Duas fotos diferentes de Avril Lavigne
A teoria da conspiração de que Avril Lavigne morreu e foi substituída. 

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Por que nosso cérebro curte tanto teorias da conspiração com celebridades?

Threads no Twitter, vídeos no YouTube. Hoje, narrativas alternativas sobre celebridades circulam mais rápido que nunca.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez

Você pode não comprar nenhuma das teorias da conspiração sobre o homem nunca ter ido à lua de verdade, mas deve ter acompanhado pelo menos uma história maluca envolvendo uma celebridade. Daquela coisa da Avril Lavigne ter morrido em 2003 e sido substituída por sua sósia Melissa, assim como a brasileira Anitta, até a ideia bizarra que Nicolas Cage é um vampiro da Era Vitoriana, quanto mais louca a teoria, mais pessoas vão acreditar ou pelo menos se entreter com a narrativa. Enquanto houver uma prova duvidosa – no caso da teoria da Avril, o pessoal passou horas circulando várias sardas e analisando a linguagem corporal dela em busca de pequenas diferenças – a conspiração está valendo.

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Teorias da conspiração são manchete por razões bem mais sinistras; em parte graças a um ex-executivo das Sopas Campbell que mentiu que o CEO da empresa, George Soros, estava secretamente enviando ajuda e mantimentos para os refugiados viajando para os EUA na chamada “caravana de imigrantes”. Há várias outras conspirações conhecidas por aí que são levadas muito mais a sério: o 11 de Setembro ter sido um trabalho interno, por exemplo. A maioria das pessoas ignora essas tramas hipotéticas; as considerando pura ilusão, ou – no caso da conspiração de Soros – mentiras espalhadas deliberadamente com a intenção de alimentar o ódio e a inquietação entre quem é suscetível.

Ainda assim, quando se trata de relacionamentos gays secretos entre cantores de boy bands famosas, popstars clonados e espectros de músicos de bandas assassinados pairando em fotos do grupo de K-Pop BTS, a gente fica viciado. Também não estou acima disso – na verdade, passei uma manhã inteira analisando essa apresentação de Powerpoint detalhada sobre como o último disco da Lorde, Melodrama, contém centenas de dicas bastante improváveis sobre um caso dela com o produto Jack Antonoff, pelas costas da ex-namorada dele, Lena Dunham. Se as especulações rendem alguma coisa factual dificilmente importa, e frequentemente teorias sobre celebridades são baseadas em ironia. Os autores provavelmente sabem muito bem que a Lorde não é a causa direta da eleição de Trump, porque o caso dela distraiu Lena Dunham de seu trabalho na campanha da Hillary Clinton, assim como sabem muito bem que Taylor Swift não é realmente a satanista Zeena LaVey. Em vez disso, talvez seja só divertido suspender nossa descrença por um segundo, e fazer um comentário interessante sobre o mundo estranho em que vivemos.

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“O mundo é um lugar complexo”, diz o Dr. Daniel Jolley, professor sênior de psicologia na Universidade de Staffordshire. “Temos muitas demandas diferentes, então nosso cérebro desenvolveu atalhos cognitivos. Isso nos permite responder mais rápido – mas uma desvantagem é que isso nem sempre trabalha a nosso favor”, ele continua, explicando por que o cérebro humano é tão atraído para os conteúdos de conspiração. “Um atalho cognitivo – ou viés cognitivo – é o viés de proporcionalidade. Isso é quando acreditamos que um evento significativamente grande só pode ser explicado por algo igualmente grande.” Ele dá o exemplo da Princesa Diana. Na verdade, ela morreu num acidente aleatório; uma batida de carro que aconteceu num túnel de Paris.

Mas uma teoria muito conhecida diz que a morte dela foi uma grande conspiração do governo do Reino Unido. Nos anos seguintes à morte de Diana em 1997, a Polícia Metropolitana britânica lançou uma investigação – a Operação Paget – para investigar se essas teorias tinham algum fundamento. Depois de anos de investigação, eles derrubaram 175 teorias diferentes sobre o acidente.

“Quando grandes eventos acontecem, nossos cérebros são levados a fazer essa conexão; grandes eventos igual a grande causa!”, diz o Dr. Jolley. “Esse é só um exemplo do viés cognitivo que temos.”

No caso de celebridades, ele acrescenta, esse viés de proporcionalidade se aplica. “Com celebridades, elas já atraem atenção naturalmente porque são figuras muito conhecidas, e as pessoas têm mais chances de fazer a conexão de viés de proporcionalidade envolvendo essas figuras”, aponta.

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“Teorias da conspiração são tão atraentes porque são polêmicas e entretêm”, diz o Dr. Jolley. “Sentir que você tem um conhecimento único que te separa dos outros pode ser muito atraente para algumas pessoas.”

Também tem o fato que celebridades já vivem à beira da paródia. Lembra aquela bizarrice da Kim Kardashian gastar $1.500 numa “máscara facial de vampiro” feita de sangue? Ou quando a Gwyneth Paltrow começou a pregar sobre os benefícios de saúde de limpar a vagina com vapor? E quando a Barbra Streisand clonou sua cachorra falecida, Samantha, e levou os clones para visitar o túmulo da original? Exatamente. Então talvez a teoria do clone da Avril não seja tão louca assim.

“Acho que é exatamente esse o caso”, concorda Julia, que confessa ser obcecada por teorias e que acredita que o ridículo da vida dos famosos só aumenta essa atração. “Particularmente com teorias como a Britney Spears estar na folha de pagamento da Casa Branca: [diziam] que ela sempre fazia alguma loucura quando dava merda no governo Bush para distrair o público. A vida da Britney era insana, e toda essa indústria é zoada”, acrescenta Julia, “então se alguma coisa nisso fosse verdade, eu honestamente não ficaria tão surpresa”.

A história de que a Beyoncé usou uma barriga falsa para fingir que estava grávida, por exemplo, não envolve nenhum tipo de trama global sinistra. Na verdade isso diz mais sobre como reagimos à sexualidade das mulheres.”

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E Chloe – outra entusiasta cuja teoria favorita é a ideia que Taylor Swift é uma “barba de aluguel”, paga para dissipar boatos sobre famosos serem gays – reconhece que a natureza elusiva das figuras públicas também contribui para esse apelo. “Muitas celebridades são muito resguardadas sobre sua vida pessoal. Quando você vai fundo num fandom específico (ou só é obcecado por celebridades no geral) é natural querer preencher as lacunas com sua própria imaginação.”

“Também ajuda se a celebridade é aparentemente 'normal' e não tem nenhuma história louca ligada a ela”, me diz Julia. “E tem muitas evidências que me fazem amar ainda mais uma teoria – particularmente fotos e vídeos, que tornam tudo mais convincente. Admiro muito o trabalho que algumas pessoas se dão para te convencer dessas ideias.”

As redes sociais têm um papel importante na popularidade de teorias que antes ficavam só em fóruns de nicho. Agora as narrativas alternativas bizarras sobre celebridades circulam mais rápido que nunca, na forma de threads detalhadas no Twitter, vídeos no YouTube e arquivos de provas profundos como essa Dissertação de Harry & Louis no Tumblr. Graças a internet, é possível juntar centenas de fotografias da Avril lavigne online, e circular manchas e diferenças na esperança de provar que na verdade ela foi substituída por uma sósia, assim como é fácil passar por todos os 'likes' e comentários recentes de um famoso no Instagram em busca de pistas. Não importa quão remota seja uma teoria, há uma boa chance de ter pelo menos alguma evidência de apoio disponível com alguns cliques.

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“Muitas vezes você pensa 'não pode ser verdade'”, concorda Julia. “O entretenimento da thread no Twitter seguindo [a teoria da Avril Lavigne] era espetacular e era muito divertido ler. Não acho que tenha alguma coisa realmente ruim nisso – a menos que seja uma teoria muito perturbadora que possa realmente afetar a vida dos envolvidos.”

Enquanto teorias da conspiração tradicionalmente são associadas com grandes eventos mundiais, muitas das histórias cercando celebridades são relativamente menores. A história de que a Beyoncé usou uma barriga falsa para fingir que estava grávida, por exemplo, não envolve nenhum tipo de trama global sinistra. Na verdade isso diz mais sobre como reagimos à sexualidade das mulheres. Talvez, para algumas pessoas, é mais fácil aceitar uma teoria da conspiração do que a ideia de que uma pop star perfeita fez sexo e depois engravidou. Vamos encarar, pouca gente consegue imaginar a Beyoncé grávida gritando com o Jay-Z porque estava com desejo de manteiga de amendoim. Talvez as teorias de gravidez falsa são tão comuns por essa razão – uma gravidez real quebraria a ilusão.

Pense em conspirações prejudiciais com efeitos visíveis no mundo real – o conceito de “fake news”, ou a teoria particularmente perturbadora de que Emma Gonzalez, a estudante da Flórida que se tornou ativista depois do atentado na escola de Parkland, é uma “atriz de crise” contratada – e todas elas têm uma coisa em comum. Elas servem para o propósito de distorcer o pensamento para um viés ou ideologia política específica. Quando as pessoas não veem suas crenças representadas no mainstream, elas criam sua própria mídia, e acusam o mainstream de ter uma agenda corrupta.

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Mas especulações casuais sobre o suposto longo relacionamento de Taylor Swift com Karlie Kloss, por exemplo, que dificilmente vai causar algum dano tangível, vêm de um lugar similar. Conduzindo uma narrativa onde uma das maiores estrelas do pop pode ser LGBTQ, você tem uma representação queer onde há muito pouca. E enquanto as pessoas racionais percebem que o movimento de “fake news” varrendo o mundo agora é uma ameaça perigosa, ou que as especulações bizarras sobre o 11 de Setembro são preocupantes, escândalos imaginários envolvendo nossas celebridades favoritas são consideradas jogo limpo.

Enquanto é verdade que a maioria das teorias da conspiração com celebridades são relativamente inofensivas – Justin Bieber, por exemplo, provavelmente não está preocupado com a ideia de que algumas pessoas acham que ele é um reptiliano que muda de forma – há um limite claro. A conspiração de que JonBenét Ramsey (uma miss infantil brutalmente assassinada em 1996) não morreu e na verdade cresceu para se tornar a Katy Perry é de muito mal gosto. E no caso dos “Larry shippers” – que acreditam que os membros do One Direction Louis Tomlinson e Harry Styles têm um relacionamento gay – a busca constante por evidências teve repercussões no mundo real. “Quando [a teoria da conspiração] surgiu, eu estava com a [minha namorada] Eleanor [Calder], então foi um pouco desrespeitoso”, Louis disse ao The Sun. “Sou muito protetor dessas coisas, das pessoas que amo. Então isso criou uma atmosfera entre nós onde todo mundo estava sempre observando o que fazíamos”, ele disse sobre sua amizade com Styles.

Segundo o Dr. Daniel Jolley, que pesquisa as consequências significativas e prejudiciais que teorias da conspiração podem ter nos sistemas políticos, é importante não se deixar levar muito. “Em isolamento, acreditar numa teoria de conspiração de celebridade – por exemplo, que a Beyoncé é um robô – dificilmente vai ter um grande impacto no indivíduo ou na sociedade”, ele diz. “Mas teorias da conspiração podem aumentar a desconfiança, incerteza e impotência – se as pessoas conspiraram sobre esse evento, elas podem ter conspirado sobre outros? Isso pode começar um ciclo de questionamento sobre outros aspectos da vida, como se as mudanças climáticas são mentira e se vacinas são mesmo seguras. Sabemos por pesquisa que – por exemplo – ser exposto à ideia de que as mudanças climáticas são hoax pode reduzir a probabilidade das pessoas tentarem reduzir sua pegada de carbono”, diz Jolley. “Isso tem impacto não apenas no indivíduo, mas na sociedade. Teorias da conspiração podem impactar as pessoas de formas significativas.”

Em outras palavras, é relativamente inofensivo inventar narrativas ridículas sobre celebridades. Só garanta que elas continuem consignadas ao reino da ficção.

Matéria originalmente publicada pela i-D Reino Unido.

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