banheiro no quarto; escolheu os móveis, tudo branquinho. Mas não conseguimos aproveitar nem por 6 meses".

Segurança
Barbosa conta que quando chegou a Bento Rodrigues, em 1970, ainda não havia a mineradora. E que nas reuniões feitas entre a empresa e os moradores de Bento Rodrigues, sempre foi falado que as barragens "eram 100% seguras".

"Uma empresa tão falada, você não desconfia, né?", avalia. Sobre o tremor de terra que teria causado os rompimentos, ele desabafa: "Não sentimos nada; tremor que nada! Eles falam que houve o tremor para dizer que foi coisa de Deus, mas isso não é coisa de Deus nada. É coisa do homem mesmo."

Por ironia do destino, nem a poupança nem a barragem estavam seguras e ambas o afetaram de modo decisivo. "a gente só não morreu, porque nosso mundo mesmo foi arrasado." E lamenta."O Bento era pequeno, nós éramos uma família. E agora tem muita gente que eu não vi mais, espalhada por aí".

Alojado em um hotel em Passagem de Mariana junto com outras vítimas de Bento Rodrigues, ele agora teme não recuperar este dinheiro, já que não tem como comprovar sua existência, mesmo o incluindo em um cadastro feito pela Samarco relatando bens perdidos na tragédia.

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Bombeiros fazendo busca por ar em Bento Rodrigues. Foto: GB/Ava Notícias