Ariana Grande e Soulja Boy
Soulja Boy no clipe de "Pretty Boy Swag" e Ariana Grande no clipe de "7 rings". Crédito: reprodução

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O que pode ser considerado plágio na música pop do século 21?

Entre roubos de flows e refrões parecidos, investigamos quais são os parâmetros éticos e artísticos que definem quando a referência vira cópia.

Em 17 de janeiro de 2019, Ariana Grande quebrou o recorde de música com mais streams em 24 horas com "7 rings", segundo single de seu álbum thank u, next. A faixa, que já conta mais de 200 milhões de visualizações no YouTube, também tornou Ariana a quinta artista da história (seguindo Britney Spears, Mariah Carey, Drake e Justin Bieber) a ter dois ou mais singles que estrearam em primeiro lugar na Billboard Hot 100, onde "7 rings" continua desde então. Ela ocupa, também, o topo da playlist das 50 faixas mais tocadas globalmente do Spotify.

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Mas o sucesso de "7 rings" não veio de graça para Ariana. Algumas horas depois do lançamento do som, a rapper Princess Nokia postou um vídeo (agora já deletado) em sua conta do Twitter que acusava a cantora de ter plagiado sua faixa "Mine" (2017), no refrão e no tema sobre cabelo. Um dia depois, seguindo acusações feitas internet afora de que Ariana também teria copiado o refrão de "Pretty Boy Swag", lançada em 2010, Soulja Boy pediu em um tweet que a cantora parasse de roubar seu swag. "Spend It", do 2 Chainz, também foi citada pela similaridade com "7 rings", mas o assunto não foi discutido pelo rapper — que inclusive participou do remix oficial da faixa de Ariana e fez referências à sua própria em seu verso.

O grande hit de Ariana provavelmente será só mais uma das faixas a entrar no grande rol de músicas acusadas de plágio ao longo da relativamente curta história da música pop. Aposto que alguns casos clássicos vêm à mente logo de cara: quando Rod Stewart plagiou o Jorge Ben, a Lana Del Rey que plagiou o Radiohead (que já tinha plagiado o The Hollies), o Tribalistas que supostamente copiou o Sly and the Family Stone… O fenômeno se tornou comum, e até hoje continua acontecendo com alguma frequência.

Desde setembro de 2018, uma dupla sertaneja goiana está movendo um processo contra Marília Mendonça pelo hit "Ciumeira", que teria sido copiada de "Panfleto de Rua", uma música gravada por eles em 2009. O rap nacional também sofre com as atribuições de plágio, principalmente via as já populares acusações de roubo de flow: em dezembro, logo após o lançamento de Bluesman, Yung Buda twittou sobre Baco Exu do Blues ter supostamente copiado a cadência de seu companheiro de SoundFoodGang Nill na faixa-título; comentários em "Nicole Bahls", do MC Igu, comparam o flow do rapper ao do Smokepurpp em "Pockets"; até o gringo Chi Kartel acusou Matuê de ter copiado sua "Money Calling" em "Banco".

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Em todos os casos, os fãs e curiosos que se dispõe a comentar se dividem: alguns acusam que as faixas são de fato parecidas (ou idênticas), alguns dizem não enxergar similaridade alguma. A polêmica gerada traz à tona uma pergunta que cerca todas essas discussões, mas nunca é tocada de fato: o que, afinal, pode ser considerado plágio na música pop do século 21?

O conceito de plágio, segundo o dicionário Michaelis, pode ser simplificado como uma supressão da autoria: o ato de apresentar uma obra de outrem como se fosse sua, ou uma obra sua contendo partes de alguma outra sem que isso seja indicado e sem a permissão do autor. É possível colocá-lo, portanto, como contrário a ideias como a de inovação ou criatividade, que já são complexas por si só.

Em sua tese de doutorado sobre o conceito de inovação na arte, a especialista em estética e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Christiane Wagner discute a dificuldade da definição de criatividade no universo artístico, dizendo que a mesma é um "fenômeno pouco conhecido". Ela descarta, porém, qualquer coincidência a respeito de criações similares no campo da arte, diferindo os plágios dos chamados "pastiches", obras que contém referências de outros autores e baseiam-se em "encontrar situações semelhantes não pela coincidência, mas pela reutilização de situações já exploradas por meio de novas aplicações."

Para o pesquisador do campo de música experimental Henrique Iwao, porém, como explicado em sua dissertação de mestrado Colagem musical na música eletrônica experimental, o conceito de plágio pode ser utilizado justamente para questionar a validade de técnicas como a colagem e a citação, que implicam referências a outras obras. Ele utiliza como exemplo os Tape-beatles, um grupo multimídia norte-americano cujo boa parte da "produção" inicial, no começo dos anos 1990, consistia em pedaços de músicas dos Beatles, MC Hammer, James Brown, Led Zeppelin e quem mais aparecesse pela frente. Em uma entrevista feita em 1991 e publicada no site da banda, o membro Paul Neff explica que “música não é propriedade. Música é um monte de ideias, e ideias para todos usarem. Não é um forte argumento legal, mas é um forte argumento emocional.”

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Iwao radicaliza ainda mais a crítica à necessidade pela criatividade e inovação, parafraseando o professor da Universidade de Cambridge William Ralph Inge e questionando "o que é a originalidade se não o plágio não-detectado?"

Esse discurso torna-se um tanto mais intrincado, porém, quando não estamos falando de bandas obscuras e música experimental, mas de faixas que angariam milhões de visualizações e passam algumas semanas no topo das paradas da Billboard. Toda a teoria de que música não é propriedade cai por terra, e são adicionadas algumas camadas de complexidade que dizem respeito à lógica de mercado.

Talvez a principal delas, e a que me saltou à mente logo na primeira vez em que ouvi "7 rings", é que quanto mais reconhecível a música, maior o seu potencial de popularização. A formação de nossos gostos musicais segue a lógica de um ciclo vicioso de que o que toca insistentemente acaba grudando na nossa cabeça, o que garante que martelemos o dedo no play e que a música, então, siga tocando e contagiando outros. Há alguns meses, entrevistei a musicoterapeuta Priscila Mulin e ela explicou que a familiaridade musical gera um sentimento de "eu conheço, então eu gosto." Não à toa, a música pop está cada vez mais homogenizada, como investigou esta matéria do The New York Times publicada em agosto.

Num 2019 em que 11 das primeiras 20 músicas na Hot 100 da Billboard pertencem de uma forma ou de outra ao universo do hip hop, faz sentido que Ariana Grande corra em direção às batidas trap e flows facilmente identificáveis usados em "7 rings". A ética do hip hop em relação à cópia e plágio, no entanto, é um pouco mais complexa do que no restante da música pop.

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Na dissertação No Bitin' Allowed: A Hip-Hop Copying Paradigm for All of Us, o advogado Horace E. Anderson Jr. compara as regras não-explícitas de plágio no hip hop às leis de direitos autorais nos Estados Unidos para estabelecer um novo paradigma do que poderia ser considerado "cópia". Ele explica que há algumas formas de se imitar e referenciar no rap (entre elas, biting, que é copiar uma letra ou flow, beat-jacking, que é roubar um beat, ghosting, que é ter um terceiro escrever suas letras, entre outros), e há éticas diferentes envolvidas em cada uma delas.

A mais grave, segundo Anderson, é biting. O advogado explica que a tática é "não é apenas vista de maneira negativa: está entre as mais chocantes, se não a mais chocante forma de imitação do hip-hop." Esta ideia é confirmada por rappers desde o início: já nos anos 80, Gradmaster Caz garantia que imitar colegas é "pura traição", e Slick Rick dizia que os biters estavam lhe apunhalando pelas costas. Em relação às outras maneiras de imitação, porém, Anderson resume o julgamento sobre os casos em uma questão: "A imitação contribui para uma conversa maior dentro da comunidade/cultura?"

Em oposição a "7 rings", por exemplo, falemos de "SICKO MODE", parceria do Travis Scott com o Drake. As duas fazem referência à mesma faixa clássica de Biggie, "Gimme the Loot", mas enquanto Ariana a insere num contexto de consumismo superficialmente vazio, o uso de Travis traz à tona toda a história entre rappers, negritude, dinheiro, crime e ostentação. Para Anderson, no hip hop, é preciso levar tudo isso em consideração em discussões sobre plágio.

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Definições legais

Na arte qualquer criança brinca e se diverte, mas é preciso lidar com as consequências. Talvez o caso de Ariana Grande não tenha (ainda) terminado em processos e tribunais, mas muitos outros já tomaram esse caminho: no ano passado, Robin Thicke e Pharrell foram condenados a pagar 5,3 milhões de dólares à família de Marvin Gaye pela música "Blurred Lines" (2013) ter sido considerada um plágio da faixa "Got to Give It Up" de Gaye, de 1977. Em 2017, Ed Sheeran pagou US$20 milhões ao cantor Matt Cardle pelo roubo de sua faixa "Amazing" em "Photograph".

No Brasil, não há uma definição legal do que é plágio, mas a cópia da obra de outros artistas pode ser enquadrada como violação de direitos autorais, de acordo com a lei nº 9.610/1998 e o Código Penal. Segundo o advogado e especialista em direitos autorais Leo Wojdyslawski, tem sido cada vez mais difícil que casos de processo por plágio aconteçam por dois motivos: o primeiro é a diluição do conceito de autoria — uma só faixa pode ter cinco, dez ou quinze compositores e produtores creditados — e o segundo é o esgotamento da gama de possibilidades dentro das quais a música pop pode trabalhar.

Para o advogado, se há uma referência ou pedaço de uma música na de outro artista (a lei de direitos autorais possibilita o uso de pequenos trechos de outras obras), o ideal é que o uso seja autorizado ou que a autoria de tal trecho seja deixada clara. Se a releitura não for liberada, o ideal é deixar para lá e não correr o risco de tomar um processinho.

Wojdyslawski diz, ainda, concordar com a ideia de Wagner de que as possibilidades de coincidência são limitadas: o mais provável é que sejam inspirações mal-disfarçadas. “O autor, em geral, pega uma base e usa como inspiração, tenta ir por outros caminhos. Tem que ter um pouco de suor. O pop é uma evolução do que todo mundo já fez, mas aquilo não precisa se confundir com a música de outras pessoas.”

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