Usar a camisa da seleção na Copa é coisa de coxinha?

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Usar a camisa da seleção na Copa é coisa de coxinha?

Depois das manifestações políticas entre 2015 e 2017, a amarelinha parou de ser relacionada apenas ao futebol. Sociólogos contam como ressignificar o uniforme nacional.

Milhares de pessoas vestiram a camisa da seleção brasileira para acompanhar a estreia da equipe, neste domingo (17), na Copa do Mundo da Rússia, diante da Suíça. Ao que parece, ninguém se importou ao ver que um companheiro de bar ou membro da família usava o manto que se tornou o principal objeto para caracterizar aqueles que foram às ruas contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a partir de 2015, no primeiro ano do segundo mandato da petista.

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Símbolo da ala “Manifestoches” no desfile da Paraíso da Tuiuti, no Carnaval do Rio de Janeiro deste ano, a camisa esteve em flerte constante com a polarização política dos últimos anos. Era vestimenta obrigatória de uma parcela da população que se dirigia aos principais pontos das capitais brasileiras para bradar contra a corrupção, pedir o resgate de valores ditos históricos e despejar conceitos nacionalistas de maneira simplista.

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Nesse cenário de brigas políticas, a camisa da seleção brasileira surgiu como símbolo de uma suposta unidade nacional. “Esses movimentos possuem certo ranço nacionalista. Isso tem sido manifestado em frases como ‘vamos lutar pelo Brasil’, ‘vamos melhorar o país’ etc. Concorre com isso o fato de não termos símbolos políticos e culturais na nossa história”, argumenta o professor Luiz Carlos Ribeiro, coordenador do Grupo de Estudos “Futebol e Globalização” da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “O hino nacional não é um símbolo cívico forte. A bandeira brasileira também não é, diferentemente do que acontece nos EUA ou com a Marselhesa, na França. Portanto, na hora de buscar elemento símbolo da manifestação de identidade nacional, o brasileiro encontrou o que estava mais à mão”, completa.

Para além da simbologia e do laço social criado baseado nas cores verde e amarelo, usar a camisa canarinho nasceu para combater um suposto inimigo nacional, cultivado desde a Era Vargas, em meados da década de 30. “Por parte de alguns, a utilização surge contra identificação à cor predominante do partido que estava no poder, o vermelho e a associação da cor ao comunismo”, assinala João Ângelo Fantini, professor de semiótica da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). “De forma mais utilitarista, o uniforme da seleção possivelmente é o único símbolo nacional que as pessoas deveriam ter à mão, já que bandeiras brasileiras, além de serem pouco vendidas, relembram um nacionalismo ainda bastante associado à ditadura.”

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Manifestantes pelo impeachment de Dilma Rousseff na Avenida Paulista em 2015. Foto: Jardiel Carvalho/ R.U.A Foto Coletivo

As rixas entre coxinhas e esquerdistas ganhou contornos ainda mais simbólicos com a criação de uma camisa vermelha, desenvolvida pela designer Luísa dos Anjos, de 26 anos. Após receber uma notificação judicial contra a comercialização do item pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em abril, Luísa modificou o emblema e reabriu as vendas no início de junho, com links disponibilizados em sua página no Facebook. Em entrevista recente ao El País, Luísa afirmou que iria torcer pelo Brasil com a sua “vermelinha”.

Ainda que novas alternativas sejam criadas para quem não gosta do amarelo e da CBF, a tradicionalíssima camisa da seleção brasileira, criada no início da década de 50 pelo jornalista, escritor e desenhista Aldyr Schlee, continuará sendo utilizada. Essa conexão, aliás, não está totalmente consolidada, diz Fantini. “Não acredito que a população como um todo entenda esta associação como única. Alguns brasileiros continuam viajando ao exterior usando o uniforme da seleção e não como atitude política. De resto, a Copa do Mundo começou e se o Brasil progredir na competição, acho que vamos ver muitos brasileiros usando a camiseta sem pensar em política. Depois virá a eleição, e aí, possivelmente a conotação política retornará”, pondera.

De acordo com o pesquisador de sociologia do esporte da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), Euclides Freitas, a camisa da seleção brasileira não pode ser refém de grupos políticos. Seu significado está para além disso. “A despeito da sua associação ao aparato simbólico dos ‘coxinhas’, há que se lembrar que, antes de tudo, ela é um dos símbolos da nação mais reconhecidos e respeitados internacionalmente”, diz. “Nesse aspecto, penso que há um certo exagero daqueles que condenam ao armário a camiseta amarela, já que os jogadores da seleção, em tese, não representam apenas a nação dos ‘coxinhas’."

Para Freitas, a canarinho é portadora de uma narrativa histórica gloriosa e de um valor inestimável na economia simbólica do futebol mundial. “Condenar ao ostracismo a canarinho em função da sua apropriação “indevida’ é entregar de mão beijada a eles um símbolo que pertence ao povo”, diz. “A camisa inaugurada por Carlyle (ídolo alvinegro nos anos de 1950) e que desfilou nos corpos de Garrincha e Pelé não merece morrer nos armários ou muito menos se tornar artigo de uso exclusivo dos ‘coxinhas’.”

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