O projeto que quer encher seu feed de homens trans
Todas as fotos por Soraya Zaman. 

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Viagem

O projeto que quer encher seu feed de homens trans

Histórias da comunidade transmasculina contadas visualmente pela fotógrafa Soraya Zaman.

Assim como a relação da sociedade com questões de gênero e de linguagem neutra vem melhorando devagar, pessoas trans finalmente conseguem conquistar um multi-dimensional e autêntico lugar para elas na cultura pop. Mas enquanto os papéis para as pessoas trans na TV e em filmes estão começando a sair dos famosos esteriótipos e dos clichês horrorosos, ainda tem muito trabalho que precisa ser feito e uma grande diversidade de histórias não-binárias que precisam ser contadas.

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Um pessoa que tem feito esse tipo de trabalho é a fotógrafa Soraya Zaman cujo projeto chamado “American Boys Project” vem ajudando a expandir nossas percepções sobre a comunidade transmasculina, apresentando uma variedade de identidades e experiências trans, enquanto cria um espaço seguro no Instagram pra qualquer um que já sentiu que não se encaixa perfeitamente na concepção estrita da cultura de gêneros.

Aodhàn

Identificando-se como queer, Soraya diz: “Crescer sem ter uma linguagem ou pessoas com quem me identificasse e sem saber como expressar corretamente como me sentia com relação ao meu gênero foi difícil. Levei um bom tempo pra mergulhar na minha própria noção de self. Isso torna o projeto bem pessoal nesse sentido.” A juventude de hoje, por outro lado, encontra uma nova linguagem e novas maneiras de forjar suas identidades únicas, online. “Eu acho realmente incrível que o papo sobre gênero esteja mudando e quis explorar isso através da minha fotografia,” conta. “Fico muito feliz em saber que os jovens não tem mais que sentar e se perguntar por quê se sentem diferentes, e em vez disso tem um espaço seguro para explorar suas próprias expressões.”

E graças ao seu deslumbrante feed do Instagram @americanboysproject e seu livro com o mesmo título que vai ser publicado em abril de 2019 pela Daylight Books, que contém fotos e entrevistas curtas com uma diversidade de pessoas da comunidade transmasculina, encontrar uma pessoa gender queer que te inspira, se parece com você, ou simplesmente entende exatamente o que você está passando ficou muito mais fácil.

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Tyler

VICE: Você pode me dizer como começou o projeto?
Soraya Zaman: Comecei o projeto no verão de 2016. Eu realmente queria voltar a fotografar porque eu amo ser fotógrafa. Pra mim, é sobre a interação humana e a troca que existe com alguém quando você fotografa essa pessoa e capta aquele momento real e autêntico. Venho explorando minha fotografia pessoal em um espaço queer e fazendo bastante fotos na rua, nas noitadas gays e queers. Eu sempre amei o modo como a comunidade transmasculina compartilha suas histórias online e tudo partiu daí. Em essência, estou juntando todas essas histórias individuais em um único trabalho.

Benson

Como o projeto evoluiu ou mudou desde que você começou?
Mudou de várias maneiras. Quando eu comecei o projeto há quase três anos foi um início bem modesto, como um projeto pessoal. Conforme eu conhecia e fotografava cada pessoa, eu rapidamente aprendi o quão válida era aquela experiência para cada uma delas e como era importante compartilhar suas histórias. Senti a responsabilidade de honrar suas jornadas e fazer o melhor que pudesse com meu trabalho pra mostrar para o mundo todo.

Elias

O que você espera demonstrar através dessas imagens?
A essência do projeto é expressar a natureza humana. Capturar a humanidade, a vulnerabilidade, a beleza, o humor e a sinceridade de cada um é algo que espero que pessoas possam se conectar, independente de sua identidade de gênero. Para a juventude trans e não-binária, ver uma imagem positiva pode ajudá-los a tomar coragem de dar os primeiros passos para viver sua verdade ou talvez que algum parente veja o trabalho e aprenda mais e se sinta mais confortável com o processo.

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Também tenho esperanças que esse trabalho cresça e seja visto por pessoas de fora da comunidade LGBT e por aqueles que talvez não tenham tido muito contato com a galera trans e não-binária. Eu acredito que as pessoas estão genuinamente querendo aprender mais sobre e fazer perguntas. Um livro é um jeito legal de explorar essa curiosidade e aprender mais. Medo e preconceito vêm do desconhecido e grande parte da transfobia e da não compreensão resulta da falta de informação. Mas eu acredito que o simples ato de ver imagens e ouvir histórias pode ajudar a quebrar algumas dessas percepções e desmascarar um pouco do mistério, e que as pessoas podem aprender que não tem nada de ameaçador a eles ou à sua própria identidade.

Caden

Como você se sente sobre a representatividade de homens trans e da beleza trans na cultura popular?
Eu acho que a comunidade transmasculina não vem sendo representada na mídia mainstream, e quando é, geralmente seus corpos são fetichizados e super sexualizados. Você encontra artigos sobre “Os 10 homens trans mais gatos” etc., e isso é tudo o que você vê. Mas acho que isso vem mudando, o que é bem legal. Eu tentei representar uma variedade de pessoas. Algumas foram incluídas nessa lista mas outras não. As imagens oferecem uma visão mais crua e sincera da representação de uma identidade trans. Eles são todos fotografados com suas próprias roupas e nos arredores de onde vivem. Aliás, a apresentação do corpo não é na intenção de sexualizá-lo, mas para mostrar que os corpos trans não necessariamente se encaixam nas expectativas cis e que tá tudo bem com isso.

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Chella Man

Como você encontra seus modelos?
Encontrei cada um deles no Instagram e entrei em contato por mensagem privada. Na verdade eu acredito que as plataformas sociais online como Instagram e YouTube são uma grande parte da razão pela qual a evolução dos gêneros vem acontecendo agora. A juventude de hoje tem acesso à informação e consegue se conectar a outras pessoas do mundo todo através de seus telefones e computadores, e encontrar uma comunidade ou um ponto de referência para o que estão sentindo. Nós nunca fomos capazes de fazer isso tão facilmente. Quase todo mundo que eu fotografei disse que seu momento “arrá!”, quando perceberam que eram transgêneros, foi ao assistir um vídeo no YouTube de um homem trans documentando sua transição, ou vendo o feed do Instagram de alguém. Eu acho isso muito marcante e um sinal dos tempos atuais.

Dominic

As pessoas que você fotografa têm alguma preocupação sobre como suas imagens serão recebidas?
Tem sido bem positivo e todo mundo está animado em fazer parte desse trabalho. Eu sempre abordei o tema tentando mostrar as pessoas que fotografei de forma positiva e sincera, e do jeito que eles gostariam de ser vistos. Tenho trabalhado duro pra manter um espaço inclusivo e positivo, sem lugar pra negatividade. Tenho consciência de que quando a exposição do projeto crescer, comentários negativos vão aparecer, principalmente no Instagram. Espero que possamos tornar isso uma oportunidade de mudar a percepção das pessoas.

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Ethan

O que te surpreendeu mais sobre as pessoas que fotografou?
Acho que quando comecei o projeto, eu estava preparada pra uma série de histórias tristes sobre famílias renegando seus filhos por serem transgêneros. Não me entenda mal, muitos tiveram que lutar pela aceitação de seus familiares e amigos, e geralmente isso foi e ainda é extremamente difícil. Algumas histórias com certeza partiram meu coração. Mas eu fiquei agradavelmente surpresa com o número de histórias positivas; de pais que escolheram aceitar seus filhos como trans assim que viram o quanto eles ficaram felizes por estarem vivendo em sua própria verdade. Eles preferiram ver seus filhos felizes e vivos do que deprimidos e com tendências suicidas. Eu só espero que com o tempo, mais e mais pessoas trans tenham a mesma aceitação.

Gabe

Eu amei que as fotos deles acompanham pequenas descrições sobre suas personalidades e jornadas. Por que você achou que seria importante adicionar essas informações?
Eu acho legal ter uma noção de cada pessoa e de seu caráter, porque todo mundo é tão diferente e é importante compartilhar a diversidade. Quando encontrei com cada um deles, sentamos por algumas horas e apenas conversamos. Eu gravei cada conversa, então tenho uma gravação de tudo o que falamos. O livro na verdade vai trazer algumas citações diretamente das pessoas em vez dos meus comentários. Entre as citações tem histórias sobre a transição ou comentários e opiniões sobre identidade de gênero, sexualidade, política, questões raciais, relacionamentos, religião, etc. então vai ser diferente dos meus comentários no Instagram e mais pessoal a cada assunto.

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Jaimie

Muitas dessas pessoas tomam testosterona por meses, se não anos. Você tem planos de fotografar pessoas que ainda estejam no começo da transição?
Todo mundo que fotografei começou a tomar testosterona na mesma época em que os conheci, mesmo que isso não tenha sido planejado. O processo de encontrar as pessoas começou bem antes de eu realmente visitá-las. Eu estava procurando por pessoas que naturalmente soubessem contar histórias delas mesmas ou do mundo ao seu redor. Algumas têm um entendimento intuitivo de como compartilhar imagens e histórias e esse foi meu fator determinante. Encontrei Chela Man antes de iniciar o tratamento com testosterona e eu sabia que ele teria que fazer parte do projeto, mas quando eu consegui agendar uma data para fotografá-lo ele já havia começado o tratamento há mais ou menos duas semanas. O motivo de eu especificar o tempo de tratamento com testosterona em cada postagem não é sobre validar sua identificação como transgênero, mas para ser usado com um marcador de tempo. Todas as pessoas do projeto foram fotografadas um ou dois anos atrás e muitos já mudaram bastante desde que nos conhecemos e fotografamos.

Jimi

Por que você acha importante mostrar membros da comunidade transmasculina em todas essas diferentes fases?
Eu acho que pessoas de diferentes estágios têm conhecimentos e pontos de vista diferentes sobre o processo, o que é importante ser compartilhado já que todos são válidos. Inclusive, é inegável o quão maravilhoso é ver como processo de injetar hormônios pode transformar o corpo humano e ajudar a alinhar a identidade de gênero de uma pessoa à sua aparência e à forma como se apresenta ao mundo.

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Rufio

E como a estética americana se tornou atraente para que você focasse o projeto nela?
Eu sou australiana, então acho que consigo ver a cultura americana de um ponto de vista de alguém de fora. Existe essa ideia nostálgica do que é “American Boyhood” pelo país e como o lugar em que você cresce e vive influencia na pessoa que você é. Crescer em Nova York é totalmente diferente de crescer na Louisiana ou no Texas ou em Oregon. O título do projeto, “American Boys” é uma chamada intencional à essa ideia e tem como objetivo desafiar o modo como as pessoas enxergam e percebem os papéis tradicionais de gênero e as interpretações culturais pelo país. Por essa razão foi realmente importante pra mim que eu tivesse essa variedade geográfica de pessoas espalhadas pelo país. Acabei visitando 19 estados em todo o território dos EUA e o mapa de lugares que visitei é algo importante a ser incluído no livro.

Sam

Por que você acha que existe a necessidade de um projeto como esse agora?
Porque a geração millennial está liderando a evolução dos gêneros. Existe um movimento forte não só nos Estados Unidos, mas por todo o mundo, para que a gente pare e repense como enxergamos e interpretamos os gêneros. Estamos todos sendo convidados a ouvir nossos jovens se levantando e dizendo "Meu corpo não é uma representação de como eu sinto que é meu gênero". As pessoas que estão nessa jornada agora são pioneiras, são parte da primeira onda do movimento, e serão as primeiras pessoas com tratamento de hormônios desde jovens até os tempos futuros. Então é realmente importante registrar isso. Espero que, em mais ou menos 20 anos, esse trabalho possa atuar como um marco histórico dos tempos atuais quando olharmos para o que está acontecendo agora com relação à gêneros e política.

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Teddy

Como você espera ver esse projeto crescer?
Bom, minha próxima grande meta é ter o livro finalizado e publicado e fazer uma exposição em Nova Iorque.

Eu tenho o sonho de, de algum jeito, trazer todo mundo do projeto para Nova York para estarem na abertura da exposição. Seria incrível disponibilizar a oportunidade de um meet-and-greet não só para eles, mas também pra todo mundo que for à inauguração. Acredito que poderia ser um momento muito especial e uma oportunidade de trazer a comunidade transmasculina aos holofotes e torná-la visível, em um único espaço.

Thomas

Artigo originalmente publicado na VICE US.

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