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terrorismo

Como o Estado Islâmico consegue seus drones

Um sofisticado esquema de identidades falsas e empreendedores de TI abastecem a frota que ainda aterroriza o Oriente Médio.
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
Mariana Miyamoto
Traduzido por Mariana Miyamoto

O Estado Islâmico não foi completamente derrotado. Ainda que não chegue perto do crescente Califado em 2015, tropas do grupo terrorista e afiliados ainda são uma presença mortal no Iraque, na Síria, na África e no Afeganistão. Como tem perdido terreno, o Estado Islâmico aderiu a novos e não-tradicionais métodos de ataque – incluindo o uso de drones para jogar bombas em seus inimigos.

Os drones são os típicos quadricópteros de prateleira que são comprados em outros países e então enviados para as fronteiras do Estado Islâmico e modificados em fábricas antes de estarem aptos para serem usados no campo de batalha. Quem luta contra o Estado Islâmico teve bastante dificuldade para enfrentar essa tática. “Teve um dia, no começo de 2017, que o esforço iraquiano chegou a um ponto quase insuportável, quando literalmente em um período de 24 horas tiveram 70 drones no ar,” disse o general Raymond Thomas – o cabeça do Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos – durante uma conferência em 2017. “Em um momento havia 12 ‘abelhas assassinas… acima das nossas cabeças… e nossa única resposta disponível eram algumas pequenas armas de fogo."

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Um novo relatório do Centro de Combate ao Terrorismo de West Point explicou como o Estado Islâmico constrói sua frota de drones a baixíssimo custo e também a fascinante história de seu complexo sistema de abastecimento. “O programa parece ter sido desenvolvido por dois irmãos bengaleses que investiram em empresas no Reino Unido, Bangladesh e Espanha”, segundo o relatório. Os irmãos criaram várias empresas-fantasma para encomendar os drones e então enviá-los aos vários afiliados do Estado Islâmico ao redor do mundo.

No auge dos ataques de drones, na primavera de 2017, as forças de coalizão estavam tentando tirar Mosul das mãos do Estado Islâmico no norte do Iraque. Na época, o Estado Islâmico realizava entre 60 e 100 operações de bombardeio por drones a cada mês. Um membro das Forças de Defesa da Síria disse a um jornalista da France 24, na cidade de Raqqa, que suas rotas de suprimento estavam sendo atacadas de 15 a 16 vezes por dia.

É muito drone trabalhando muito. Dá muito trabalho enviar todos esses robôs voadores para uma zona de guerra e, de acordo com CTC, isso se deve em sua maior parte a Sujan e Ataul Haque Sobuj. Os dois eram empreendedores na área de TI em Bangladesh onde fundaram uma filial local do Estado Islâmico e começaram a transformar seu império tecnológico na rede de abastecimento da frota de drones do EI.

Os irmãos abriram empresas de fachada no Reino Unido, na Espanha e em Bangladesh e então usavam essas empresas pra enviar dinheiro e suplementos às fronteiras. Eles comandavam cinco empresas-fantasma só no Reino Unido. Ao mesmo tempo em que forneciam drones ao Estado Islâmico, eles usavam suas várias conexões de negócios pra construir legítimas relações com empresas na Dinamarca, na Austrália e nos Estados Unidos pra manter uma aparência de legitimidade.

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De acordo com relatos da BBC e da Lawfare, Sujan renunciou publicamente seus vínculos com o Ocidente e foi viver e lutar nas fronteiras da Síria. Ele morreu em um bombardeio da coalizão de Raqqa em 2015, mas a cadeia de fornecimento que ele e seu irmão construíram estavam trabalhando em tempo integral pra transferir dinheiro e enviar drones ao Estado Islâmico. Na época, autoridades americanas já estavam observando os irmãos, que inclusive enviavam dinheiro aos simpatizantes do Estado Islâmico nos EUA para realizarem operações terroristas em território americano.

A cadeia de abastecimento funcionava da seguinte maneira: os irmãos usavam suas empresas para comprar drones e peças de drones de nove fabricantes diferentes do Canadá ou dos Estados Unidos. Quando podiam, faziam as transações via PayPal e usavam nomes ocidentais falsos. Sujan e seu irmão usavam diferentes empresas e diferentes pseudônimos para comprar outras peças para os drones – como câmeras, GPS e antenas para aumentar o alcance do controle do piloto. E então um outro grupo de empresas em um país diferente empacotava e enviava essas peças a outro país, geralmente a Turquia, próximo à fronteira onde fariam seu percurso até a Síria.

A rede interligada de empresas, pseudônimos e contas bancárias tornava difícil para qualquer um descobrir o que se passava. Parecia apenas que alguns amadores estavam comprando drones por hobby. “Essas compras, que em sua maior parte foram entregues em uma cidade ao lado da porta de entrada para o Estado Islâmico, mostram o quão fácil foi para os agentes do Estado Islâmico comprar peças de drones de vendedores ocidentais na época”, disse o relatório da CTC.

Várias agências, inclusive um grupo independente chamado Conflict Armament Research (CAR), foram capazes de identificar algumas partes da rede de abastecimento de drones depois de investigar quadricópteros derrubados. O grupo recuperou nove drones que, segundo eles, foram comprados de sete diferentes fornecedores em cinco países diferentes. Um drone foi comprado de um site indiano em agosto de 2016, ativado na Inglaterra em novembro do mesmo ano, e recuperado num campo de guerra no Iraque pouco tempo depois.

O Estado Islâmico continua fugindo e sua cadeia de abastecimento de drones descrita no relatório foi em sua maior parte quebrada. Mas está longe de ser derrotado e provou que drones amadores podem facilmente se tornar armas de guerra. Provou também que qualquer pessoa inteligente com vastos recursos pode explorar o mercado e enviar armas de guerra para vários lugares do mundo e para as mãos de terroristas no aguardo. Drones são uma nova arma de guerra e o que estamos vendo é apenas o começo do seu uso.

Esta matéria foi originalmente publicada na MOTHERBOARD US .
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